São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002

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Na opinião de brasilianista, mercado fantasia sobre Lula

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Wall Street continua "morando numa fantasia" em relação à candidatura do petista Luiz Inácio Lula da Silva, porque quer que tudo continue como está. A opinião é de um especialista, se não em mercados internacionais, pelo menos em Brasil.
Trata-se do historiador e brasilianista britânico Kenneth Maxwell, um dos principais estudiosos do Brasil no exterior. Ele falou à Folha sobre as eleições brasileiras de seu escritório no Conselho de Relações Internacionais em Nova York. "Os investidores internacionais fundamentalmente acreditam que ainda estamos na década de 90, não querem enxergar a realidade", disse ele.
Leia trechos da entrevista.

Folha - Qual a sua avaliação da eleição brasileira até agora?
Kenneth Maxwell -
É muito positiva, inclusive no aspecto técnico, com a votação 100% eletrônica. Isso deveria ser assunto de muito interesse para os Estados Unidos, em particular para a Flórida (em 2000, o Estado apresentou toda sorte de problemas durante a votação e contagem de votos das eleições presidenciais). Eles deveriam tomar nota de como fazer uma eleição decente, especialmente em Miami!

Folha - E politicamente, como o sr. avalia o processo?
Maxwell -
Até agora, tem sido o esperado. A população em geral é mais conservadora do que os especialistas, os que fazem as avaliações, é sempre assim, em qualquer lugar do mundo. É interessante ver que os eleitores brasileiros disseram "Sim, mais ou menos" para a oposição, mas não "Sim, completamente". Esse segundo turno é como se fosse um "Sim, mas espere um pouco para eu pensar melhor". É o apoio qualificado à oposição.

Folha - O sr. acha então que o candidato governista, José Serra (PSDB), ainda tem chances?
Maxwell -
Na política é sempre impossível dizer que o fim está no fim até chegar o momento, como já dizia (o primeiro-ministro britânico Winston) Churchill em sua famosa frase: "Na política, tudo pode mudar num instante".
Nós sempre devemos nos lembrar disso. Mas em geral sempre achei muito difícil para a situação ganhar tanta porcentagem para uma vitória, sem que para isso fosse necessária uma reviravolta que traria um monte de outros problemas para a futura governabilidade do Brasil.

Folha - Em um artigo seu publicado recentemente pelo jornal britânico "The Financial Times", o sr. classificou o comportamento do mercado internacional em relação à candidatura Lula de "realismo fantástico". O sr. poderia explicar o raciocínio?
Maxwell -
Eu acho realmente que Wall Street mora um pouco numa fantasia, porque só eles ainda estão esperando uma recuperação na candidatura de Serra. Mas o Brasil está enfrentando tantas crises no setor financeiro que qualquer pessoa que fosse eleita teria de pensar em nomes políticos para resolver esses problemas. O mercado, no entanto, não está querendo enfrentar essa possibilidade, quer que tudo fique como está. E é claro que, se tudo ficar como está, vamos continuar com a crise econômica.

Folha - Então, o sr. acha que a percepção do mercado em relação a Lula também é fantasiosa? Ou eles já conseguiram entender quem é o petista de fato?
Maxwell -
Os investidores internacionais fundamentalmente acreditam que ainda estamos na década de 90, não querem enxergar a realidade. O mundo está mudando, e o Brasil tem de enfrentar uma situação internacional péssima, além da dívida interna, que vai ser o principal problema depois das eleições.
E o mercado ainda está pensando que pode fazer o mesmo que fez até agora, com as mesmas políticas, num mundo totalmente mudado. Por exemplo: se houver mesmo uma guerra no Oriente Médio, vai haver um surto no preço de petróleo, e isso piorará a situação brasileira, com Lula ou sem Lula. Mesmo assim, a percepção de Wall Street será a de que ele é culpado por isso.

Folha - O fato de ter havido um segundo turno não serviu para que o mercado internacional igualmente se informasse mais sobre os dois candidatos?
Maxwell -
É difícil dizer. Acho que as mentalidades já estavam feitas, é difícil mudá-las. Mas serviu para mostrar que os candidatos são no fim pessoas, em origem, muito mais para a centro-esquerda que para a centro-direita.

Folha - Mas o sr. havia defendido antes que uma vitória do Lula já no primeiro turno seria melhor para a economia, não?
Maxwell -
Na verdade, o que eu disse é que, quanto antes acontecesse a definição de quem vai comandar o país, melhor seria para o próprio país, pois a economia não vai aguentar muito mais tempo. Os mercados mundiais estão caindo, a possibilidade de uma guerra está subindo, então é bom que o Brasil tenha uma política econômica definida o mais depressa possível.

Folha - Numa entrevista recente, o economista liberal Jeffrey Sachs repetiu que um Lula presidente enfrentaria o paradoxo de sua própria eleição. Ou seja, mesmo que seja moderado e aja de maneira a agradar o mercado, este não daria tempo para que aquele se mostrasse moderado e tomaria medidas preventivas que fariam com que Lula, em resposta, tomasse medidas radicais. Como resolver isso?
Maxwell -
Eu acho que qualquer presidente brasileiro eleito vai pensar em novas políticas, seja ele radical ou não, para enfrentar esses problemas imediatos, que são a incapacidade de pagar a dívida.
Lidar com essa hipótese como fazem o Sachs e o (Prêmio Nobel de economia) Joseph Stiglitz é muito arcaico, eles ainda usam a terminologia da época da Guerra Fria, pensam naquelas velhas fórmulas de esquerda e direita. Isso não ajuda muito.

Folha - E qual modelo então seria interessante agora?
Maxwell -
É necessário crescimento para resolver problemas mais sérios do que a dívida, que são a educação e a saúde. E para pensar nisso é necessário pensar em novas políticas. O agravante é que o Brasil vai ter muito pouco tempo para pensar nisso e, sendo 40% da economia da América Latina, terá um peso muito grande a decisão que tomar.
Mas como esses problemas são resolvidos? Quem sabe? Só acho ruim fechar a possibilidade de pensamento para as políticas possíveis, pois já está claro que as ortodoxias da esquerda e da direita não têm grandes respostas para esses dilemas...


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