|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CAMPO MINADO
Estudo constata diferença ao destrinchar números do Incra
Governo inflou reforma agrária em 44%, diz Ipea
EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA
RUBENS VALENTE
DO PAINEL
Um estudo do Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada),
financiado pelo próprio governo
federal, apontou diferença de
44% entre as famílias que teriam
sido assentadas pelo governo pelo
programa de reforma agrária no
biênio 1999 e 2000 e as que efetivamente aparecem nos registros do
Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
O governo diz ter assentado
nesses dois anos 194.212 famílias.
O estudo do Ipea aponta número
bem inferior: 109.258 (incluindo
20 mil do Banco da Terra).
Segundo o estudo, "os dados
disponíveis sobre a criação de
projetos de assentamento, inclusive a área ocupada e a quantidade de famílias assentadas, são bastante contraditórios, apresentando incríveis variações, mesmo
quando possuem a mesma origem institucional".
Na semana passada, uma série
de reportagens da Folha mostrou
que o governo federal, por meio
do Ministério do Desenvolvimento Agrário, infla os números de famílias assentadas para efeitos de
publicidade, utilizando para isso
terrenos vazios, assentamentos
que não saíram do papel e áreas
onde não existe infra-estrutura
básica (água tratada, energia elétrica e rede de esgoto).
Para elaborar a pesquisa, o Ipea
teve acesso aos balanços detalhados do Incra, não disponíveis para a imprensa. Há quatro meses a
Folha pede acesso a esses balanços do ministério, mas não obtém
resposta positiva. O balanço especifica o município, a data de criação, a área, o número de famílias
atendidas e a forma de obtenção
do terreno.
Em 99, segundo o Ipea, o ministério inflou seu balanço final em
cerca de 38%, ao anunciar que assentou 85.226 famílias, contra as
53.197 que na verdade teriam sido
atendidas. A diferença é de 32.029
famílias -o que equivale a cerca
de 138 mil trabalhadores rurais.
Em 2000 a diferença é ainda
maior, de 48%. Enquanto o governo fala em 108.986 famílias assentadas, o Ipea indica no máximo 36.061. Somando-se os 20 mil
do Banco da Terra, a discrepância
é ainda de 52.925 famílias -ou
cerca de 227 mil lavradores.
O estudo do Ipea diz que do R$
1,05 bilhão destinado às atividades do Incra em 2000, apenas 42%
(R$ 449,5 milhões) foram destinados para os programas de apoio e
instalação dos assentados. Do valor destinado, apenas 57% (R$
259 milhões) chegaram ao bolso
dos trabalhadores rurais.
O Ipea afirma que a pouca confiabilidade dos dados do programa de reforma agrária "revela a
precariedade das informações
que informam as decisões sobre
formatação de projetos, pairando
incertezas às correções de rumo e
o refinamento dos instrumentos
de planejamento que estão sendo
demandados pela realidade".
O relatório diz que "quase a totalidade" dos projetos de assentamentos criados até 1998 tornou-se inviável devido à falta de planejamento e de execução dos programas de reforma agrária. "Não
é novidade a implantação desses
projetos em áreas inadequadas
para o plantio". Para o Ipea, muitos dos considerados assentados
pelo governo antes de 98 ainda
não receberam as primeiras parcelas dos créditos de instalação.
"Os assentados enfrentam graves problemas com a precariedade e insuficiência dos serviços de
assistência técnica que lhes estão
disponibilizados", diz o relatório.
Para a pesquisadora Brancolina
Ferreira, que trabalhou no estudo
com o pesquisador Fernando
Gaiger, "muitas pesquisas indicam ser elevado o grau de desistência nos diversos projetos. Se
não são criadas condições mínimas para que as famílias fiquem
na terra, a necessidade de sobrevivência as obrigará a buscar outras
formas de subsistência".
Texto Anterior: No planalto: Cratera de R$ 350 mi assedia o bolso do contribuinte Próximo Texto: Outro lado: "Bancos de dados paralelos" geram as diferenças Índice
|