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ENTREVISTA DA 2ª
EDSON VIDIGAL
Ministro volta a falar em intervenção e diz que "outros atores" apareceriam se pleito não estivesse próximo
Presidente do STJ liga eleições a omissão na greve do Judiciário
UIRÁ MACHADO
DA REDAÇÃO
A maior greve da história do Judiciário em São Paulo chega hoje
a 91 dias. Os prejuízos à população são inegáveis. Para o presidente do STJ (Superior Tribunal
de Justiça), ministro Edson Vidigal, as partes envolvidas, ou omissas, deveriam pensar no interesse
público. Ele afirma que se as eleições não estivessem tão próximas, "talvez outros atores tivessem comparecido à cena".
"Quem precisa de 2.000 ou de 5
votos para definir uma eleição vai
se meter num problema desses?",
pergunta. "É deplorável um cenário desses", completa.
De acordo com o ministro,
quem sofreu graves prejuízos em
decorrência da greve pode ajuizar
uma ação de reparação de danos
contra o Estado -que pode, depois, cobrar do agente público
responsável.
Há que se pensar
na população.
São Paulo não
pode ficar sendo
a central do
mau exemplo. A
greve em si está
resultando num
mau exemplo
para o país
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O presidente do STJ afirma que
a paralisação é ilegal e questiona a
representatividade do movimento, mas considera o momento
oportuno para a regulamentação
do direito de greve para o servidor
público. "Esse é o grande momento, porque estamos diante de
um grande escândalo", disse. "Somos um país, infelizmente, ainda
tocado a escândalos."
O ministro Vidigal voltou a falar
em intervenção e na demissão dos
grevistas, "um por um".
Confira a entrevista concedida à
Folha na última sexta-feira.
Folha - A greve dos servidores do
Judiciário é a maior da história. De
quem é a responsabilidade pelo
prolongamento dessa paralisação
por tanto tempo?
Edson Vidigal - Não vale mais a
pena sair atrás de responsáveis.
Os danos causados são irreparáveis. A população de São Paulo,
que soma 39,2 milhões de habitantes -dos quais 10,7 milhões só
na capital-, tem em seu meio
423 mil servidores estaduais ativos e mais 177,5 mil aposentados.
O Judiciário de São Paulo tem,
nesse universo, algo em torno de
40 mil servidores. O movimento
grevista se sustenta em assembléias de 3.000 pessoas que respondem pela totalidade. Há que
se perguntar se essa vontade coletiva, flagrantemente minoritária,
tem legitimidade para dizer o que
os servidores querem.
Folha - Nas negociações da última semana, criou-se um impasse
porque os cálculos dos servidores
resultavam em reajuste médio de
17% e os do TJ (Tribunal de Justiça), em reajuste de 14%.
Vidigal -Esse é outro aspecto.
Como foi possível isso se arrastar
por tanto tempo até se chegar a
um impasse de 3%? Isso mostra
que as partes em litígio não têm
sido capazes de um bom entendimento. Exaurida a possibilidade
do atendimento total da reivindicação salarial, outras questões poderiam ser colocadas na mesa de
negociação como compensações.
O Estado não
pode ser uma
vaca com milhões de tetas
para sustentar
aspirações dentro de uma estrutura que não
atende ao que a
sociedade exige
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Também me questiono se o
Executivo, por meio dos representantes da área econômica, em
algum momento participou direta ou indiretamente dessas negociações. Essa diferença que gerou
o impasse não poderia ter sido negociada com um compromisso
para o Orçamento do próximo
ano? Há que se pensar na população. São Paulo não pode ficar sendo a central do mau exemplo.
Folha - Essa greve é um mau
exemplo por parte de quem?
Vidigal - A greve em si está resultando num mau exemplo para o
país. O que se espera de São Paulo
é um bom exemplo para que os
outros possam imitar. Nós, brasileiros, nos acostumamos a ver São
Paulo como um bom exemplo.
São Paulo não pode parar, [porque] é o carro-chefe do comboio,
é a locomotiva do Brasil.
O que estamos vendo nessa
ação generalizada de desrespeito
ao povo de São Paulo são maus
exemplos. Não foi possível chegar
a um acordo que pusesse fim a isso que hoje é um fator de revolta.
