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Não índios na Raposa/Serra do Sol levam tensão à área
Casados com índias, de 20 a 30 homens têm "visto" para permanecer na reserva
Indígenas acusam não índios de infiltrar bebida alcoólica e facilitar o furto de gado; "eles é que implicam com a gente", afirma um dos agricultores
Marlene Bergamo/Folha Imagem
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Elisa segura sua filha, Elimisse, o primeiro bebê nascido após os conflitos com os arrozeiros
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, NA RAPOSA/SERRA DO SOL (RR)
MARLENE BERGAMO
ENVIADA ESPECIAL À RAPOSA/SERRA DO SOL (RR)
Nove meses depois do que
parecia o fim da polêmica na reserva indígena Raposa/Serra
do Sol, em Roraima, a permanência de 20 a 30 não índios na
área, mesmo depois da retirada
das 50 famílias de agricultores
e do desmonte das fazendas, é
motivo de tensão na região de
1,7 milhão de hectares.
Após violentos protestos, a
demarcação contínua da reserva foi confirmada em março
deste ano pelo Supremo Tribunal Federal. A operação de expulsão dos agricultores e arrozeiros foi finalizada em junho.
Mas a retirada deles não acalmou os ânimos, como a Folha
atestou em visita à reserva.
Parte dos cerca de 18 mil a 20
mil índios que a habitam reclama agora da presença de 20 a
30 não índios que, por serem
casados com índias, ganharam
do Judiciário um "visto" para
permanecer dentro da Raposa.
Para membros do CIR (Conselho Indígena de Roraima),
entidade que defendeu a expulsão do "homem branco", essas
pessoas resistem a um modo de
vida coletivo e levam bebida alcoólica para dentro da reserva,
além de facilitarem o furto de
gado por pessoas de fora.
A homologação da Raposa/
Serra do Sol foi uma das mais
problemáticas da história recente. Desde a demarcação, em
1998, a disputa pela terra motivou sequestros de agentes da
PF, incêndio de pontes e atentados contra índios.
Hoje, os atritos mais ásperos
ocorrem na Vila Surumu, onde
estavam concentradas as fazendas dos arrozeiros.
Por trás do aparente marasmo da vila, as diferenças ainda
incomodam os moradores. "É
uma cicatriz que ficou", disse o
líder indígena Cristóvão Galvão Barbosa, do CIR. "Eles [não
índios] trabalhavam com os arrozeiros, não aceitam o trabalho comunitário. Estão acostumados com o dinheiro", disse.
O "trabalho comunitário" foi
estabelecido pelo CIR e se traduz em lavouras e rebanhos
que são cuidados por todos e na
preponderância do direito coletivo em relação ao direito individual sobre a terra.
Na Surumu, por exemplo, há
um não índio casado com uma
indígena que, segundo o CIR,
colocou seu rebanho em uma
área que havia sido delimitada
como de toda a comunidade.
Um caso grave ocorre na comunidade Nova Esperança,
onde um homem apelidado Paraná -que só passou a viver na
reserva junto com sua mulher
índia após a decisão do STF-
se apossou de um sítio no qual
há a maior nascente de água da
região. Para demarcar a posse,
passou uma cerca em volta da
área, onde cria gado, conforme
a Folha viu numa visita à área.
O furto de animais preocupa
os índios, já que a criação dos
20 mil bois e vacas é seu principal meio de sobrevivência.
Os não índios também são
acusados de levar a cachaça,
proibida nas comunidades
controladas pelo CIR. Na Surumu, as bebidas alcoólicas sumiram do pequeno comércio, mas
basta falar com o vendedor para conseguir comprá-las.
Os homens casados com indígenas, todos ex-funcionários
dos arrozeiros e ligados à Sodiur (Sociedade em Defesa dos
Índios Unidos do Norte de Roraima), que reúne os índios a
favor da presença do "branco",
defendem-se dizendo que são
alvo de discriminação diária.
"Eles é que tentam implicar
com a gente", disse o agricultor
Francisco, que não quis dar seu
sobrenome. Vindo do Tocantins, mora há dez anos na Surumu, onde trabalhava numa fazenda de arroz. Agora está desempregado. "Se fosse pela minha mulher [índia], a gente tinha ido embora. A tendência é
só miséria daqui para a frente."
Veja mais fotos da
Raposa/Serra do Sol
www.folha.com.br/093561
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