São Paulo, domingo, 28 de abril de 2002

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RAIO-X - CIRO GOMES

Dupla moderniza gestão do Estado, mas incorpora vícios de antigos adversários

Recriação do poder oligárquico marca projeto político Tasso-Ciro

PATRICIA ZORZAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Visto como uma espécie de laboratório e vitrine do modo tucano de governar, o Ceará administrado pelo pré-candidato do PPS à Presidência, Ciro Gomes, encarna mais do que qualquer outro Estado do Nordeste a reciclagem do poder oligárquico iniciada em 1986, com a eleição de Tasso Jereissati, hoje no PSDB.
Herdeiro político do ex-governador tucano, Ciro colaborou na consolidação de uma estrutura de poder que, mesmo identificada por muitos como responsável pelo rompimento com o coronelismo, conserva até hoje características do modelo que derrotou.
Os chamados coronéis que se revezavam no comando do Estado há décadas foram desalojados do poder e substituídos por uma estrutura que se sustenta há 16 anos, seja pela filiação de prefeitos do interior ao partido governista, seja pela obtenção, até recentemente, de uma maioria constante na Assembléia Legislativa.
"Ciro e Tasso não são coronéis. Surgem como uma novidade porque a estrutura coronelista se baseava na troca de favores, no clientelismo, e eles não fazem isso. Mas ficou a oligarquia, o controle grande da política até hoje", afirma a socióloga Linda Gondim, professora da Universidade Federal do Ceará e co-autora do livro "Uma Nova História do Ceará", sobre os governos de ambos.
Na avaliação do deputado Artur Bruno (PT), sobrevive ainda uma matriz coronelista na estrutura de poder criada pelos dois, quando a dupla acaba se reaproximando da oligarquia atrasada que veio a substituir. "Com a crise do algodão, os grandes agricultores do interior tiveram de apoiar o governo estadual para conseguir também apoio", explica o petista, co-autor do livro "Os Pecados Capitais do Cambeba [uma referência à sede do governo cearense]".
"O grupo de Tasso e de Ciro não recusa apoios", argumenta Linda Gondim. "Isso porque a lealdade deles é pessoal e não a idéias. Daí a boa relação de Tasso com Antonio Carlos Magalhães (PFL) e a busca de Ciro pelo apoio pefelista na eleição deste ano."
O tucano e o presidenciável nunca desfizeram laços políticos e pessoais muito estreitos, mesmo depois do rompimento de Ciro com o PSDB, em 1997, e de sua transferência para o PPS, o que torna artificial a análise isolada das gestões dos dois ex-governadores. Dessa afinidade vem a quase certeza, no meio político, de que Tasso desempenhará um papel fundamental caso Ciro consiga chegar ao Palácio do Planalto.

