São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2007

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Estados Unidos monitoravam guerrilha do Araguaia e PCB

Relatórios mostram que CIA acompanhava o conflito e vigiava militantes comunistas

Com trechos ainda secretos, documentos liberados pelo governo norte-americano não dizem qual foi o destino dos mortos na guerrilha

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Três documentos liberados pelos EUA mostram que a CIA, o serviço secreto norte-americano, monitorou a guerrilha do Araguaia e militantes do PCB (Partido Comunista Brasileiro) na Universidade Federal do Ceará no início dos anos 70.
Os documentos são os primeiros a virem a público tendo como palavras-chave, nos arquivos da CIA, a expressão "Araguaian Guerrillas" (ou "Guerrilhas Araguaianas").
Com trechos ainda cobertos por tarjas de sigilo, os relatórios não desvendam um dos mais duradouros segredos da ditadura, o destino dos corpos dos militantes mortos no conflito. Mas a simples existência de registros americanos sobre o Araguaia dá novo alento às famílias de mortos e desaparecidos quanto à possibilidade de surgir alguma pista definitiva.
A guerrilha do Araguaia foi uma ação armada lançada pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil) em 1966 numa área localizada entre Pará, Maranhão e Goiás, com foco revolucionário comunista no estilo maoísta, e destruída pelo Exército no início de 1974, com cerca de 59 militantes, 16 soldados e dez moradores da região mortos.
Um relatório liberado em agosto de 2004 e que está atualmente disponível na internet (www.foia.cia.gov), após três décadas de sigilo, mostra que a CIA tinha a informação sobre a guerrilha antes de ela se tornar pública, o que levanta a hipótese de uma troca de informações com o Exército brasileiro.
O "relatório de informação de inteligência", de cinco páginas, é datado de 7 setembro de 1972. A primeira reportagem sobre a guerrilha, divulgada por "O Estado de S. Paulo", é de 24 de setembro daquele ano.
Para o jornalista Eumano Silva, autor, com Taís Morais, de "Operação Araguaia", livro-reportagem vencedor do prêmio Jabuti de 2006, os documentos da CIA têm imprecisões e erros factuais, mas "de um modo geral demonstram que os americanos sabiam o que estava acontecendo". Os relatórios, segundo Silva, que os leu a pedido da Folha, são a primeira prova documental de que a CIA acompanhava a guerrilha.
Em seus relatórios, a CIA chama o conflito de "ofensiva militar brasileira". Descreve as atividades dos guerrilheiros, "em três grupos separados com aproximadamente 17 homens cada um", constituídos, em sua maioria, "por jovens, recém-formados em universidades, e vindos do Sul, principalmente de São Paulo".
Os americanos chamam os estudantes de "cobaias" usadas para um "balão de ensaio" da guerra de guerrilha. Uma fonte da CIA considerou-os "altamente idealistas".
O documento aponta a suposta participação de religiosos. "A ala radical da igreja católica no Norte e Nordeste do Brasil não aparenta estar comprometida com as atividades subversivas na região de Marabá. O bispo de Marabá [PA], entretanto, é sem dúvida visto como um membro da igreja que colabora com os subversivos. Uns poucos padres e freiras também estão envolvidos, mas aparentemente numa base individual", diz o texto, que pode ter sido escrito no consulado geral dos EUA no Recife (PE).
Segundo o relatório, o então presidente da República, general Emílio Médici, acompanhava de perto as operações para combater a guerrilha, pois teria ficado "enfurecido" com a falta de avanços do Exército e seus "esforços desproporcionais e com excessos de zelo".
A CIA informa que o "exército continua a desenvolver uma operação de procura, localização e destruição". Desde março de 1972, segundo o relatório, "seis do grupo [de guerrilheiros] foram capturados e quatro foram mortos.
O maior erro do relatório foi confundir o PC do B, responsável pela guerrilha, com o PCB. Aparentemente, a CIA seguiu essa pista e começou a levantar nomes de militantes do PCB no Nordeste. Não fica claro para onde são enviadas e os objetivos das listas.
Em documento de fevereiro de 1973, contém os nomes de 12 estudantes da universidade do Ceará que seriam militantes do PCB. Os americanos possivelmente achavam que parte dos guerrilheiros do Araguaia tinha vindo do Ceará -esse relatório também é arquivado como "araguaian guerrillas".
Segundo os registros das famílias de mortos e desaparecidos, dois ex-estudantes da Universidade Federal do Ceará foram mortos no conflito, mas não são citados no relatório.


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