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Congresso vive "casual January" no recesso
Câmara e Senado se esvaziam e são povoadas por servidores e, excepcionalmente, por parlamentares
PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Termina quarta-feira no
Congresso Nacional o que se
poderia chamar de "casual January", ou janeiro informal,
versão prolongada e adaptada
do "casual Friday" -termo
adotado por executivos que
deixam de lado o terno e a gravata às sextas-feiras.
No Congresso, é o mês do recesso. Durante esse período, 18
dos 513 deputados e 8 dos 81 senadores formam a "comissão
representativa" e fazem uma
espécie de plantão para responder pelas Casas.
Mas esses plantonistas "só
dão as caras se acontecer uma
m... federal", informa um funcionário graduado da Câmara.
E o que poderia ser assim qualificado? Uma guerra, ele diz.
A reportagem bateu na porta
de todos os gabinetes dos convocados para o plantão e verificou que, dos 18 deputados, apenas 2 estavam na Casa: um deles mora em Brasília, o outro é
da liderança do partido.
Quatro gabinetes estavam
com a porta trancada, os outros
com assessores ao telefone ou
em frente ao computador.
Matildes (no plural mesmo),
assessora do deputado Luiz Alberto (PT-BA), que se desvinculou para ser secretário de Estado na Bahia e foi substituído
por Sérgio Barradas (PT-BA),
informa sem constrangimento
que o suplente "só veio na primeira semana de janeiro".
"Agora [nas três semanas restantes] está se preparando para
a posse [já que foi reeleito]."
O que vai acontecer com Matildes e suas colegas de trabalho
quando o novo deputado assumir? Perdem o emprego?
Daniela Luciana, assessora
de imprensa, explica que o funcionário que lida com administração tem mais chances de ser
absorvido nas transições para
suplentes ou novos mandatos
do que aquele ligado politicamente ao parlamentar.
Uma funcionária como Daniela pode ganhar de R$ 700 a
pouco mais de R$ 8.000, de
acordo com a disposição do
parlamentar ao distribuir os
R$ 50 mil de verba de gabinete.
Ao justificar a ausência do
chefe, as assessoras usam frases como "só tem meia dúzia de
gatos-pingados na Câmara" ou
então "não adianta vir, nessa
época tá tudo parado".
Mesmo assim, Conceição, da
assessoria técnica do PT (que
tem 17 pessoas), diz que, ali, "o
fluxo do trabalho é muito grande". Para ela, "existe um projeto ideológico da mídia contra o
funcionário público. Um folclore para mostrar que somos uns
desocupados, ruins para a sociedade e para a economia".
Ela e quatro colegas da sala
tentam explicar como funciona
o recesso, mas não é fácil entender que um deputado nomeado para ser secretário de
Estado, por exemplo, é substituído por um suplente que não
trabalha por um mês até que o
parlamentar eleito assuma.
Sugerem que a reportagem
procure a secretaria-geral da
Mesa, que sabe tudo sobre o
funcionamento no recesso.
No labirinto das galerias intermináveis (e vazias) do prédio, uma loura de cabelos curtos, com luzes, sandálias altas,
saia justa, passos curtinhos e
blusa bufante, cheia de pastas
na mão, ensina como chegar lá.
Escada, corredor, corredor,
escada. Nunca foi tão fácil gastar o pãozinho de queijo comido na lanchonete. Alguns ambientes parecem cenário de um
filme futurista dos anos 50.
Cristiane, a secretária da "geral da Mesa", é uma morena esguia e usa pantalona listada de
bege e preto, blusa clara, cabelos longos e lisos, brincos grandes -ela diz que vai chamar o
"doutor Mozá". Mozá? "Sim", e
soletra: "M-O-Z-A-R-T".
Muito didático, o secretário-geral, Mozart Viana, explica pacientemente o mecanismo de
recesso, suplência e remuneração. Toma como exemplo um
caso complicado, o do deputado Xico Graziano (PSDB-SP).
Graziano era suplente de
Walter Feldman (PSDB-SP),
que tinha saído em janeiro de
2005 para ser secretário municipal em São Paulo; em 2006, o
suplente foi afastado de novo
quando Aloysio Nunes Ferreira
(PSDB-SP) retornou de um período como secretário de Governo da mesma prefeitura.
Em janeiro de 2007, Graziano é efetivado no lugar de Alberto Goldman (PSDB-SP), que
havia renunciado para se tornar vice-governador de São
Paulo. Na mesma época, o deputado recém efetivado é chamado para ser secretário de Estado em São Paulo. Chico Sardelli (PV-SP) ocupa a vaga de
Graziano como suplente.
Ao assumir como secretário
de Estado, Graziano continua
deputado licenciado e pode escolher entre o salário de parlamentar (R$ 12,8 mil) e o de secretário (cerca de R$ 8.000). A
maioria escolhe o de deputado.
Isso significa que, se o suplente ganha os R$ 12,8 mil pela
vaga que era de Graziano, e ele,
como secretário, prefere os
R$ 12,8 mil do que os R$ 8.000
do novo cargo, a Câmara tem
que absorver os R$ 4.800. Graziano pode voltar a ser deputado, já que tem o mandato.
O assunto é abordado na Casa com extrema naturalidade.
"Não há nada de anormal nisso,
é absolutamente legítimo", diz
o "doutor Mozá", abrindo o livrinho da Constituição.
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