São Paulo, domingo, 28 de março de 2004

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CRISE NO DIVÃ

Para intelectuais, porém, risco de "crise de confiança na democracia", aventado pela oposição, não existe

Governo reage mal à crise, afirmam cientistas políticos

GUILHERME BAHIA
JOÃO CARLOS BOTELHO
DA REDAÇÃO

No embate entre governo e oposição a partir do surgimento do caso Waldomiro Diniz, os oposicionistas exageram ao aventar a possibilidade de uma "crise de confiança na democracia", mas a estratégia com mais problemas até agora é a governista. Essa é a opinião de três cientistas políticos ouvidos pela Folha para falarem dos últimos passos de cada lado.
Na última quinta-feira, em discurso para músicos que o visitavam, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva culpou "os conservadores" pela crise que seu governo atravessa. "Os conservadores sabem se reorganizar. Eles têm pesquisas de opinião e sabem que podemos ganhar [as eleições] em muitas capitais neste ano. Todo o barulho que vocês estão ouvindo por aí é a demonstração do que vai ser este ano", disse Lula.
Leôncio Martins Rodrigues, da Unicamp, critica a declaração do presidente: "Levantar o fantasma do conservadorismo acirra as divergências. Já a oposição parece mais organizada. Depois de um período de desesperança antes os altos índices de aprovação do governo Lula, começa a ver a luz no fim do túnel, mas precisa calibrar adequadamente o grau de oposicionismo para evitar ser responsabilizada pelo que acontecer".
No mesmo dia em que Lula culpou os "conservadores", PSDB, PFL e PDT, os principais partidos de oposição, divulgaram uma nota em que classificam o governo de "apático, confuso e sem liderança" e fizeram um diagnóstico em tom grave: "Há uma crise de governo. Está em tempo de evitar que ela se transforme em crise de confiança na democracia".
Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora da USP, concorda com a nota dos partidos oposicionistas quando ela diz que há uma crise de governo. E o discurso de Lula, para a cientista política, é uma estratégia de jogar a culpa da crise na oposição. "Mas é uma estratégia de fôlego curto. Acho que o discurso do governo não renderá eleitoralmente."
Fábio Wanderley Reis, professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), é até mais duro com Lula. "É um discurso [o do presidente na quinta-feira] de quem não está suportando o pós-crise", diz.
Segundo Wanderley Reis, o surgimento do caso Waldomiro foi uma "encruzilhada" para o governo, que, até aquele momento -a divulgação da gravação de 2002 em que o ex-assessor da Presidência aparece pedindo propina a um empresário de jogos foi em 13 de fevereiro-, vinha se saindo bem na opinião do cientista político.
"O governo ficou perplexo", avalia. "Reagiu de forma inepta à crise", completa. "O discurso do presidente está inserido nisso."
A menção à possibilidade de uma "crise de confiança na democracia" não é levada muito a sério pelos intelectuais. Para Maria Victoria Benevides, também da USP e espécie de porta-voz de um grupo de intelectuais de esquerda que conversam com Lula, esse trecho é "bastante alarmista". "Basta nós olharmos que em países com crises muito mais graves que essa as instituições democráticas se mantiveram". Maria Victoria não faz coro aos que criticam a estratégia do governo durante a crise.
Wanderley Reis também não vê a possibilidade de risco iminente para a democracia: "Não vejo muita credibilidade em se falar de crise institucional. [...] Mas o governo vai se enfraquecer em suas capacidades de governar como resultado da crise". "Para chegar a ser uma crise de confiança na democracia, tem um caminho muito longo", diz Maria Hermínia.
O fato de 2004 ser ano eleitoral tende a fazer com que a exploração da crise pela oposição seja maior. "A crise atual do governo será superdimensionada para fins eleitorais", avalia Maria Victoria.
Leôncio observa, porém, que a oposição que o PT enfrenta agora não é tão forte quanto o que ele próprio fazia ao tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
"O PT é um partido com algumas características de partido anti-sistema. Entre outras coisas, um partido anti-sistema pratica uma forma de oposição desleal: cobra medidas do governo que ele mesmo não poderia adotar se chegasse ao poder. A atual oposição ao governo Lula não é de esquerda nem é composta por partidos anti-sistema", afirma.


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