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Estados Unidos monitoravam guerrilha do Araguaia e PCB
Relatórios mostram que CIA acompanhava o conflito e vigiava militantes comunistas
Com trechos ainda secretos, documentos liberados pelo governo norte-americano não dizem qual foi o destino dos mortos na guerrilha
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Três documentos liberados
pelos EUA mostram que a CIA,
o serviço secreto norte-americano, monitorou a guerrilha do
Araguaia e militantes do PCB
(Partido Comunista Brasileiro)
na Universidade Federal do
Ceará no início dos anos 70.
Os documentos são os primeiros a virem a público tendo
como palavras-chave, nos arquivos da CIA, a expressão
"Araguaian Guerrillas" (ou
"Guerrilhas Araguaianas").
Com trechos ainda cobertos
por tarjas de sigilo, os relatórios
não desvendam um dos mais
duradouros segredos da ditadura, o destino dos corpos dos
militantes mortos no conflito.
Mas a simples existência de registros americanos sobre o Araguaia dá novo alento às famílias
de mortos e desaparecidos
quanto à possibilidade de surgir alguma pista definitiva.
A guerrilha do Araguaia foi
uma ação armada lançada pelo
PC do B (Partido Comunista do
Brasil) em 1966 numa área localizada entre Pará, Maranhão
e Goiás, com foco revolucionário comunista no estilo maoísta, e destruída pelo Exército no
início de 1974, com cerca de 59
militantes, 16 soldados e dez
moradores da região mortos.
Um relatório liberado em
agosto de 2004 e que está atualmente disponível na internet
(www.foia.cia.gov), após três
décadas de sigilo, mostra que a
CIA tinha a informação sobre a
guerrilha antes de ela se tornar
pública, o que levanta a hipótese de uma troca de informações
com o Exército brasileiro.
O "relatório de informação
de inteligência", de cinco páginas, é datado de 7 setembro de
1972. A primeira reportagem
sobre a guerrilha, divulgada
por "O Estado de S. Paulo", é de
24 de setembro daquele ano.
Para o jornalista Eumano
Silva, autor, com Taís Morais,
de "Operação Araguaia", livro-reportagem vencedor do prêmio Jabuti de 2006, os documentos da CIA têm imprecisões e erros factuais, mas "de
um modo geral demonstram
que os americanos sabiam o
que estava acontecendo". Os
relatórios, segundo Silva, que
os leu a pedido da Folha, são a
primeira prova documental de
que a CIA acompanhava a
guerrilha.
Em seus relatórios, a CIA
chama o conflito de "ofensiva
militar brasileira". Descreve as
atividades dos guerrilheiros,
"em três grupos separados com
aproximadamente 17 homens
cada um", constituídos, em sua
maioria, "por jovens, recém-formados em universidades, e
vindos do Sul, principalmente
de São Paulo".
Os americanos chamam os
estudantes de "cobaias" usadas
para um "balão de ensaio" da
guerra de guerrilha. Uma fonte
da CIA considerou-os "altamente idealistas".
O documento aponta a suposta participação de religiosos. "A ala radical da igreja católica no Norte e Nordeste do
Brasil não aparenta estar comprometida com as atividades
subversivas na região de Marabá. O bispo de Marabá [PA], entretanto, é sem dúvida visto como um membro da igreja que
colabora com os subversivos.
Uns poucos padres e freiras
também estão envolvidos, mas
aparentemente numa base individual", diz o texto, que pode
ter sido escrito no consulado
geral dos EUA no Recife (PE).
Segundo o relatório, o então
presidente da República, general Emílio Médici, acompanhava de perto as operações para
combater a guerrilha, pois teria
ficado "enfurecido" com a falta
de avanços do Exército e seus
"esforços desproporcionais e
com excessos de zelo".
A CIA informa que o "exército continua a desenvolver uma
operação de procura, localização e destruição". Desde março
de 1972, segundo o relatório,
"seis do grupo [de guerrilheiros] foram capturados e quatro
foram mortos.
O maior erro do relatório foi
confundir o PC do B, responsável pela guerrilha, com o PCB.
Aparentemente, a CIA seguiu
essa pista e começou a levantar
nomes de militantes do PCB no
Nordeste. Não fica claro para
onde são enviadas e os objetivos das listas.
Em documento de fevereiro
de 1973, contém os nomes de
12 estudantes da universidade
do Ceará que seriam militantes
do PCB. Os americanos possivelmente achavam que parte
dos guerrilheiros do Araguaia
tinha vindo do Ceará -esse relatório também é arquivado como "araguaian guerrillas".
Segundo os registros das famílias de mortos e desaparecidos, dois ex-estudantes da Universidade Federal do Ceará foram mortos no conflito, mas
não são citados no relatório.
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