São Paulo, domingo, 28 de abril de 2002

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CAMPO MINADO

Estudo constata diferença ao destrinchar números do Incra

Governo inflou reforma agrária em 44%, diz Ipea

EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA
RUBENS VALENTE
DO PAINEL

Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), financiado pelo próprio governo federal, apontou diferença de 44% entre as famílias que teriam sido assentadas pelo governo pelo programa de reforma agrária no biênio 1999 e 2000 e as que efetivamente aparecem nos registros do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
O governo diz ter assentado nesses dois anos 194.212 famílias. O estudo do Ipea aponta número bem inferior: 109.258 (incluindo 20 mil do Banco da Terra).
Segundo o estudo, "os dados disponíveis sobre a criação de projetos de assentamento, inclusive a área ocupada e a quantidade de famílias assentadas, são bastante contraditórios, apresentando incríveis variações, mesmo quando possuem a mesma origem institucional".
Na semana passada, uma série de reportagens da Folha mostrou que o governo federal, por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário, infla os números de famílias assentadas para efeitos de publicidade, utilizando para isso terrenos vazios, assentamentos que não saíram do papel e áreas onde não existe infra-estrutura básica (água tratada, energia elétrica e rede de esgoto).
Para elaborar a pesquisa, o Ipea teve acesso aos balanços detalhados do Incra, não disponíveis para a imprensa. Há quatro meses a Folha pede acesso a esses balanços do ministério, mas não obtém resposta positiva. O balanço especifica o município, a data de criação, a área, o número de famílias atendidas e a forma de obtenção do terreno.
Em 99, segundo o Ipea, o ministério inflou seu balanço final em cerca de 38%, ao anunciar que assentou 85.226 famílias, contra as 53.197 que na verdade teriam sido atendidas. A diferença é de 32.029 famílias -o que equivale a cerca de 138 mil trabalhadores rurais.
Em 2000 a diferença é ainda maior, de 48%. Enquanto o governo fala em 108.986 famílias assentadas, o Ipea indica no máximo 36.061. Somando-se os 20 mil do Banco da Terra, a discrepância é ainda de 52.925 famílias -ou cerca de 227 mil lavradores.
O estudo do Ipea diz que do R$ 1,05 bilhão destinado às atividades do Incra em 2000, apenas 42% (R$ 449,5 milhões) foram destinados para os programas de apoio e instalação dos assentados. Do valor destinado, apenas 57% (R$ 259 milhões) chegaram ao bolso dos trabalhadores rurais.
O Ipea afirma que a pouca confiabilidade dos dados do programa de reforma agrária "revela a precariedade das informações que informam as decisões sobre formatação de projetos, pairando incertezas às correções de rumo e o refinamento dos instrumentos de planejamento que estão sendo demandados pela realidade".
O relatório diz que "quase a totalidade" dos projetos de assentamentos criados até 1998 tornou-se inviável devido à falta de planejamento e de execução dos programas de reforma agrária. "Não é novidade a implantação desses projetos em áreas inadequadas para o plantio". Para o Ipea, muitos dos considerados assentados pelo governo antes de 98 ainda não receberam as primeiras parcelas dos créditos de instalação.
"Os assentados enfrentam graves problemas com a precariedade e insuficiência dos serviços de assistência técnica que lhes estão disponibilizados", diz o relatório.
Para a pesquisadora Brancolina Ferreira, que trabalhou no estudo com o pesquisador Fernando Gaiger, "muitas pesquisas indicam ser elevado o grau de desistência nos diversos projetos. Se não são criadas condições mínimas para que as famílias fiquem na terra, a necessidade de sobrevivência as obrigará a buscar outras formas de subsistência".


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