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BRASIL PROFUNDO
Associações indígenas do rio Negro se preparam para disputar as eleições em São Gabriel da Cachoeira
Índios querem o poder na principal reserva
AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO NEGRO
Os índios das reservas do Alto e
Médio Rio Negro, 22 etnias espalhadas pelas matas amazônicas
que fazem divisa com a Venezuela
e a Colômbia, querem conquistar
a Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira nas próximas eleições.
O município, o segundo maior
em área do país, é a sede do Distrito de Saúde Indígena do Rio Negro, com 108 mil km2 de extensão
e 3.000 km de rios importantes.
Juntas, as reservas equivalem
quase à metade do Estado de São
Paulo. A cidade, com 12 mil habitantes, fica a cerca de mil quilômetros a noroeste de Manaus.
Outros 21 mil indígenas desse distrito estão espalhados por 520 aldeias e mais de 200 sítios.
Gabriel, como a cidade é conhecida, é uma espécie de capital e
porta de controle do maior e mais
preservado dos 35 distritos sanitários indígenas do país.
Mais de 95% dos habitantes
dessa região são índios, mas o
prefeito é branco. Dos nove vereadores, seis são indígenas, embora
"apenas três estejam envolvidos
com as questões indígenas". "Há
um consenso entre nossas associações de que podemos e devemos assumir a prefeitura", diz o
vereador Domingos Sávio Camico, 32, do PV e da etnia baniwa.
Em todo o país, os índios têm
um único prefeito eleito, em Baía
da Traição, na Paraíba. Nas últimas eleições municipais, de 342
candidatos indígenas, foram eleitos seis vice-prefeitos e 82 vereadores, de acordo com o Cimi
(Conselho Indigenista Missionário). Pelo Censo de 2000, existem
734.127 índios no país. Cerca de
200 mil têm título de eleitor.
Entre as associações indígenas
da região, a mais conhecida é a
Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro),
fundada em 1987 e que reúne
mais de 50 organizações de base.
É a mais antiga e mais profissional
de todas as entidades indígenas. A
diretoria e quadros de primeiro
escalão são índios das várias etnias. A Foirn ficou conhecida
quando lutou durante anos pela
demarcação das terras da região.
"Nossa bandeira era a proteção da
selva amazônica", diz Braz de Oliveira França, 57, da etnia baré,
coordenador do convênio com a
Fundação Nacional de Saúde.
Por causa desse convênio, a
Foirn é hoje a responsável pelo
serviço de saúde de toda essa região. A um custo anual de R$ 8,6
milhões, a federação mantém
quatro médicos, oito dentistas, 16
enfermeiros, 70 técnicos de enfermagem e 125 agentes de saúde. Os
últimos, todos indígenas, são treinados e moram nas aldeias.
Para atingir os 21 mil índios em
toda a área, 30 voadeiras (barcos
de alumínio com motor) consomem cerca de 30 mil litros de gasolina por mês.
A central, em São Gabriel, monitora com computadores todo o
movimento das equipes e alerta
para as situações mais críticas.
Por exemplo, 70% dos índios da
comunidade Mariba estão com
suspeita de tuberculose e precisam de exames e tratamento. O
hospital mais próximo, de Iauareté, tem um aparelho de raio-X, a
Foirn ofereceu os filmes, mas faltam os quadros para a adaptação
desses filmes. Também não há soro antiofídico na região.
Situações como essas levaram a
Foirn a lutar por um desenvolvimento auto-sustentável das tribos, com atividades que façam
parte de suas tradições, mas que
possam alimentá-los. Só remédio
não vai salvá-los.
Na semana passada, o presidente da Foirn, Orlando José de Oliveira, 51, da etnia baré e formação
em filosofia, viajou para a Europa
e a Austrália em busca de financiamento para os vários projetos
auto-sustentáveis em andamento.
Nos relatórios que levou, estão
projetos de criação de peixes da
região, que já dão bons resultados
há quatro anos, de plantio de
mandioca e de incentivo ao artesanato das tribos, especialmente o
de folhas da palmeira tucum.
Os projetos da Foirn, em parceria com várias instituições, também incluem escolas indígenas
pilotos e a recuperação da cultura
e das tradições de pajés e cumus
(benzedores) de cada etnia.
Incluem também uma rádio
própria que possa transmitir nos
vários idiomas e que possa ser ouvida em toda a região. Para ter um
programa de meia hora por semana na rádio municipal, a Foirn paga R$ 250 e é proibida de falar em
outra língua que não seja o português.
AURELIANO BIANCARELLI viajou a
convite da Foirn
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