São Paulo, domingo, 28 de abril de 2002

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Ciro expõe de forma clara pensamento volúvel

GUSTAVO PATÚ
SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE REDAÇÃO

A qualidade mais inegável de Ciro Gomes é a transparência de seu pensamento. Desde que surgiu no cenário nacional, na década de 90, o ex-governador e ex-ministro da Fazenda nunca fugiu de temas desconfortáveis nem foi evasivo para evitar desagradar a seus interlocutores.
Parece dispensar conselhos de marqueteiros e não busca a popularidade fácil. Diz de si mesmo que não teme conflitos. Com ajuda da boa oratória, construiu fama de comunicador eficiente.
Há mais de sete anos sem ocupar um cargo público, há quase cinco num partido pouco provido de quadros de expressão nacional, sem ligação com setores empresariais ou sindicais, Ciro se tornou um político que representa, basicamente, suas próprias idéias.
A bordo desse estilo, muitas vezes agressivo e personalista, Ciro foi um entusiasmado defensor do projeto que elegeu Fernando Henrique Cardoso, passou a ser a mais barulhenta dissidência do governo tucano e acabou na oposição sem, no entanto, contar com a confiança de seus potenciais aliados à esquerda.
Suas características e sua trajetória -que não inclui a revisão de idéias passadas- o tornam alvo fácil dos que buscam inconsistências em seus discursos e posições.
Afinal, ele diz ter rompido com o governo devido à suposta traição, por parte de FHC, dos compromissos originais do Plano Real -as reformas que recriariam o Estado brasileiro. E hoje se encontra unido a forças que combateram, desde o início, o Real e os tais compromissos.
Teve de contorcer sua defesa do fim do getulismo, dos tempos de Fazenda, para adaptá-la à atual aliança com o PDT e o PTB, autoproclamados herdeiros do trabalhismo de Getúlio Vargas -que, aliás, dá nome à frente com o PPS de Ciro.
E terá de ver sempre lembrados, lado a lado, os elogios e ataques que fez, com igual veemência, a figuras como José Serra, Pedro Malan, Antonio Carlos Magalhães e o próprio FHC.
Justiça seja feita a Ciro, suas propostas para o país mudam menos que suas opiniões sobre seus aliados e adversários políticos, embora muitas delas ainda demandem mais explicações.

Proposta polêmica
É o caso da mais polêmica de todas, a proposta que prevê alongar o prazo da dívida interna federal, frequentemente interpretada -erroneamente, diz o presidenciável- como um calote ou um confisco ao estilo do Plano Collor.
Quando lançou a idéia, em 99, disse que negociaria uma troca dos títulos da dívida federal, que servem de base para que os bancos ofereçam aplicações como os fundos de renda fixa, por papéis de prazo mais longo.
Prometeu que não imporia condições, mas admitiu que não daria aos credores opção que não fosse a renegociação: "Não posso sentar à mesa com a porta aberta".
Dois anos depois, reconheceu sua proposta na renegociação da dívida argentina conduzida pelo ex-ministro Domingo Cavallo com apoio conformado do FMI. A estratégia de Cavallo, contudo, fracassou, e a Argentina acabou decretando moratória e confisco de depósitos bancários.
Já o programa preliminar de governo de Ciro fala apenas em "aprofundar a política atual de alongamento dos prazos da dívida interna".

O ideário
Coordenado pelo filósofo Roberto Mangabeira Unger, parceiro intelectual de Ciro, o programa "Desenvolvimento com Justiça" se baseia em princípios e conceitos, mas ainda assim é mais detalhado que a média dos apresentados pelos demais presidenciáveis.
Lá estão duas das propostas mais caras a Ciro: 1) uma reforma dos impostos que tribute mais o consumo e menos a produção; e 2) uma reforma da Previdência mais radical que a de FHC.
Ambas dependem de um amplo apoio do Congresso e têm o propósito de elevar a poupança do país para reduzir a dependência em relação ao capital externo.
É dessa forma que Ciro pretende reduzir os juros (hoje altos para atrair investimento estrangeiro) e permitir a retomada do crescimento -o objetivo final que é unanimidade entre os candidatos ao Planalto.


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