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QUESTÃO INDÍGENA
Por orientação de agenciadores de mão-de-obra, trabalhadores se recusam a ter carteira assinada
Desemprego atinge 4.000 índios no MS
RUBENS VALENTE
da Agência Folha, em Brasilândia
Cerca de 4.000 índios guaranis e
terenas começam o ano no Mato
Grosso do Sul sem emprego, pois
se recusam, por orientação de seus
líderes, a ter suas carteiras de trabalho assinadas nas usinas de álcool do Estado. Se os índios tiverem a sua carteira assinada, os
agenciadores de mão-de-obra para
as fazendas, índios ou não, deixam
de ganhar comissões.
Da mão-de-obra contratada nas
nove usinas do Estado até 97 -entre 4.400 e 4.500 trabalhadores-,
90% está desempregada hoje.
Foi a partir de 1997 que os índios
começaram a deixar os canaviais,
em decorrência de blitze e ações
judiciais inéditas movidas pelo Ministério Público do Trabalho, que
exigia o registro em carteira.
A partir de janeiro, o grupo alagoano J. Pessoa, que possui duas
usinas no Estado e produz 160 milhões de litros de álcool por ano
-cerca de 30% da produção estadual de 528 milhões de litros-,
deixa de empregar 1.100 índios na
destilaria Debrasa, em Brasilândia
(350 km de Campo Grande). Esses
trabalhadores prestavam serviços
à empresa desde 1993.
"A tragédia é que esse pessoal
não terá o que fazer, pois não terá
renda. Ninguém, fora as usinas, dá
emprego ao índio", disse o gerente-geral da usina Debrasa, João de
Chagas Neto, 48.
Apenas uma empresa, a Santa
Olinda, anunciou que vai continuar empregando cerca de 400 índios sem carteira, amparada por
uma liminar judicial.
Para a empresa, empregar trabalhadores indígenas possibilita menores custos.
As ações judiciais que proíbem
as usinas de contratar os índios
sem carteira assinada (como faziam em comum acordo com a Funai e com lideranças indígenas, resultou de um longo inquérito civil
instaurado em 1993.
As usinas pagam aos líderes indígenas uma "taxa comunitária" de
20% do valor do contrato. Segundo cálculo da Funai (Fundação Nacional do Índio) , essa taxa representa cerca de R$ 82 mil por ano
para as aldeias.
O pagamento -feito de forma
adiantada- foi criado para bancar compromissos que a Funai não
vem cumprindo, como o conserto
de máquinas agrícolas e a compra
de remédios e combustíveis nas aldeias.
Os chamados "cabeçantes", índios que fazem o papel de agenciador de trabalhadores, também tinham tratamento diferenciado, recebendo em média 15% sobre o valor do contrato, enquanto o agenciador não-índio, o "gato", recebe
de 5% a 8%.
Os líderes e "cabeçantes" foram
os primeiros a reclamar das exigências da Justiça trabalhista e decidiram orientar os índios a não
aceitar o serviço com carteira.
²
Cestas básicas
Eles dão essa orientação mesmo
que isso agrave a situação social
nas aldeias, que já convivem com o
alcoolismo e o fenômeno dos suicídios entre os guaranis (280 mortos em nove anos).
Muitas aldeias agora vivem das
cestas básicas do programa Comunidade Solidária.
"Sem a taxa comunitária, nós (líderes) passamos vergonha, somos
cobrados pela comunidade e não
temos dinheiro para resolver os
problemas da aldeia", disse o líder
terena da aldeia Lagoinha, em
Aquidauana (110 km de Campo
Grande), Paixão Delfino, 66.
Os índios estão sendo rapidamente substituídos por nordestinos e mato-grossenses.
"É muito fácil arrumar mão-de-obra hoje. A gente anuncia e em
dois dias aparecem 500 pessoas",
disse o gerente agrícola da usina
Sonora, Cleiton Jarbas Valeis, 41,
que desde 98 deixou de empregar
1.200 índios.
O procurador do trabalho Emerson Marim Chaves, 27, disse que a
falta de carteira deixava o índio
sem proteção trabalhista.
"O índio que trabalha na usina já
está perdendo suas tradições. Assim, deve ser tratado e protegido
como um "branco'."
O administrador da Funai em
Campo Grande, Lísio Lili, índio terena, reconhece a gravidade da situação e tenta encontrar uma solução jurídica que permita que os índios continuem trabalhando sem
carteira assinada.
O Estado do Mato Grosso do Sul
possui cerca de 50 mil índios e está
na segunda posição em população
indígena no país, perdendo apenas
para o Amazonas.
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