São Paulo, sábado, 27 de julho de 2002

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LOBBY INTERNACIONAL

Nos anos 70, Raytheon foi derrotada

Vencedora do Sivam já teve ajuda do governo dos EUA contra franceses

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

A disputa entre fornecedores americanos e franceses pelo sistema de controle de tráfego aéreo no Brasil dura três décadas, marcadas por lobby intenso e pela interferência dos dois governos em defesa de suas empresas.
Nesta semana, a Folha revelou que espionagem do governo dos EUA e a ajuda de um militar brasileiro garantiram à companhia norte-americana Raytheon a conquista do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), projeto de US$ 1,4 bilhão de proteção da região que foi inaugurado anteontem. Sua principal concorrente foi a francesa Thomson-CSA.
Nos anos 70, a Raytheon e o governo francês disputaram um contrato com a Aeronáutica.
Para tentar vencer os franceses em 1971, a Raytheon contou com a ajuda de um astronauta, William Anders -integrante da missão Apollo 8, a primeira a entrar em órbita da Lua, em 1968.
Em 1971, às vésperas da visita do presidente Emílio Garrastazu Médici a Washington, Anders, que deixara a Nasa e trabalhava como assessor da Casa Branca, tentou convencer o presidente Richard Nixon a pressionar o governo brasileiro a contratar a Raytheon para instalar o Cindacta (Centro Integrado de Defesa e Controle de Tráfego Aéreo).
Anders fez chegar às mãos de Henry Kissinger, assessor de segurança nacional da Casa Branca, um apelo para que Nixon pressionasse Médici em favor dos americanos. O documento foi entregue à Kissinger por Robert Finch, secretário de Saúde dos EUA.
"Creio que o senhor tem conhecimento do fato de que os brasileiros estão ativamente engajados na aquisição de um sistema de controle de tráfego aéreo para a região do triângulo formado pelo Rio, São Paulo e Brasília", escreveu o astronauta. "A empresa Raytheon está em concorrência acirrada com os franceses pelo contrato, que vale US$ 60 milhões, valor este que provavelmente vai aumentar para entre US$ 300 milhões e US$ 500 milhões ao longo dos próximos dez anos".
Anders informa à Casa Branca que os franceses pareciam levar vantagem na proposta até então, mas que as coisas haviam mudado com a demissão do ministro da Aeronáutica, o marechal-do-ar Márcio de Sousa e Melo, substituído na pasta pelo tenente-brigadeiro Joelmir Campos de Araripe Macedo.
No Brasil, os motivos da demissão de Marcio Melo ainda são nebulosos. Alguns a creditam à crise irrompida na Aeronáutica após o assassinato do militante esquerdista Stuart Edgard Angel Jones, acusado de vinculação a grupos armados. No entanto, para Anders, a demissão de Melo resultou da "nuvem de desconfiança envolvendo suas relações com interesses franceses na venda do caça supersônico Mirage III".
Anders acreditava que chegara a hora de os EUA vencerem, mas os franceses levaram o Cindacta. Os EUA vieram a ter sua chance trinta anos depois, com o Sivam.


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