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CELSO PINTO
Armadilhas do segundo mandato
O presidente Fernando Henrique Cardoso tem dito a amigos que 99 vai ser o ano mais
difícil de seu governo. Não é
um exagero: os riscos embutidos na economia são enormes.
Quando começou seu primeiro mandato, o presidente contava com um gigantesco capital político, conquistado com o
fim da hiperinflação. Seus aliados se aproximaram por ação
da gravidade. Nem mesmo o
PFL foi capaz de impor condições na formação do primeiro
ministério.
O segundo mandato se inicia
com o desgaste natural de quatro anos de governo, mais uma
duríssima crise econômica.
Não há mais reeleição à vista, o
que faz com que cada partido
aliado esteja pronto para saltar
do barco quando for conveniente.
No início de seu primeiro
mandato, o presidente podia
escolher a pauta de reformas
que considerava prioritárias,
para serem votadas na esteira
do sucesso do Plano Real. Decidiu acabar com os monopólios,
o que viabilizou a privatização, mas deixou penduradas as
três reformas indispensáveis
para o equilíbrio fiscal de longo
prazo: a previdenciária, a fiscal
e a administrativa.
Ainda em seu primeiro ano
de governo, a idéia da reeleição
foi lançada pelo amigo Sérgio
Motta, não foi desautorizada e
acabou atropelando o esforço
de votação das outras reformas. Por conta da reeleição e
das reformas, os aliados foram
ganhando espaços cada vez
maiores na formação do governo e nas barganhas das votações. O presidente acabou vítima do que ele mesmo chamou
de "ditadura dos três quintos",
o quórum necessário para
aprovar reformas ministeriais.
Essa ditadura, teoricamente,
acabará no segundo mandato.
Duas das três reformas estão
aprovadas, a administrativa e
a previdenciária. A terceira, a
fiscal, não é uma reforma
"ideológica" como as duas primeiras.
O que está em jogo na reforma fiscal são interesses regionais que, como se viu na Constituinte, tendem a aglutinar
políticos, não partidos. Nenhum partido deverá, a priori,
ser contra toda a reforma fiscal, como aconteceu no caso
das reformas administrativa e
previdenciária. O que falta ser
aprovado na área previdenciária e administrativa depende
apenas de maioria simples.
O fim da ditadura dos três
quintos, contudo, não tem facilitado a vida do presidente no
início do segundo mandato. O
novo ministério continuou a
ser um loteamento entre os
aliados, em certos aspectos até
mais amplo do que em mudanças anteriores.
O presidente justifica a barganha pela necessidade de
aprovar as medidas de ajuste,
cruciais para evitar uma crise
cavalar logo no início do segundo mandato. É, contudo,
uma prova de fraqueza. Com
uma bancada de aliados dominando 75% da Câmara e 84%
do Senado, o presidente está
admitindo que não pode garantir sequer a aprovação de
medidas que exigem maioria
simples.
No começo do primeiro mandato, as dívidas interna e externa eram irrelevantes. A dívida líquida total somava 28%
do PIB em 94 e tinha largo espaço para crescer.
A dívida líquida deve ficar
em 43% do PIB no final deste
ano e será necessário um enorme esforço para tentar estabilizá-la em 47% do PIB, nos termos do acordo com o FMI. Com
juros altos, baixíssima perspectiva de crescimento e uma história de calotes nas dívidas interna e externa, o endividamento está no limite da sensatez. Qualquer vacilação gerará
desconfianças.
Quando assumiu a primeira
vez, o presidente era dono do
mais atraente acervo de empresas privatizáveis do planeta.
Vendeu US$ 72 bilhões nestes
quatro anos, nas contas do
BNDES. Usou apenas parte
deste dinheiro para abater dívida, o que não impediu um
crescimento da dívida líquida
de 14,5% do PIB. Agora, sobram US$ 40 bilhões a privatizar, o que representa pouco
mais de 11% da dívida líquida e
já não é solução para o problema fiscal.
Em 94, o mundo assistia ao
mais extraordinário ciclo de
fluxo privado de capitais para
países emergentes da história.
De 91 a 97, as transferências líquidas somaram US$ 1,2 trilhão, uma média anual 17 vezes maior do que a do período
83/90.
Em 99, o FMI prevê transferências de US$ 90 bilhões para
os países emergentes, metade
da média de 91/97. Ao contrário das crises do México em 94 e
da Ásia em 97, desta vez ninguém sabe se o mercado internacional vai, em algum momento, "normalizar-se".
Em suma, não dá para comprar tempo, como se fez no primeiro mandato. O acordo com
o FMI é uma aposta de que as
expectativas vão melhorar rapidamente, gerando um círculo
virtuoso. Se houver um revés,
contudo, o país pode cair num
círculo vicioso e o segundo
mandato de FHC num buraco
negro.
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