É a insegurança jurídica atemorizando os empresários, a tristeza
no rosto das mães que estão esperando por pensões alimentícias, a
revolta dos parentes de tantos que
já cumpriram pena e estão presos
sem poder ser soltos, é o mercado
imobiliário inteiramente paralisado. Todo mundo já começou a
pagar caro por esse movimento.
Folha - Como resolver a questão?
Vidigal - Tem que ir para a solução final, que até já foi determinada pela administração do TJ: descontar os dias parados. Não há
um estado de greve legalmente reconhecido. Não pode 39 milhões
ficarem reféns da vontade de poucos por conta de questões corporativas próprias.
Se nada resolver, demite um por
um, manda todo mundo embora,
convoca um novo concurso. Está
cheio de gente desempregada em
São Paulo com curso superior.
A democracia é
o regime do
maior número.
As minorias têm
que se curvar às
decisões das
maiorias. Isso é
que é democracia. Então é preciso pensar no interesse público,
pensar no Brasil.
Folha - Quem deveria pensar no interesse público?
Vidigal - Todos.
Os servidores, os
líderes da greve,
os que não foram
capazes de conduzir as negociações. Todos [os
que não pensaram], até por sua
omissão.
Folha - Quem poderia ter se envolvido?
Vidigal - Quem não se envolveu,
quem se omitiu. Devia ter mais
gente trabalhando nisso.
Folha - Durante as negociações,
foi comum o TJ dizer que não tinha
mais verba para aumentar o reajuste pleiteado. Mas esse repasse
deve vir do governo do Estado.
Vidigal - Claro.
Folha - O governo diz que não pode fazer o repasse. Como resolver
esse "jogo de empurra"?
Vidigal - Nada poderia ter sido
iniciado e nada poderia prosseguir sem o envolvimento direto
de algum representante do Executivo falando por sua área econômica. O Executivo é que gere as
finanças públicas. Tem que se
conduzir a discussão de modo a
remover o obstáculo da greve, repito, ilegal. Não há um estado de
greve legalmente reconhecido
porque a greve de servidor público, segundo entendimento do
STF, é ilegal. Há que se estabelecer
um bom senso.
Folha - Falta bom senso?
Vidigal - O Estado existe para
servir a sociedade. Os servidores
públicos são empregados do povo, e não empregados de si mesmos. Quem vai para a área pública já sabe que vai ganhar mal.
O Estado não pode
ser uma imensa vaca
com milhões de tetas
para ficar sustentando aspirações dentro
de uma estrutura que
não atende efetivamente ao que a sociedade exige. Os impostos que são pagos no
Brasil, de modo geral,
não se revertem efetivamente para o bem
comum.
Folha - O governo
não poderia tirar verba de algum outro setor e colocar no Judiciário, fazendo uma
avaliação de que o Judiciário está numa situação precária?
Vidigal - Só quem
pode fazer esse tipo
de avaliação é o governador, porque ele é o gerente das finanças
públicas. Os outros poderes [Legislativo e Judiciário] recebem
apenas uma ração.
Folha - Há como imaginar algum
tipo de interesse político ao se fazer uma greve desse tamanho?
Vidigal - Eu estranho que, no cenário político, não tenha registro
de nenhuma manifestação contra
ou a favor da greve. Mas posso
compreender que isso ocorra
porque estamos em vésperas de
eleições. Parece que há muito cuidado para que não se percam votos. Mas é preciso pensar nos 39
milhões de habitantes do Estado
de São Paulo, é preciso pensar na
economia, nas pessoas que já estão sendo punidas injustamente
por essa greve.
Folha - Se não estivéssemos tão
próximos da eleição talvez...
Vidigal - Talvez outros atores estivessem comparecendo também
à cena.
Folha - O que a eleição tem a ver
com essa greve?
Vidigal - Óbvio: quem precisa de
2.000 votos, 5 votos para decidir
uma eleição vai se meter num
problema desses, dizendo se é
contra ou a favor? Eventualmente
pode perder voto da sociedade
que está contra, ou pode perder
voto de quem está a favor. Isso é
deplorável. É deplorável um cenário desses.
Folha - Na segunda-feira passada, o
senhor disse que seria o caso de uma intervenção em São
Paulo para pôr fim à
greve.
Vidigal - Essa intervenção nunca
aconteceu da forma como está prevista na Constituição, mas ela é uma
receita prescrita
para situações como essa.
Folha - Como ela
levaria ao fim da
greve?
