São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2004

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ENTREVISTA DA 2ª

EDSON VIDIGAL

Ministro volta a falar em intervenção e diz que "outros atores" apareceriam se pleito não estivesse próximo

Presidente do STJ liga eleições a omissão na greve do Judiciário

UIRÁ MACHADO
DA REDAÇÃO

A maior greve da história do Judiciário em São Paulo chega hoje a 91 dias. Os prejuízos à população são inegáveis. Para o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro Edson Vidigal, as partes envolvidas, ou omissas, deveriam pensar no interesse público. Ele afirma que se as eleições não estivessem tão próximas, "talvez outros atores tivessem comparecido à cena".
"Quem precisa de 2.000 ou de 5 votos para definir uma eleição vai se meter num problema desses?", pergunta. "É deplorável um cenário desses", completa.
De acordo com o ministro, quem sofreu graves prejuízos em decorrência da greve pode ajuizar uma ação de reparação de danos contra o Estado -que pode, depois, cobrar do agente público responsável.


Há que se pensar na população. São Paulo não pode ficar sendo a central do mau exemplo. A greve em si está resultando num mau exemplo para o país


O presidente do STJ afirma que a paralisação é ilegal e questiona a representatividade do movimento, mas considera o momento oportuno para a regulamentação do direito de greve para o servidor público. "Esse é o grande momento, porque estamos diante de um grande escândalo", disse. "Somos um país, infelizmente, ainda tocado a escândalos."
O ministro Vidigal voltou a falar em intervenção e na demissão dos grevistas, "um por um".
Confira a entrevista concedida à Folha na última sexta-feira.
 

Folha - A greve dos servidores do Judiciário é a maior da história. De quem é a responsabilidade pelo prolongamento dessa paralisação por tanto tempo?
Edson Vidigal -
Não vale mais a pena sair atrás de responsáveis. Os danos causados são irreparáveis. A população de São Paulo, que soma 39,2 milhões de habitantes -dos quais 10,7 milhões só na capital-, tem em seu meio 423 mil servidores estaduais ativos e mais 177,5 mil aposentados.
O Judiciário de São Paulo tem, nesse universo, algo em torno de 40 mil servidores. O movimento grevista se sustenta em assembléias de 3.000 pessoas que respondem pela totalidade. Há que se perguntar se essa vontade coletiva, flagrantemente minoritária, tem legitimidade para dizer o que os servidores querem.

Folha - Nas negociações da última semana, criou-se um impasse porque os cálculos dos servidores resultavam em reajuste médio de 17% e os do TJ (Tribunal de Justiça), em reajuste de 14%.
Vidigal -
Esse é outro aspecto. Como foi possível isso se arrastar por tanto tempo até se chegar a um impasse de 3%? Isso mostra que as partes em litígio não têm sido capazes de um bom entendimento. Exaurida a possibilidade do atendimento total da reivindicação salarial, outras questões poderiam ser colocadas na mesa de negociação como compensações.


O Estado não pode ser uma vaca com milhões de tetas para sustentar aspirações dentro de uma estrutura que não atende ao que a sociedade exige


Também me questiono se o Executivo, por meio dos representantes da área econômica, em algum momento participou direta ou indiretamente dessas negociações. Essa diferença que gerou o impasse não poderia ter sido negociada com um compromisso para o Orçamento do próximo ano? Há que se pensar na população. São Paulo não pode ficar sendo a central do mau exemplo.

Folha - Essa greve é um mau exemplo por parte de quem?
Vidigal -
A greve em si está resultando num mau exemplo para o país. O que se espera de São Paulo é um bom exemplo para que os outros possam imitar. Nós, brasileiros, nos acostumamos a ver São Paulo como um bom exemplo. São Paulo não pode parar, [porque] é o carro-chefe do comboio, é a locomotiva do Brasil.
O que estamos vendo nessa ação generalizada de desrespeito ao povo de São Paulo são maus exemplos. Não foi possível chegar a um acordo que pusesse fim a isso que hoje é um fator de revolta.
É a insegurança jurídica atemorizando os empresários, a tristeza no rosto das mães que estão esperando por pensões alimentícias, a revolta dos parentes de tantos que já cumpriram pena e estão presos sem poder ser soltos, é o mercado imobiliário inteiramente paralisado. Todo mundo já começou a pagar caro por esse movimento.

