São Paulo, quarta-feira, 27 de julho de 2005

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MÔNICA BERGAMO

As agruras da vida a dois. Eis uma das questões discutidas na manhã de ontem, na CPI dos Correios, pouco antes de Renilda de Souza, 41, mulher de Marcos Valério, entrar no palco da comissão para dar o seu depoimento sobre os negócios do marido.
 

Numa rodinha de mulheres, a senadora Heloísa Helena conta que é amiga de seus ex-maridos e até das atuais mulheres deles. "Você casou quantas vezes, Heloísa? Desculpe perguntar..." diz a deputada Denise Frossard. "Duas." Ah, é? "É. E vou ser madrinha do filho de meu ex-marido." Espanto.
A senadora ensina: "Depois que você perde o coração de um homem, deixe ele ser feliz".
Numa sala reservada, Renilda aguarda ser chamada. Chegam um médico e uma enfermeira. Começam boatos de que ela alegará mal-estar súbito para fugir do depoimento à CPI.
 

Delcídio Amaral, presidente da CPI, anuncia a entrada de Renilda. A porta da sala não abre. Um funcionário corre até a porta. Bate. E aparece Renilda. Num terninho branco, calça preta, olhar assustado. Espocam os flashes.
Delcídio pede à depoente que informe "seu nome, estado civil, profissão". "Sou casada há 18 anos. Possuo dois filhos, o João Vitor, 4, e a Natália, 14. Moro na mesma casa há 14 anos. Estou sempre mexendo, sempre reformando. Sou pedagoga, do lar. Sempre em casa, sempre cuidando dos filhos."
Sobre as empresas e os negócios de Valério e do PT: "Eu nunca participei das empresas. Dei uma procuração para ele. Muitas mulheres fazem isso no Brasil. São do lar. Você confia, você ama. E você passa a ser do lar". Ela diz que o marido ganhava salário de R$ 60 mil, e ela, mesada de R$ 3.500. Que tem duas casas e alguns carros -entre eles, uma Land Rover, como o petista Silvio Pereira. Os parlamentares riem.
 

Começam as perguntas. Ela nada sabe, sempre confiou. "Sou apolítica, como os brasileiros. Se me perguntarem o deputado em que votei na última eleição, não lembro."
 

Alguns senadores começam a se dispersar. Eduardo Suplicy lê um artigo sobre o sexto sentido e a capacidade do pensamento de "chamar à existência coisas que não existem e de tratar as coisas que existem como se não existissem". Suplicy está com um band-aid na testa. Caiu no banheiro de um hotel ao correr do chuveiro para atender ao telefone.
 

O senador Sibá Machado dá queijo branco a outros parlamentares. "'Tá" muito salgado", diz Maurício Rands. "É queijo do Acre", explica o carioca Saturnino Braga.
ACM Neto está preocupado. Como conduzir as perguntas? Como pressionar uma mulher de aparência tão frágil na frente das TVs? "Você vai ter que ser um lorde", diz uma jornalista. "Ela é muito mais bonita do que a Fernanda Karina", diz ACM Neto, referindo-se à secretária de Valério. Os jornalistas concordam. "É elegante, tem um corte de cabelo bonito."
 

Fernanda Karina paira como uma sombra no ambiente. Denise Frossard dá a primeira gafe, ao começar uma pergunta: "Senhor presidente, senhor relator, senhora Ana Karina...". Gargalhadas. Até de Renilda. Delcídio a socorre: "Eu me lembro do romance do Tolstoi, da Ana Karenina, e também me confundo..." Alguém corrige a pronúncia de Delcídio: "Não é Kare-ní-na, é Ka-rê-nina". E Delcídio: "É, Ka-rê-nina!"

ACM Neto é delicado. "A senhora acha justo o seu marido ser abandonado?". "A responsabilidade não é única de Marcos Valério", responde ela. E fala de José Dirceu. Das reuniões do ex-ministro com os bancos Rural e BMG. Cesar Borges é mais duro. "Como uma boa esposa, a senhora assistiu ao depoimento de seu marido à CPI? Até lhe parabenizo por sua confiança em seu marido. Mas sabia que ele estava mentindo?"
 

Renilda se emociona. "Eu estava em depressão. Não saía do quarto. Não tinha o direito de ficar perguntando." Chora. Delcídio suspende a sessão. Renilda corre para o banheiro. Delcídio vai atrás. Heloísa Helena também.
Delcídio volta do banheiro. "Ela agora desabou!" Heloísa Helena sai do banheiro. "Ela está chorando. Quer que acabe tudo logo. E quer que os outros responsáveis também paguem. Ela é mãe, né? Ele vai pagar sozinho? Ela sabe que ele estava chafurdando com outros no inferno."
 

Recomeça o depoimento. Ney Suassuna pergunta se ela está pronta para o caso de o marido ser preso. "Estou. E rezo todos os dias para isso não acontecer." Murilo Zauith pergunta se, depois do escândalo, não houve "brigas" em casa. Sim. Sobre o futuro: "Temos que ver o que vai sobrar das empresas. E da Renilda. E do Marcos Valério. Para então juntar e começar tudo outra vez."


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