São Paulo, quarta-feira, 28 de abril de 2004

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ELIO GASPARI

Atolou o Primeiro Emprego de Lula

Num dos melhores momentos de seu governo, Lula reconheceu que foi à breca o programa Primeiro Emprego. Destinava-se a empregar 400 mil, 300 mil ou 100 mil jovens (dependendo da época em que foi feita a promessa). Acabou empregando 700. Talvez seja um número menor do que o dos burocratas e marqueteiros mobilizados para virtualizá-lo. Foi promessa, tornou-se lorota, terminou em vexame. O reconhecimento do fracasso serve como uma prova de compaixão para com os jovens. Enganar um senador do PMDB (ou ser enganado por ele) é o jogo jogado. Enganar um garoto que acaba de sair do colégio é covardia.
Lula está chegando ao final da terça parte de seu mandarinato. Se tiver a clarividência de reconhecer onde atolou, terá boa estrada pela frente. Acompanhar o que aconteceu com o Primeiro Emprego é um verdadeiro passeio pela capacidade do governo de empulhar a choldra misturando ignorância com prepotência. Governo, no caso, quer dizer governo. Em 1998, FFHH prometeu 600 mil postos de trabalho para jovens. Entregou vento. Nessa mesma campanha Lula prometia empregar 1 milhão de adolescentes por ano. Tudo enganação.
Lula tomou posse dizendo o seguinte: "Vamos dar ênfase especial ao projeto Primeiro Emprego, voltado para criar oportunidades para os jovens que hoje encontram tremenda dificuldade para se inserir no mercado de trabalho".
O Primeiro Emprego foi mostrado ao país em julho, para começar a funcionar em outubro. De acordo com a propaganda oficial, empregaria 260 mil jovens em um ano. Feito o lançamento publicitário, a mitomania marqueteira tomou conta do assunto. Em dezembro, quando a meta de 137 mil vagas mostrou-se absurda, o Planalto informou que criara 22 mil. Empulhação bem-sucedida. Numa pesquisa, notou-se que 49% dos entrevistados achavam o programa muito bom. Pena que não existisse. Em março passado, a repórter Marta Salomon informou ao país que o programa da estima de Lula credenciara apenas uma empresa (um restaurante) e gerara um só emprego: o do copeiro Renison Santos Freire, de 21 anos, em Salvador. O ministro Ricardo Berzoini quis corrigir: foram 500 os jovens empregados. É mais ou menos a mesma quantidade de mão-de-obra direta e indireta gerada por Lula na Europa por seis meses para a fabricação do seu Airbus.
Humildade para discutir o universo dos jovens que deveriam ser beneficiados, competência para tratar das isenções oferecidas aos empresários, nada. O senador Eduardo Suplicy advertia: esse negócio não funciona. Mesmo sentindo o cheiro de queimado, tocou-se em frente, como se a vontade de fazer bastasse. Quando a nação petista era oposição, bastava dizer que uma medida estava errada, anunciar genericamente um substitutivo e ir em frente. Essa sopa acabou.
Além disso, Lula cultiva uma espécie de bonapartismo da miséria, como se a sua ascensão do pau-de-arara ao Airbus fosse prova da infalibilidade de um estilo. Não é. Seu vice foi balconista, Mano Brown foi faz-tudo de farmácia e Milton Friedman trabalhava num restaurante em troca da comida. Franklin Roosevelt nasceu rico e muito fez pelos pobres. Richard Nixon nasceu pobre e muito fez pelos ricos. O bonapartismo profético de Lula pode ser percebido no que ele disse em março de 2003:
"Nós vamos lançar o programa do Primeiro Emprego. Eu fico imaginando um país que tem a gente que nós temos, com a disposição que nós temos: só não dá certo se os governantes atrapalharem. É por isso que eu tenho surpreendido muita gente".
Lula ainda não percebeu que agora o governante é ele, no exercício do seu primeiro emprego público no Poder Executivo. O companheiro precisa fazer uma oração pra Xangô, pra pôr pra trabalhar gente que nunca trabalhou.


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