Folha - Como resolver a questão?
Vidigal -
Tem que ir para a solução final, que até já foi determinada pela administração do TJ: descontar os dias parados. Não há um estado de greve legalmente reconhecido. Não pode 39 milhões ficarem reféns da vontade de poucos por conta de questões corporativas próprias.
Se nada resolver, demite um por um, manda todo mundo embora, convoca um novo concurso. Está cheio de gente desempregada em São Paulo com curso superior.
A democracia é o regime do maior número. As minorias têm que se curvar às decisões das maiorias. Isso é que é democracia. Então é preciso pensar no interesse público, pensar no Brasil.

Folha - Quem deveria pensar no interesse público?
Vidigal -
Todos. Os servidores, os líderes da greve, os que não foram capazes de conduzir as negociações. Todos [os que não pensaram], até por sua omissão.

Folha - Quem poderia ter se envolvido?
Vidigal -
Quem não se envolveu, quem se omitiu. Devia ter mais gente trabalhando nisso.

Folha - Durante as negociações, foi comum o TJ dizer que não tinha mais verba para aumentar o reajuste pleiteado. Mas esse repasse deve vir do governo do Estado.
Vidigal -
Claro.

Folha - O governo diz que não pode fazer o repasse. Como resolver esse "jogo de empurra"?
Vidigal -
Nada poderia ter sido iniciado e nada poderia prosseguir sem o envolvimento direto de algum representante do Executivo falando por sua área econômica. O Executivo é que gere as finanças públicas. Tem que se conduzir a discussão de modo a remover o obstáculo da greve, repito, ilegal. Não há um estado de greve legalmente reconhecido porque a greve de servidor público, segundo entendimento do STF, é ilegal. Há que se estabelecer um bom senso.

Folha - Falta bom senso?
Vidigal -
O Estado existe para servir a sociedade. Os servidores públicos são empregados do povo, e não empregados de si mesmos. Quem vai para a área pública já sabe que vai ganhar mal.
O Estado não pode ser uma imensa vaca com milhões de tetas para ficar sustentando aspirações dentro de uma estrutura que não atende efetivamente ao que a sociedade exige. Os impostos que são pagos no Brasil, de modo geral, não se revertem efetivamente para o bem comum.

Folha - O governo não poderia tirar verba de algum outro setor e colocar no Judiciário, fazendo uma avaliação de que o Judiciário está numa situação precária?
Vidigal -
Só quem pode fazer esse tipo de avaliação é o governador, porque ele é o gerente das finanças públicas. Os outros poderes [Legislativo e Judiciário] recebem apenas uma ração.

Folha - Há como imaginar algum tipo de interesse político ao se fazer uma greve desse tamanho?
Vidigal -
Eu estranho que, no cenário político, não tenha registro de nenhuma manifestação contra ou a favor da greve. Mas posso compreender que isso ocorra porque estamos em vésperas de eleições. Parece que há muito cuidado para que não se percam votos. Mas é preciso pensar nos 39 milhões de habitantes do Estado de São Paulo, é preciso pensar na economia, nas pessoas que já estão sendo punidas injustamente por essa greve.

Folha - Se não estivéssemos tão próximos da eleição talvez...
Vidigal -
Talvez outros atores estivessem comparecendo também à cena.

Folha - O que a eleição tem a ver com essa greve?
Vidigal -
Óbvio: quem precisa de 2.000 votos, 5 votos para decidir uma eleição vai se meter num problema desses, dizendo se é contra ou a favor? Eventualmente pode perder voto da sociedade que está contra, ou pode perder voto de quem está a favor. Isso é deplorável. É deplorável um cenário desses.

Folha - Na segunda-feira passada, o senhor disse que seria o caso de uma intervenção em São Paulo para pôr fim à greve.
Vidigal -
Essa intervenção nunca aconteceu da forma como está prevista na Constituição, mas ela é uma receita prescrita para situações como essa.

