São Paulo, quarta-feira, 27 de julho de 2005

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Crises de choro marcam depoimento

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A instituição da família e a figura da dona-de-casa foram utilizadas ontem como uma espécie de salvo-conduto por Renilda Santiago, na CPI dos Correios, para tentar se dissociar dos negócios do marido, o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, e amenizar o questionamento dos parlamentares.
A personagem frágil, que chorou por cinco vezes, não foi a tônica de todo o depoimento. Ela também enfrentou parlamentares e disse que se tornou "um pouco leoa" para defender sua família, principalmente os dois filhos, depois que o nome de Valério apareceu no escândalo do "mensalão".
Renilda reclamou muito da exposição e da falta de privacidade que diz estar sofrendo e afirmou que teve depressão. "Minha família está desmoronando."
Apesar de ser sócia das agências de publicidade DNA e SMPB, Renilda afirmou que não participa das atividades das empresas. "Dei uma procuração a meu marido, como muitas mulheres no Brasil fazem. Se casou, você confia, ama e passa a ser do lar", disse, ressaltando que não se arrepende da opção. Ela disse conviver com Valério há 25 anos -sete de namoro e 18 de casamento.
Abrindo a bateria de perguntas, a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) tentou desconstruir o mundo à parte criado pela depoente e disse que a CPI não estava interessada na sua vida doméstica, e sim nas relações de seu marido com o governo e com partidos políticos.
"Algumas mulheres se satisfazem em ser do lar, mas para outras esse não é o caminho da felicidade. Até porque o lar é um tormento, é um trabalho repetitivo e doloroso", disse a senadora.
Renilda apresentou à CPI dois mundos: o de casa, onde não permite reuniões de negócios, e o das agências de publicidade das quais é sócia mas não sabe nem a "cor do tapete", segundo ela, que também disse não gostar de política. "Sou extremamente apolítica. Não lembro nem do deputado que votei na última eleição."
Formada em pedagogia, Renilda chegou a trabalhar no Bemge (Banco do Estado de Minas Gerais) mas encerrou a carreira ao ter o primeiro filho. Ela disse, no entanto, se arrepender de ter ficado "tão alheia" ao que acontecia em suas próprias agências.
Parlamentares tentaram convencer Renilda a entregar o próprio marido: "A senhora só se libertará e libertará seus filhos quando toda a verdade aparecer", disse o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA).
Chegou-se a sugerir que a sessão passasse a ser fechada para que ela pudesse fazer revelações. "A verdade que eu tenho a declarar estou declarando aqui na frente de todos", disse ao deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS).
Ela chorou pela primeira vez ao ser pressionada pelo senador César Borges (PFL-BA). O raciocínio era de que não seria possível ela não saber dos negócios de Valério e que, neste caso, teria sido vítima dele. "Eu estava com depressão, não saía do quarto, então não ficava perguntando as coisas que via na televisão", disse ela.
As lágrimas voltaram quando Renilda reclamou da falta de privacidade e de segurança decorrentes da exposição pública da família. Na terceira vez que chorou, depois de um embate com o deputado Alberto Fraga (PTB-SP), ela teve que sair da sala.
Contrariada com a agressividade de Fraga, ela reclamou que suas perguntas eram repetitivas. "Estou bem cansada de responder às mesmas perguntas. Já respondi isso quatro ou cinco vezes."
Esse não foi o único atrito do depoimento. O deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) queria o número do telefone celular de Marcos Valério. Ela disse que, por não saber de cor, encaminharia à Mesa Diretora depois. "Eu quero agora!", pressionava ele. Renilda foi socorrida pelo presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS). "Não entendo essa proteção à depoente", insistiu ele.
No final da sessão, Renilda voltou a se emocionar e não conseguia parar de chorar. O depoimento, que durou cerca de oito horas, foi encerrado com o questionamento do deputado Moroni Torgan (PFL-CE). Ele fez um apelo "à mãe Renilda" em nome da "história que vai deixar para seus filhos". "Essa é sua chance de virar a mesa", disse, provocando o quinto e último choro.
Delcídio encerrou a sessão visivelmente irritado. Ele já havia feito pedidos "em nome da humanidade" para poupar Renilda, e teve o apoio do relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR). "Você extrai da pessoa até o limite do possível, depois disso é tortura", disse Serraglio.
Eles ainda ouviram protestos do deputado Pompeu de Mattos (PDT-RS). "A Fernanda Karina [ex-secretária de Valério] agüentou e olha que foi chamada de tudo. Funcionária pobre tem que agüentar. Madame não precisa?", reclamou. (FK, LS e CG)


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