São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2007

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Congresso vive "casual January" no recesso

Câmara e Senado se esvaziam e são povoadas por servidores e, excepcionalmente, por parlamentares

PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Termina quarta-feira no Congresso Nacional o que se poderia chamar de "casual January", ou janeiro informal, versão prolongada e adaptada do "casual Friday" -termo adotado por executivos que deixam de lado o terno e a gravata às sextas-feiras.
No Congresso, é o mês do recesso. Durante esse período, 18 dos 513 deputados e 8 dos 81 senadores formam a "comissão representativa" e fazem uma espécie de plantão para responder pelas Casas.
Mas esses plantonistas "só dão as caras se acontecer uma m... federal", informa um funcionário graduado da Câmara. E o que poderia ser assim qualificado? Uma guerra, ele diz.
A reportagem bateu na porta de todos os gabinetes dos convocados para o plantão e verificou que, dos 18 deputados, apenas 2 estavam na Casa: um deles mora em Brasília, o outro é da liderança do partido.
Quatro gabinetes estavam com a porta trancada, os outros com assessores ao telefone ou em frente ao computador.
Matildes (no plural mesmo), assessora do deputado Luiz Alberto (PT-BA), que se desvinculou para ser secretário de Estado na Bahia e foi substituído por Sérgio Barradas (PT-BA), informa sem constrangimento que o suplente "só veio na primeira semana de janeiro". "Agora [nas três semanas restantes] está se preparando para a posse [já que foi reeleito]."
O que vai acontecer com Matildes e suas colegas de trabalho quando o novo deputado assumir? Perdem o emprego?
Daniela Luciana, assessora de imprensa, explica que o funcionário que lida com administração tem mais chances de ser absorvido nas transições para suplentes ou novos mandatos do que aquele ligado politicamente ao parlamentar.
Uma funcionária como Daniela pode ganhar de R$ 700 a pouco mais de R$ 8.000, de acordo com a disposição do parlamentar ao distribuir os R$ 50 mil de verba de gabinete.
Ao justificar a ausência do chefe, as assessoras usam frases como "só tem meia dúzia de gatos-pingados na Câmara" ou então "não adianta vir, nessa época tá tudo parado".
Mesmo assim, Conceição, da assessoria técnica do PT (que tem 17 pessoas), diz que, ali, "o fluxo do trabalho é muito grande". Para ela, "existe um projeto ideológico da mídia contra o funcionário público. Um folclore para mostrar que somos uns desocupados, ruins para a sociedade e para a economia".
Ela e quatro colegas da sala tentam explicar como funciona o recesso, mas não é fácil entender que um deputado nomeado para ser secretário de Estado, por exemplo, é substituído por um suplente que não trabalha por um mês até que o parlamentar eleito assuma.
Sugerem que a reportagem procure a secretaria-geral da Mesa, que sabe tudo sobre o funcionamento no recesso.
No labirinto das galerias intermináveis (e vazias) do prédio, uma loura de cabelos curtos, com luzes, sandálias altas, saia justa, passos curtinhos e blusa bufante, cheia de pastas na mão, ensina como chegar lá.
Escada, corredor, corredor, escada. Nunca foi tão fácil gastar o pãozinho de queijo comido na lanchonete. Alguns ambientes parecem cenário de um filme futurista dos anos 50.
Cristiane, a secretária da "geral da Mesa", é uma morena esguia e usa pantalona listada de bege e preto, blusa clara, cabelos longos e lisos, brincos grandes -ela diz que vai chamar o "doutor Mozá". Mozá? "Sim", e soletra: "M-O-Z-A-R-T".
Muito didático, o secretário-geral, Mozart Viana, explica pacientemente o mecanismo de recesso, suplência e remuneração. Toma como exemplo um caso complicado, o do deputado Xico Graziano (PSDB-SP).
Graziano era suplente de Walter Feldman (PSDB-SP), que tinha saído em janeiro de 2005 para ser secretário municipal em São Paulo; em 2006, o suplente foi afastado de novo quando Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) retornou de um período como secretário de Governo da mesma prefeitura.
Em janeiro de 2007, Graziano é efetivado no lugar de Alberto Goldman (PSDB-SP), que havia renunciado para se tornar vice-governador de São Paulo. Na mesma época, o deputado recém efetivado é chamado para ser secretário de Estado em São Paulo. Chico Sardelli (PV-SP) ocupa a vaga de Graziano como suplente.
Ao assumir como secretário de Estado, Graziano continua deputado licenciado e pode escolher entre o salário de parlamentar (R$ 12,8 mil) e o de secretário (cerca de R$ 8.000). A maioria escolhe o de deputado.
Isso significa que, se o suplente ganha os R$ 12,8 mil pela vaga que era de Graziano, e ele, como secretário, prefere os R$ 12,8 mil do que os R$ 8.000 do novo cargo, a Câmara tem que absorver os R$ 4.800. Graziano pode voltar a ser deputado, já que tem o mandato.
O assunto é abordado na Casa com extrema naturalidade. "Não há nada de anormal nisso, é absolutamente legítimo", diz o "doutor Mozá", abrindo o livrinho da Constituição.


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