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RAIO-X - CIRO GOMES
Dupla moderniza gestão do Estado, mas incorpora vícios de antigos adversários
Recriação do poder oligárquico marca projeto político Tasso-Ciro
PATRICIA ZORZAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Visto como uma espécie de laboratório e vitrine do modo tucano de governar, o Ceará administrado pelo pré-candidato do PPS
à Presidência, Ciro Gomes, encarna mais do que qualquer outro
Estado do Nordeste a reciclagem
do poder oligárquico iniciada em
1986, com a eleição de Tasso Jereissati, hoje no PSDB.
Herdeiro político do ex-governador tucano, Ciro colaborou na
consolidação de uma estrutura de
poder que, mesmo identificada
por muitos como responsável pelo rompimento com o coronelismo, conserva até hoje características do modelo que derrotou.
Os chamados coronéis que se
revezavam no comando do Estado há décadas foram desalojados
do poder e substituídos por uma
estrutura que se sustenta há 16
anos, seja pela filiação de prefeitos
do interior ao partido governista,
seja pela obtenção, até recentemente, de uma maioria constante
na Assembléia Legislativa.
"Ciro e Tasso não são coronéis.
Surgem como uma novidade porque a estrutura coronelista se baseava na troca de favores, no
clientelismo, e eles não fazem isso.
Mas ficou a oligarquia, o controle
grande da política até hoje", afirma a socióloga Linda Gondim,
professora da Universidade Federal do Ceará e co-autora do livro
"Uma Nova História do Ceará",
sobre os governos de ambos.
Na avaliação do deputado Artur
Bruno (PT), sobrevive ainda uma
matriz coronelista na estrutura de
poder criada pelos dois, quando a
dupla acaba se reaproximando da
oligarquia atrasada que veio a
substituir. "Com a crise do algodão, os grandes agricultores do
interior tiveram de apoiar o governo estadual para conseguir
também apoio", explica o petista,
co-autor do livro "Os Pecados Capitais do Cambeba [uma referência à sede do governo cearense]".
"O grupo de Tasso e de Ciro não
recusa apoios", argumenta Linda
Gondim. "Isso porque a lealdade
deles é pessoal e não a idéias. Daí a
boa relação de Tasso com Antonio Carlos Magalhães (PFL) e a
busca de Ciro pelo apoio pefelista
na eleição deste ano."
O tucano e o presidenciável
nunca desfizeram laços políticos e
pessoais muito estreitos, mesmo
depois do rompimento de Ciro
com o PSDB, em 1997, e de sua
transferência para o PPS, o que
torna artificial a análise isolada
das gestões dos dois ex-governadores. Dessa afinidade vem a quase certeza, no meio político, de
que Tasso desempenhará um papel fundamental caso Ciro consiga chegar ao Palácio do Planalto.
Modernização
Com trânsito internacional e
boas relações no empresariado
paulista, o ex-governador tucano
é visto como uma espécie de fiador da governabilidade de Ciro
Gomes. Seria encarregado ainda
de dar um atestado de confiabilidade à administração do seu voluntarioso afilhado político.
O caráter modernizador da dupla pode ser identificado em grande parte pelo fato de terem não só
reformado a máquina administrativa do Estado, mas também
conseguido projeção em organismos internacionais.
A Unicef premiou o governo de
Ciro pela redução da taxa de mortalidade infantil, e, em 1994, a revista "Time" escolheu o ex-ministro da Fazenda como um dos 100
líderes mundiais na faixa dos 30
anos em sua área de atuação.
Foi sob o comando dos dois que
também o Banco Mundial decidiu investir no Estado, segundo o
cientista político Josênio Parente,
professor da Universidade Federal do Ceará e autor do livro "A Fé
e a Razão na Política: Conservadorismo e Mundaneidade das Elites Cearenses".
"Os dois puderam se antecipar
ao governo de Fernando Henrique Cardoso no Ceará porque o
Banco Mundial formou no Estado quadros técnicos que permitiram a criação de uma racionalidade empresarial. E o Ceará foi escolhido porque lá havia uma tranquilidade institucional que não
existia em outros lugares do Nordeste", diz Parente.
Nem todo o avanço obtido durante o período, entretanto, deve
ser atribuído aos dois, afirmam os
estudiosos sobre o assunto.
