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São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 2003

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ANPOCS 2003

Décio Saes diz que "padrão classe média" desvaloriza experiência do aluno

Escola "condena" crianças pobres, afirma cientista

GUILHERME BAHIA
DA REDAÇÃO

O sistema de ensino público reproduz um padrão da classe média e condena ao fracasso "os filhos da trabalhadora".
A tese foi defendida pelo cientista político Décio Saes na reunião da Anpocs (Associação Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais) na última quarta-feira.
Saes afirma que a universalização do ensino é uma reivindicação da classe média, que precisa do conforto do mito de "oportunidades iguais". Defende que o debate sobre a escola deveria focar o padrão de ensino: feita para a classe média, a escola não aproveita a inclinação das crianças pobres às atividades práticas e à linguagem oral e, por isso, incentiva a evasão escolar.
Saes, 61, deu aulas na USP nos anos 80 e na Unicamp até 1998 e é professor da Universidade Metodista de São Paulo.
 

Folha - A pressão pela vinculação de recursos orçamentários à educação atende à classe média?
Décio Saes -
Atende. É por a classe média e seus representantes estarem comprometidos com o ensino obrigatório que acaba havendo a expansão quantitativa do ensino. O problema ideológico da classe média é ter a impressão de que há oportunidades iguais para todos, embora não vá usufruir da escola pública.

Folha - Mas a impressão generalizada de que o ensino público é ruim não enfraquece a idéia?
Saes -
Enfraquece. Se o ensino fosse melhor, o mito seria mais forte. Para os que precisam dessa ideologia, é melhor que a escola pública exista com má qualidade do que ela não exista.

Folha - Ao empresariado não interessa educação ampla?
Saes -
O empresariado quer a qualificação mínima da sua mão-de-obra. Para isso, ele não precisa da universalização da educação pública elementar. Isso é algo que a seu ver é um desperdício de dinheiro. De outro lado, é um investimento perigoso, porque pode criar aspirações que os empresários não possam contemplar.

Folha - E os trabalhadores, querem um sistema educacional bom?
Saes -
A classe trabalhadora quer educação para os seus filhos, mas não quer um comprometimento de longo prazo com uma trajetória escolar fixa. Ela pode sentir a necessidade de pôr os filhos precocemente no mercado ou em empregos informais. A obrigatoriedade do ensino fundamental é uma camisa-de-força para as classes trabalhadoras.

Folha - Um programa como o Bolsa-Escola não rompe esse ciclo?
Saes -
Não rompe, porque é uma compensação muito limitada. Tenta criar nos pais a decisão de priorizar a educação em relação à entrada no mercado de trabalho, mas não resolve o problema da inadequação do padrão de ensino ao tipo de criança que constitui o grosso da clientela da escola pública: a criança de origem popular. A escola pública ministra ensino de classe média, que condena desde o início os filhos da classe trabalhadora ao fracasso.

Folha - Por quê?
Saes -
A escola deixa de aproveitar a experiência de vida das crianças de origem popular. Há uma certa ideologia da transmissão do conhecimento de classe média que dificulta o processo de transmissão do conhecimento para a criança de origem popular. E no que consiste essa ideologia? Desvalorizar a experiência da criança, sobretudo a sua inclinação à atividade prática e à linguagem oral. O ensino não procura aproveitar isso. Tudo é tratado de modo elitista, teoricista, abstrato.

Folha - Qual seria um possível caminho para um sistema educacional amplo e de qualidade?
Saes -
A questão da qualidade de ensino é secundária. É mais importante a mudança no padrão. Você pode melhorar a qualidade à enésima potência, mas melhorar sem mudar o padrão não vai diminuir o fracasso nem a evasão. Mantido o padrão, os alunos de classe média vão realizar a trajetória longa. Os demais vão realizar trajetória escolar curta -ensino fundamental e olhe lá.



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