Modernização
Com trânsito internacional e boas relações no empresariado paulista, o ex-governador tucano é visto como uma espécie de fiador da governabilidade de Ciro Gomes. Seria encarregado ainda de dar um atestado de confiabilidade à administração do seu voluntarioso afilhado político.
O caráter modernizador da dupla pode ser identificado em grande parte pelo fato de terem não só reformado a máquina administrativa do Estado, mas também conseguido projeção em organismos internacionais.
A Unicef premiou o governo de Ciro pela redução da taxa de mortalidade infantil, e, em 1994, a revista "Time" escolheu o ex-ministro da Fazenda como um dos 100 líderes mundiais na faixa dos 30 anos em sua área de atuação.
Foi sob o comando dos dois que também o Banco Mundial decidiu investir no Estado, segundo o cientista político Josênio Parente, professor da Universidade Federal do Ceará e autor do livro "A Fé e a Razão na Política: Conservadorismo e Mundaneidade das Elites Cearenses".
"Os dois puderam se antecipar ao governo de Fernando Henrique Cardoso no Ceará porque o Banco Mundial formou no Estado quadros técnicos que permitiram a criação de uma racionalidade empresarial. E o Ceará foi escolhido porque lá havia uma tranquilidade institucional que não existia em outros lugares do Nordeste", diz Parente.
Nem todo o avanço obtido durante o período, entretanto, deve ser atribuído aos dois, afirmam os estudiosos sobre o assunto.
O processo de industrialização cearense teve origem justamente por iniciativa de um dos coronéis que precederam a dupla.
Foi de Virgílio Távora a responsabilidade pela criação do primeiro distrito industrial do Ceará, de incentivos fiscais para o setor e também de um fundo que, originário do Orçamento estadual, era usado no estímulo à indústria.
A explicação para esse comportamento pode ser encontrada, de acordo com Linda Gondim, no fato de Távora e de seus aliados -Adauto Bezerra e César Cals- não se enquadrarem ao padrão do coronel nordestino.
"Eles não eram latifundiários, mas banqueiros e originários de setores da classe média urbana. Sob o ponto de vista econômico, eram de matriz desenvolvimentista", diz a socióloga.
Em seu texto "Virgílio, Adauto e César Cals: a Política como arte da Chefia" (do livro "A Era Jereissati: Modernidade e Mito"), a também socióloga Rejane Vasconcelos afirma que a utilização do título de coronel em relação aos três, "uma ambiguidade devido à alusão simultânea à patente e à condição de chefe político do trio, permitiu aos publicitários da campanha de Tasso efetivar uma fusão pasteurizadora da imagem dos três chefes tradicionais em uma única imagem, a dos coronéis, identificando-os assim como "forças do atraso"".
No aspecto político, tanto Ciro quanto Tasso são identificados como "centralizadores" e, conforme Linda Gondim, pouco abertos ao diálogo com os movimentos sociais que apoiaram a chegada do ex-governador tucano ao poder. "A repercussão social dos governos dos dois foi muito fraca. Tasso assumiu com um discurso de acabar com a miséria que foi abandonado nos dois primeiros anos", afirma ela.
"E o Ciro não teve uma passagem positiva pelo governo também. Centralizador e personalista, prometeu, por exemplo, uma revolução na educação e manteve uma secretária muito criticada no cargo", completa.
O rompimento com a sociedade civil é apontado pelos especialistas como a principal razão para o mau desempenho da dupla em Fortaleza. Apesar do apoio de ambos, candidata à prefeitura da cidade em 2000, a ex-mulher de Ciro, Patrícia Gomes (PPS), ficou em quarto lugar no primeiro turno. "Os movimentos sociais têm força em Fortaleza, e lá o eleitorado é de oposição", diz Gondim.

Diferenças
Apesar da parceria na execução de um projeto político comum, os dois ex-governadores possuem, entretanto, histórias pessoais e personalidades diferenciadas.
À origem de elite e à discrição de Tasso, contrapõem-se a formação de classe média e o frequente destempero verbal de Ciro.
Caracterizado por um comportamento muitas vezes comparado ao do ex-presidente Fernando Collor de Mello, até por isso Ciro, caso eleito, deverá ter em Tasso o ""homem forte" de seu governo.
Por sua capacidade de dialogar com partidos que vão do PFL ao PT, o tucano ajudaria Ciro na articulação política no Congresso Nacional e no governo, seja como superministro ou presidente do Senado, hipótese aventada pela cúpula do PPS.
Apesar do recente flerte com o PFL, o ex-ministro é visto com bastante desconfiança no partido presidido por Jorge Bornhausen. Seu melhor relacionamento pessoal dentro da sigla é com ACM.
Já Tasso é benquisto por Bornhausen e ACM, além de lideranças importantes como a ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney e o atual prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia.
Devido ao caráter centralizador de Ciro, Tasso é das poucas pessoas realmente ouvidas pelo ex-ministro, exceção feita ao filósofo Roberto Mangabeira Unger, intelectual renomado de Harvard e uma espécie de forasteiro do pensamento oposicionista no Brasil que se transformou no guru do presidenciável a partir de 1995.
Apesar disso, não deverá ocorrer um engajamento público de Tasso na campanha do PPS ao Planalto. O apoio formal do ex-governador tucano será dado ao pré-candidato de seu partido, José Serra. Mas nada além disso.


Colaborou KENNEDY ALENCAR, da Sucursal de Brasília

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