Vidigal - Repondo a ordem para o
Poder [Judiciário] voltar a funcionar livremente.
Folha - Pelo que o senhor disse,
por meio da demissão.
Vidigal - Isso seria pauta do interventor. Essa intervenção, eu
imagino, é uma intervenção setorial. O que está ensejando o não-funcionamento livre do Poder Judiciário é a administração, não é a
jurisdição. A jurisdição não se
realiza não é porque os juízes não
queiram, os juízes não estão em
greve nem poderiam estar. São os
servidores, que dão a estrutura de
apoio. Essa é uma questão administrativa, que não é muito difícil
de ser resolvida.
Folha - Para o TJ, não é o caso de
intervenção porque os juízes estão
trabalhando.
Vidigal - Se o funcionamento do
Judiciário dependesse apenas de
juiz, não precisaria de funcionário. O Judiciário está parado. É o
caso de intervenção.
Mas todo trabalho tem que ser
feito para que não se ponha a teste
a receita constitucional. Muitas
coisas a gente sabe como começam mas não como terminam.
Essa a gente não sabe exatamente
nem como começa.
Folha - O senhor disse que a greve
do servidor público é ilegal. Para
alguns especialistas, a ausência de
uma regulamentação do direito de
greve no setor público não pode ser entendida como a ausência de um direito.
Vidigal - Essa discussão, por mais sedutora que possa se
revelar, não leva a
lugar nenhum. O
sistema democrático reserva a um único poder a competência para dizer as
leis. Não é a academia que vai dizer a
lei. Quem tem que
dizer é o STF, é o
STJ, e esses já disseram várias vezes
[que a greve no setor
público é ilegal]. Enquanto eles não se
manifestarem em
sentido contrário, é
isso. A isso se chama segurança
jurídica. Não pode o Judiciário a
cada momento dizer uma coisa
diferente.
Agora, por que não mobilizam
todas essas energias para cobrar
dos deputados, dos senadores,
dos líderes de São Paulo, que se vá
ao Congresso Nacional pedir a regulamentação do dispositivo da
Constituição? Alguém apresentou, nessa agenda de reivindicações, um item para se constituir
uma comissão mista para elaborar um anteprojeto de lei para ser
encaminhado como sugestão ao
Congresso Nacional?
Folha - O direito de greve é previsto na Constituição, mas falta regulamentação. Para o setor privado, essa regulamentação existe
desde 1989. Por que a greve não é
regulamentada para o setor público? Falta interesse político?
Vidigal - No Brasil, as coisas
acontecem só depois que há um
escândalo. Somos um país, infelizmente, ainda tocado a escândalos. Em razão de um escândalo
vem uma CPI, uma Emenda
Constitucional, uma Medida Provisória ou uma lei. Esse é o grande
momento, porque estamos vendo
a o que a falta de regulamentação
pode levar.
Aqui [em São Paulo] tem tudo
para que sentem todos à mesma
mesa para discutir e elaborar um
anteprojeto de regulamentação
do direito de greve para o servidor
público.
Folha - A hora é propícia?
Vidigal - Esse é o grande momento, porque estamos diante de
um grande escândalo. Os prejuízos que São Paulo está tendo vão
repercutir no Brasil inteiro.
Folha - As pessoas que se sentirem prejudicadas podem ajuizar
alguma ação contra o Estado para
que ele se responsabilize pelos danos causados?
Vidigal - Sim.
Folha - Que tipo de ação?
Vidigal - Seria uma ação de reparação de danos.
Folha - Contra quem?
Vidigal - Contra o Estado de São
Paulo, pessoa jurídica de direito
público interno, independentemente de quem seja o governador. Agora, imagine se as pessoas
resolvem fazer isso? Mas estamos
falando em tese.
Folha - Estamos falando em tese,
mas elas podem fazer.
Vidigal - Poderiam, se quisessem. Todo aquele que por imprudência, negligência ou imperícia
causar dano a outro será obrigado
a reparar o dano. Que há um dano, há.
Folha - A responsabilidade do Estado é objetiva, mas há um agente
com responsabilidade subjetiva. O
Estado tem direito de regresso contra o agente público responsável?
Vidigal - Tem. Se alguém mover
ação contra o Estado, o Estado depois vai atrás de quem for responsável. Mas isso tudo em tese. É
preciso ver caso a caso.
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