São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

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JANIO DE FREITAS

Conselhos ao telefone


Capaz de escarafunchar as mais marotas transações, por que a PF é incapaz de detetar autor de gravação criminosa?

AINDA QUE úteis para muita gente, os conselhos com que dois ministros de primeiro nível encerraram a semana são, também, duas autorizadas denúncias contra o governo Lula e contra vários governos estaduais.
O ministro José Múcio Monteiro, das Relações Institucionais, está tão convencido de que seu celular "é uma rádio comunitária", a ponto de que desistiu de pedir "varreduras" para eliminar escutas clandestinas.
Aconselha-nos a evitar, ao telefone, "palavras com dupla interpretação".
Aos que têm motivos de temor, o conselho pode estender-se às conversas pessoais, porque os minigravadores estão em moda. E ainda há a vulnerabilidade dos e-mails.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, antecipou-se por horas à gentileza cívica do colega e recomendou "acostumar-nos a falar ao telefone com a presunção de que alguém está escutando". Alguém, é claro que o ministro queria dizer, e não disse para não faltar ao seu tropeção habitual, alguém que não o interlocutor reconhecido.
Na atual CPI das Escutas Telefônicas, que constatou 407 mil escutas autorizadas pelo Judiciário só em 2007, apareceu a estimativa de que, para cada uma das autorizadas, há três clandestinas. Apesar de inconfiável como número, à maneira dos fictícios e interessados cálculos dos bilhões faturados pelo contrabando e a pirataria, a estimativa serve para lembrar a amplitude da penetração do crime atestada pelos dois ministros.
Esse atestado só foi possível, porém, por existir um anterior para autenticá-lo. É o de que o crime das escutas não depende só dos seus autores: decorre, antes de tudo o mais, da falta de ação governamental para reprimi-lo. Daí ao consentimento tácito, com efeito mais extenso e intenso a cada ano, não há diferença essencial.
Estão presos agora em São Paulo um delegado estadual e uma dupla que dirigiu para gravações ilegais o seu "empreendedorismo paulista", com êxito confirmado sob a forma de uma Ferrari e de um Mercedes para transitar entre o lugar de um "grampo" e outro. O mérito do trio não está, no entanto, no seu sucesso: está em ser, com a prisão forçada por um erro talvez banal, uma exceção notável. Para operar as gravações criminosas já estimadas na casa dos milhões por ano, há forçosamente um contingente enorme de criminosos que cobram e ganham um dinheirão no crime, em anos e anos que passam sem que se saiba de ação policial contra um deles, sequer.
Não é, reconheço, um modo educado de retribuir o conselho proveitoso do ministro Tarso Genro, mas é inevitável questionar a razão que o faz sugerir aos cidadãos a mudança de seus costumes, e não os da Polícia Federal, que está sob suas ordens e responsabilidades. Capaz de escarafunchar as mais marotas transações e contabilidades, caçar colarinhos brancos a granel, e cumprir direitinho as dicas de agentes americanos para apreender cocaína ao atacado, como e por que a Polícia Federal é incapaz de detetar autores de gravações telefônicas criminosas? Curiosidade que se aplica, também, às polícias estaduais de Brasília, do Sudeste, do Sul, da Bahia, entre outras.
A constatação e o conselho do ministro Tarso Genro são dois tiros no próprio peito. O governo federal é o primeiro e maior responsável pela banalização impune das escutas criminosas. E, no governo, o Ministério da Justiça.
PS: Por favor, não cite nada deste artigo a ninguém e, se o fizer, não esqueça: faça-o bem distante do telefone.


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