São Paulo, domingo, 28 de abril de 2002

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NO PLANALTO

Cratera de R$ 350 mi assedia o bolso do contribuinte

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O brasileiro já se habituou às notícias sobre trave$$uras em fundos de pensão do porte de Previ e Petros, gigantes estatais. Como as que enredam Ricardo "no limite da irresponsabilidade" Sérgio, por exemplo. Sabe-se pouco, porém, acerca da rotina de fundos nanicos, situados na periferia do Estado.
Aqui se apresentará um caso exemplar. Recomenda-se ao leitor, de saída, que proteja a algibeira. Estão de olho nela. Chama-se Cibrius a entidade de que se falará. É o fundo de pensão da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Pende das extremidades do organograma do Ministério da Agricultura.
Ocupa a 129ª posição no ranking dos fundos, incluindo privados e estatais. Ostenta patrimônio de algo como R$ 100 milhões. Sua carteira de investimentos é de R$ 89 milhões. Dinheiro que vira troco quando confrontado com o buraco atuarial aberto na contabilidade do fundo: algo como R$ 350 milhões, em valores corrigidos.
Caberá à Conab, como patrocinadora do fundo, cobrir a cratera contábil. Há até decisão judicial nesse sentido. Negocia-se um acordo de escalonamento do repasse. Adivinhe de onde sairá o dinheiro? Sim, isso mesmo, do Tesouro Nacional. Em português mais claro: do seu bolso.
O déficit ronda o Cibrius desde 95. Sob Fernando Collor, fundiram-se três estatais (Cobal, CFP e Cibrazem) em uma (Conab). O fundo de pensão da Cibrazem acolheu os funcionários das outras duas. Esqueceu-se, porém, de refazer os cálculos atuariais, indispensável para saber se o fundo teria dinheiro para pagar as aposentadorias no futuro. Daí o buraco, que aumenta dia a dia.
Até abril de 99, fingia-se que a encrenca não existia. Eleita pelos associados do Cibrius, uma trinca de novos diretores (José Pereira Rocha, Fernando José Sales e Evaldo Fernandes de Oliveira) pôs os números sobre a mesa. Farejaram-se, de resto, uma penca de negócio$ da diretoria anterior. Coisa grosseira.
Depois de frangar um elefante sob as pernas, a direção da Conab, patrocinadora do fundo, encomendou à SPC (Secretaria de Previdência Complementar) uma intervenção no Cibrius. Foi atendida em dezembro de 2000. Tarde. Muito tarde. As malfeitorias estavam consumadas. E os novos diretores traziam as mangas arregaçadas.
Comissão de inquérito instituída pela SPC confirmou a fuzarca que embalou a gestão do fundo de pensão da Conab até o início de 99. Aos exemplos:
1) em 26 de maio de 98, o Cibrius comprou um formidável lote de ações da Teleceará (Telecomunicações do Ceará): 7 milhões de papéis. Gastou R$ 1,584 milhão. Revendeu o papelório na bacia das almas um ano e meio mais tarde. Amargou prejuízo de R$ 1,1 milhão, em valores da época;
2) em 11 de março de 99, adquiriram-se 4,2 milhões de ações da Telma (Telecomunicações do Maranhão). A cotação média do papel no mercado era de R$ 36,36 por lote de mil ações. Pagou-se R$ 240. No total, foi à fogueira R$ 1,008 milhão. Dali a dois meses, revenderam-se as ações a R$ 29,03 o milheiro. Prejuízo final: R$ 886.511,22, fora a correção;
3) em 22 de março de 99, comprou-se um lote de 120 mil ações da Cosern (Companhia de Saneamento do Rio Grande do Norte). Ao preço de R$ 1,2 milhão. Ou R$ 10 a unidade. Sete meses mais tarde, as ações foram revendidas a R$ 2,40 cada. E o Cibrius hospedou novo prejuízo: R$ 912 mil, fora a atualização monetária;
4) o fundo celebrou outras nove transações da China entre 99 e 2001. Agasalharam-se de letras financeiras do governo de Alagoas a debêntures de empresas mal-afamadas. O prejuízo levado aos balanços, tingidos de bordô, soma R$ 13,9 milhões. Noves fora a correção;
5) em 30 de junho de 99, o Cibrius contabilizava lastro de R$ 63 milhões para garantir as aposentadorias de seus associados. Desse total, 34,12%, ou seja, R$ 21,5 milhões, encontravam-se aplicados em debêntures, espécies de títulos de crédito emitidos por empresas. O dinheiro azeitou a contabilidade de firmas que iam mal das pernas. Nada menos que R$ 8,7 milhões bancaram debêntures do tipo "subordinada".
O que significa que, quebrando a firma, o Cibrius entra no final da fila de credores. Outros R$ 5,013 milhões custearam debêntures da Easypar;
6) a Easypar foi criada para financiar vendas de carros da Cantareira Distribuidora de Veículos, revendedora Ford de São Paulo. O Cibrius foi o único "investidor" a se embrenhar na aventura. Enterrou no negócio 10% de seu patrimônio. Recebeu como "garantia", entre outros micos, R$ 624.800,76 em CDBs do Banco Seller, liquidado em 94, e R$ 1,3 milhão em letras financeiras de Alagoas. Em 4 de fevereiro de 99, a Cantareira foi à breca. Pediu concordata. Na última vez em que o Cibrius fez as contas, em dezembro de 2000, o prejuízo era de R$ 7,030 milhões;
Márcio Elison Ferreira dos Reis e Jeferson de Deus Soares, ex-dirigentes do Cibrius, foram inabilitados pela SPC, por quatro anos, para o exercício de cargos em fundos de pensão, seguradoras e instituições financeiras. Recorrem da decisão. Durante o inquérito, disseram, entre outras coisas: a) ao aprovar os balancetes, os conselheiros do Cibrius referendaram a gestão do fundo; b) eventuais prejuízos decorrem dos riscos normais de mercado.
A leniente direção da Conab foi poupada pela não menos leniente SPC. Quanto ao trio de dirigentes eleitos do Cibrius, afastado há quase um ano e meio, atravessou ileso as investigações. A despeito disso, José Rocha, Fernando Sales e Evaldo Oliveira não foram reconduzidos a seus postos. Como têm mandato até 2003, pediram à Justiça que anule a intervenção.
Chama-se José da Silva Crespo Filho o interventor. No momento, ele reforma os estatutos do Cibrius, prepara o terreno para a posse de novo conselho deliberativo e negocia a cobertura do buraco de R$ 350 milhões. O contribuinte brasileiro não perde por esperar. Cedo ou tarde, a mordida virá. Notícia desalentadora para quem acaba de entregar a declaração de Imposto de Renda.


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