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COMENTÁRIO
Duas éticas em conflito
LUIZ TENÓRIO OLIVEIRA LIMA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Num evento público, como
esta CPI dos Correios, se entrecruzam, em diversos níveis, o
público, a dimensão política dos
fatos, e o privado, sua dimensão
doméstica, psicológica.
No caso em foco -o depoimento de Renilda de Souza-, a
natureza dramática do interrogatório torna-se mais visível, pelo
fato de ela ser simultaneamente
sócia e mulher de Marcos Valério.
Assim, interligaram-se dois planos que revelam na performance
uma ambigüidade interessante.
Essa ambigüidade interessa
porque decorre da estrutura da situação, para além das estratégias
de defesa e de acusação. Como
mulher de Marcos Valério, está e
se sente ligada ao marido, protege-o, assume-se responsável. Como mãe e dona-de-casa, manifesta-se com ternura e firmeza.
Quanto aos negócios públicos,
declara ignorância. Não gosta de
política. Desculpa-se. Parece sincera. Está sendo sincera. Embora
seja também evidente que se omite e dissimula.
Um senador, ao inquiri-la, parece tocar o núcleo de seu conflito: a
lealdade privada ao companheiro
de 25 anos ou a lealdade aos princípios que regem a vida coletiva
-os princípios republicanos.
Simplificando: a uma ética fundada em princípios, Renilda contrapõe uma ética fundada nos
sentimentos. Indagada, ela hesita
por alguns segundos, chora, e a
sessão é interrompida com o consentimento de todos.
O observador então pode vislumbrar por alguns instantes a
dúvida, a ameaça de rompimento
da frágil sutura entre expectativas
relativas a seu lugar no mundo
público, na cidade, e aquelas relativas ao seu futuro e ao futuro da
sua relação privada (conjugal e
amorosa). Por alguns segundos, a
dúvida: valerá a pena o sacrifício?
Terá ele, Valério, a mesma lealdade em situação semelhante?
O observador percebe que, nesse momento exato, seu desempenho atinge o ponto mais alto (a
emoção sincera expressando o sacrifício dos princípios) e o mais
baixo (a dissimulação como forma, não de se proteger, mas de
proteger o sócio-cônjuge).
Quando retorna, está refeita, recupera a firmeza e de fato desperta no espectador compreensão e
indulgência. É então que o ambiente torna-se mais relaxado.
Pode-se perceber nos lapsos de
linguagem uma alusão reiterada à
ambigüidade de sua situação:
mulher e cidadã.
Seu nome é confundido com o
nome Karina. O presidente da
CPI, Delcídio, diz que o nome Karina lhe ocorreu por lembrar o romance de Tolstói -Anna Karina,
corrige "Ana Karênina". Sorrisos.
O inconsciente cumpriu seu dever e ao psicanalista não foi necessária nenhuma interpretação.
Luiz Tenório Oliveira Lima é psicanalista, autor de "Freud" (Publifolha)
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