O processo de industrialização
cearense teve origem justamente
por iniciativa de um dos coronéis
que precederam a dupla.
Foi de Virgílio Távora a responsabilidade pela criação do primeiro distrito industrial do Ceará, de
incentivos fiscais para o setor e
também de um fundo que, originário do Orçamento estadual, era
usado no estímulo à indústria.
A explicação para esse comportamento pode ser encontrada, de
acordo com Linda Gondim, no fato de Távora e de seus aliados
-Adauto Bezerra e César Cals-
não se enquadrarem ao padrão
do coronel nordestino.
"Eles não eram latifundiários,
mas banqueiros e originários de
setores da classe média urbana.
Sob o ponto de vista econômico,
eram de matriz desenvolvimentista", diz a socióloga.
Em seu texto "Virgílio, Adauto e
César Cals: a Política como arte da
Chefia" (do livro "A Era Jereissati:
Modernidade e Mito"), a também
socióloga Rejane Vasconcelos
afirma que a utilização do título
de coronel em relação aos três,
"uma ambiguidade devido à alusão simultânea à patente e à condição de chefe político do trio,
permitiu aos publicitários da
campanha de Tasso efetivar uma
fusão pasteurizadora da imagem
dos três chefes tradicionais em
uma única imagem, a dos coronéis, identificando-os assim como "forças do atraso"".
No aspecto político, tanto Ciro
quanto Tasso são identificados
como "centralizadores" e, conforme Linda Gondim, pouco abertos
ao diálogo com os movimentos
sociais que apoiaram a chegada
do ex-governador tucano ao poder. "A repercussão social dos governos dos dois foi muito fraca.
Tasso assumiu com um discurso
de acabar com a miséria que foi
abandonado nos dois primeiros
anos", afirma ela.
"E o Ciro não teve uma passagem positiva pelo governo também. Centralizador e personalista, prometeu, por exemplo, uma
revolução na educação e manteve
uma secretária muito criticada no
cargo", completa.
O rompimento com a sociedade
civil é apontado pelos especialistas como a principal razão para o
mau desempenho da dupla em
Fortaleza. Apesar do apoio de ambos, candidata à prefeitura da cidade em 2000, a ex-mulher de Ciro, Patrícia Gomes (PPS), ficou
em quarto lugar no primeiro turno. "Os movimentos sociais têm
força em Fortaleza, e lá o eleitorado é de oposição", diz Gondim.
Diferenças
Apesar da parceria na execução
de um projeto político comum, os
dois ex-governadores possuem,
entretanto, histórias pessoais e
personalidades diferenciadas.
À origem de elite e à discrição de
Tasso, contrapõem-se a formação
de classe média e o frequente destempero verbal de Ciro.
Caracterizado por um comportamento muitas vezes comparado
ao do ex-presidente Fernando
Collor de Mello, até por isso Ciro,
caso eleito, deverá ter em Tasso o
""homem forte" de seu governo.
Por sua capacidade de dialogar
com partidos que vão do PFL ao
PT, o tucano ajudaria Ciro na articulação política no Congresso Nacional e no governo, seja como superministro ou presidente do Senado, hipótese aventada pela cúpula do PPS.
Apesar do recente flerte com o
PFL, o ex-ministro é visto com
bastante desconfiança no partido
presidido por Jorge Bornhausen.
Seu melhor relacionamento pessoal dentro da sigla é com ACM.
Já Tasso é benquisto por Bornhausen e ACM, além de lideranças importantes como a ex-governadora do Maranhão Roseana
Sarney e o atual prefeito do Rio de
Janeiro, Cesar Maia.
Devido ao caráter centralizador
de Ciro, Tasso é das poucas pessoas realmente ouvidas pelo ex-ministro, exceção feita ao filósofo
Roberto Mangabeira Unger, intelectual renomado de Harvard e
uma espécie de forasteiro do pensamento oposicionista no Brasil
que se transformou no guru do
presidenciável a partir de 1995.
Apesar disso, não deverá ocorrer um engajamento público de
Tasso na campanha do PPS ao
Planalto. O apoio formal do ex-governador tucano será dado ao
pré-candidato de seu partido, José Serra. Mas nada além disso.
Colaborou KENNEDY ALENCAR, da Sucursal de Brasília
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