São Paulo, domingo, 27 de dezembro de 1998

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CELSO PINTO
Armadilhas do segundo mandato

O presidente Fernando Henrique Cardoso tem dito a amigos que 99 vai ser o ano mais difícil de seu governo. Não é um exagero: os riscos embutidos na economia são enormes.
Quando começou seu primeiro mandato, o presidente contava com um gigantesco capital político, conquistado com o fim da hiperinflação. Seus aliados se aproximaram por ação da gravidade. Nem mesmo o PFL foi capaz de impor condições na formação do primeiro ministério.
O segundo mandato se inicia com o desgaste natural de quatro anos de governo, mais uma duríssima crise econômica. Não há mais reeleição à vista, o que faz com que cada partido aliado esteja pronto para saltar do barco quando for conveniente.
No início de seu primeiro mandato, o presidente podia escolher a pauta de reformas que considerava prioritárias, para serem votadas na esteira do sucesso do Plano Real. Decidiu acabar com os monopólios, o que viabilizou a privatização, mas deixou penduradas as três reformas indispensáveis para o equilíbrio fiscal de longo prazo: a previdenciária, a fiscal e a administrativa.
Ainda em seu primeiro ano de governo, a idéia da reeleição foi lançada pelo amigo Sérgio Motta, não foi desautorizada e acabou atropelando o esforço de votação das outras reformas. Por conta da reeleição e das reformas, os aliados foram ganhando espaços cada vez maiores na formação do governo e nas barganhas das votações. O presidente acabou vítima do que ele mesmo chamou de "ditadura dos três quintos", o quórum necessário para aprovar reformas ministeriais.
Essa ditadura, teoricamente, acabará no segundo mandato. Duas das três reformas estão aprovadas, a administrativa e a previdenciária. A terceira, a fiscal, não é uma reforma "ideológica" como as duas primeiras.
O que está em jogo na reforma fiscal são interesses regionais que, como se viu na Constituinte, tendem a aglutinar políticos, não partidos. Nenhum partido deverá, a priori, ser contra toda a reforma fiscal, como aconteceu no caso das reformas administrativa e previdenciária. O que falta ser aprovado na área previdenciária e administrativa depende apenas de maioria simples.
O fim da ditadura dos três quintos, contudo, não tem facilitado a vida do presidente no início do segundo mandato. O novo ministério continuou a ser um loteamento entre os aliados, em certos aspectos até mais amplo do que em mudanças anteriores.
O presidente justifica a barganha pela necessidade de aprovar as medidas de ajuste, cruciais para evitar uma crise cavalar logo no início do segundo mandato. É, contudo, uma prova de fraqueza. Com uma bancada de aliados dominando 75% da Câmara e 84% do Senado, o presidente está admitindo que não pode garantir sequer a aprovação de medidas que exigem maioria simples.
No começo do primeiro mandato, as dívidas interna e externa eram irrelevantes. A dívida líquida total somava 28% do PIB em 94 e tinha largo espaço para crescer.
A dívida líquida deve ficar em 43% do PIB no final deste ano e será necessário um enorme esforço para tentar estabilizá-la em 47% do PIB, nos termos do acordo com o FMI. Com juros altos, baixíssima perspectiva de crescimento e uma história de calotes nas dívidas interna e externa, o endividamento está no limite da sensatez. Qualquer vacilação gerará desconfianças.
Quando assumiu a primeira vez, o presidente era dono do mais atraente acervo de empresas privatizáveis do planeta. Vendeu US$ 72 bilhões nestes quatro anos, nas contas do BNDES. Usou apenas parte deste dinheiro para abater dívida, o que não impediu um crescimento da dívida líquida de 14,5% do PIB. Agora, sobram US$ 40 bilhões a privatizar, o que representa pouco mais de 11% da dívida líquida e já não é solução para o problema fiscal.
Em 94, o mundo assistia ao mais extraordinário ciclo de fluxo privado de capitais para países emergentes da história. De 91 a 97, as transferências líquidas somaram US$ 1,2 trilhão, uma média anual 17 vezes maior do que a do período 83/90.
Em 99, o FMI prevê transferências de US$ 90 bilhões para os países emergentes, metade da média de 91/97. Ao contrário das crises do México em 94 e da Ásia em 97, desta vez ninguém sabe se o mercado internacional vai, em algum momento, "normalizar-se".
Em suma, não dá para comprar tempo, como se fez no primeiro mandato. O acordo com o FMI é uma aposta de que as expectativas vão melhorar rapidamente, gerando um círculo virtuoso. Se houver um revés, contudo, o país pode cair num círculo vicioso e o segundo mandato de FHC num buraco negro.




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