São Paulo, terça-feira, 28 de março de 2006

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ANÁLISE/NOVO MINISTRO

Mantega terá de chefiar desafetos e seduzir o "mercado"

VINICIUS TORRES FREIRE
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

Se existisse um canal "pay-per-view" das reuniões do governo, o programa mais divertido para comprar nas próximas semanas seria a reunião de Guido Mantega com Henrique Meirelles: eles se detestam. Mantega diz há anos que o BC usa um "modelinho burro" para estimar a inflação e a taxa de juros para contê-la.
Já criticou em público Afonso Bevilacqua, diretor de política econômica e ideólogo-mor do BC. Joaquim Levy, secretário do Tesouro, é seu desafeto notório e está de saída. O embaixador tucano na Fazenda, Murilo Portugal, saiu ontem. Quem vai acender a luz quando Mantega chegar?
Antonio Palocci não sabia economia, mas encantou cobras do mercado e economistas com sua simpatia sibilante e com o que se considerava sua esperteza política. Mantega é desprezado pela equipe econômica restante e por economistas do "mercado", que o têm por ignorante em economia e destrambelhado na política.
Sobre Levy, Mantega declarou aos jornais que "felizmente" a opinião do secretário do Tesouro sobre juros e bancos públicos não tinha "peso nenhum".
Levy e Meirelles criticam o peso dos bancos públicos na economia, em parte responsáveis, segundo eles, pela alta taxa de juro básica. Acham ainda que os empréstimos do BNDES, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil embutem subsídios (descontos nos juros) e causam distorções numa economia de mercado. Para o novo ministro, os bancos federais são esteios do desenvolvimento em um país de juros extorsivos e bancos tímidos.
Ministro do Planejamento, Mantega tinha lugar nas reuniões do Conselho Monetário Nacional (CMN), em que são decididas as principais metas financeiras do país. Lula sempre formou ao lado de Palocci e Meirelles. Mantega sempre foi voto vencido.
O novo ministro da Fazenda é crítico de metas de inflação muito ambiciosas. Em meados de 2005, afirmou que preferia uma meta mais flexível para 2007. Culpou o BC quando se revelou o vexame do PIB do terceiro trimestre de 2005. O BC retrucou, em nota, "lamentando" que membros do governo criticassem a política econômica. Agora, espera-se para ver quem será o pau mandado: Mantega ou a turma do BC?
Já presidente do BNDES, apanhava do pessoal da Fazenda por pregar uma redução TJLP (taxa de juros de longo prazo, taxa básica do BNDES, decidida no CMN), fixa a mando da Fazenda e por pressão do BC havia quase dois anos. Suas derrotas só tiveram fim quando o PIB minguou e Palocci já estava varado feito são Sebastião pelas flechas que voavam dos escândalos de Ribeirão Preto e do ministério da Casa Civil de Dilma Rousseff.
Além da meta de inflação flexível, o dito mercado (bancos e grandes investidores, basicamente) teme as declarações do ministro sobre "mudar o perfil da dívida pública". Isto é, fazer com que o público que empresta ao governo aceite receber seu dinheiro de volta em prazo mais longo e com a taxa de juros fixada de antemão.
"Mudar o perfil da dívida" pode significar nada (o governo tenta diária, paulatina e conservadoramente alongar a dívida pública). Ou, no extremo, pode soar como calote: o governo decide trocar a dívida atual por nova, forçando o público a aceitar juros menores e a empréstimos mais longos.
Antes um moderado entre os economistas do PT, derivou à esquerda, sem querer, quando Palocci tomou seu lugar e o de Aloizio Mercadante como principal porta-voz econômico de Luiz Inácio Lula da Silva.
Era professor da Fundação Getúlio Vargas. Foi do segundo escalão da prefeitura de Luiza Erundina, em São Paulo (1989-92). Como economista, é doutor em sociologia e escreveu ensaios marxistas sobre formação do capital e crises brasileiras, além de textos de história das idéias econômicas. Ao lado de Mercadante e Jorge Mattoso, foi um dos principais críticos do "estelionato eleitoral" que seria o Plano Real.
Lulista apaixonado, em 2002 publicou artigo profético. Lá dizia que Lula seria o "grande timoneiro" a tirar o país do mar revolto: pois ele e seus partidários tinham desenvolvido habilidades no "enfrentamento da corrupção".


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