Folha - Como ela levaria ao fim da greve?
Vidigal -
Repondo a ordem para o Poder [Judiciário] voltar a funcionar livremente.

Folha - Pelo que o senhor disse, por meio da demissão.
Vidigal -
Isso seria pauta do interventor. Essa intervenção, eu imagino, é uma intervenção setorial. O que está ensejando o não-funcionamento livre do Poder Judiciário é a administração, não é a jurisdição. A jurisdição não se realiza não é porque os juízes não queiram, os juízes não estão em greve nem poderiam estar. São os servidores, que dão a estrutura de apoio. Essa é uma questão administrativa, que não é muito difícil de ser resolvida.

Folha - Para o TJ, não é o caso de intervenção porque os juízes estão trabalhando.
Vidigal -
Se o funcionamento do Judiciário dependesse apenas de juiz, não precisaria de funcionário. O Judiciário está parado. É o caso de intervenção.
Mas todo trabalho tem que ser feito para que não se ponha a teste a receita constitucional. Muitas coisas a gente sabe como começam mas não como terminam. Essa a gente não sabe exatamente nem como começa.

Folha - O senhor disse que a greve do servidor público é ilegal. Para alguns especialistas, a ausência de uma regulamentação do direito de greve no setor público não pode ser entendida como a ausência de um direito.
Vidigal -
Essa discussão, por mais sedutora que possa se revelar, não leva a lugar nenhum. O sistema democrático reserva a um único poder a competência para dizer as leis. Não é a academia que vai dizer a lei. Quem tem que dizer é o STF, é o STJ, e esses já disseram várias vezes [que a greve no setor público é ilegal]. Enquanto eles não se manifestarem em sentido contrário, é isso. A isso se chama segurança jurídica. Não pode o Judiciário a cada momento dizer uma coisa diferente.
Agora, por que não mobilizam todas essas energias para cobrar dos deputados, dos senadores, dos líderes de São Paulo, que se vá ao Congresso Nacional pedir a regulamentação do dispositivo da Constituição? Alguém apresentou, nessa agenda de reivindicações, um item para se constituir uma comissão mista para elaborar um anteprojeto de lei para ser encaminhado como sugestão ao Congresso Nacional?

Folha - O direito de greve é previsto na Constituição, mas falta regulamentação. Para o setor privado, essa regulamentação existe desde 1989. Por que a greve não é regulamentada para o setor público? Falta interesse político?
Vidigal -
No Brasil, as coisas acontecem só depois que há um escândalo. Somos um país, infelizmente, ainda tocado a escândalos. Em razão de um escândalo vem uma CPI, uma Emenda Constitucional, uma Medida Provisória ou uma lei. Esse é o grande momento, porque estamos vendo a o que a falta de regulamentação pode levar.
Aqui [em São Paulo] tem tudo para que sentem todos à mesma mesa para discutir e elaborar um anteprojeto de regulamentação do direito de greve para o servidor público.

Folha - A hora é propícia?
Vidigal -
Esse é o grande momento, porque estamos diante de um grande escândalo. Os prejuízos que São Paulo está tendo vão repercutir no Brasil inteiro.

Folha - As pessoas que se sentirem prejudicadas podem ajuizar alguma ação contra o Estado para que ele se responsabilize pelos danos causados?
Vidigal -
Sim.

Folha - Que tipo de ação?
Vidigal -
Seria uma ação de reparação de danos.

Folha - Contra quem?
Vidigal -
Contra o Estado de São Paulo, pessoa jurídica de direito público interno, independentemente de quem seja o governador. Agora, imagine se as pessoas resolvem fazer isso? Mas estamos falando em tese.

Folha - Estamos falando em tese, mas elas podem fazer.
Vidigal -
Poderiam, se quisessem. Todo aquele que por imprudência, negligência ou imperícia causar dano a outro será obrigado a reparar o dano. Que há um dano, há.

Folha - A responsabilidade do Estado é objetiva, mas há um agente com responsabilidade subjetiva. O Estado tem direito de regresso contra o agente público responsável?
Vidigal -
Tem. Se alguém mover ação contra o Estado, o Estado depois vai atrás de quem for responsável. Mas isso tudo em tese. É preciso ver caso a caso.


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