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ANPOCS 2003
Décio Saes diz que "padrão classe média" desvaloriza experiência do aluno
Escola "condena" crianças pobres, afirma cientista
GUILHERME BAHIA
DA REDAÇÃO
O sistema de ensino público reproduz um padrão da classe média e condena ao fracasso "os filhos da trabalhadora".
A tese foi defendida pelo cientista político Décio Saes na reunião
da Anpocs (Associação Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais) na
última quarta-feira.
Saes afirma que a universalização do ensino é uma reivindicação da classe média, que precisa
do conforto do mito de "oportunidades iguais". Defende que o
debate sobre a escola deveria focar o padrão de ensino: feita para
a classe média, a escola não aproveita a inclinação das crianças pobres às atividades práticas e à linguagem oral e, por isso, incentiva
a evasão escolar.
Saes, 61, deu aulas na USP nos
anos 80 e na Unicamp até 1998 e é
professor da Universidade Metodista de São Paulo.
Folha - A pressão pela vinculação
de recursos orçamentários à educação atende à classe média?
Décio Saes - Atende. É por a classe média e seus representantes estarem comprometidos com o ensino obrigatório que acaba havendo a expansão quantitativa do ensino. O problema ideológico da
classe média é ter a impressão de
que há oportunidades iguais para
todos, embora não vá usufruir da
escola pública.
Folha - Mas a impressão generalizada de que o ensino público é ruim
não enfraquece a idéia?
Saes - Enfraquece. Se o ensino
fosse melhor, o mito seria mais
forte. Para os que precisam dessa
ideologia, é melhor que a escola
pública exista com má qualidade
do que ela não exista.
Folha - Ao empresariado não interessa educação ampla?
Saes - O empresariado quer a
qualificação mínima da sua mão-de-obra. Para isso, ele não precisa
da universalização da educação
pública elementar. Isso é algo que
a seu ver é um desperdício de dinheiro. De outro lado, é um investimento perigoso, porque pode
criar aspirações que os empresários não possam contemplar.
Folha - E os trabalhadores, querem um sistema educacional bom?
Saes - A classe trabalhadora
quer educação para os seus filhos,
mas não quer um comprometimento de longo prazo com uma
trajetória escolar fixa. Ela pode
sentir a necessidade de pôr os filhos precocemente no mercado
ou em empregos informais. A
obrigatoriedade do ensino fundamental é uma camisa-de-força
para as classes trabalhadoras.
Folha - Um programa como o Bolsa-Escola não rompe esse ciclo?
Saes - Não rompe, porque é uma
compensação muito limitada.
Tenta criar nos pais a decisão de
priorizar a educação em relação à
entrada no mercado de trabalho,
mas não resolve o problema da
inadequação do padrão de ensino
ao tipo de criança que constitui o
grosso da clientela da escola pública: a criança de origem popular. A escola pública ministra ensino de classe média, que condena
desde o início os filhos da classe
trabalhadora ao fracasso.
Folha - Por quê?
Saes - A escola deixa de aproveitar a experiência de vida das
crianças de origem popular. Há
uma certa ideologia da transmissão do conhecimento de classe
média que dificulta o processo de
transmissão do conhecimento
para a criança de origem popular.
E no que consiste essa ideologia?
Desvalorizar a experiência da
criança, sobretudo a sua inclinação à atividade prática e à linguagem oral. O ensino não procura
aproveitar isso. Tudo é tratado de
modo elitista, teoricista, abstrato.
Folha - Qual seria um possível caminho para um sistema educacional amplo e de qualidade?
Saes - A questão da qualidade de
ensino é secundária. É mais importante a mudança no padrão.
Você pode melhorar a qualidade
à enésima potência, mas melhorar sem mudar o padrão não vai
diminuir o fracasso nem a evasão.
Mantido o padrão, os alunos de
classe média vão realizar a trajetória longa. Os demais vão realizar
trajetória escolar curta -ensino
fundamental e olhe lá.
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