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EROS ROBERTO GRAU
O 4º membro do Supremo nomeado por Lula defende o Conselho Nacional de Justiça e impeachement de juízes
Novo ministro do STF defende Estado mais forte na economia
VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O advogado e professor de direito Eros Roberto Grau, 63, que
nos próximos sete anos ocupará
uma das 11 vagas de ministro do
STF (Supremo Tribunal Federal),
defende a intervenção do Estado
na economia, declara-se a favor
das cotas para negros e alunos de
escolas públicas nas universidades e evita críticas às invasões de
fazendas promovidas pelo MST.
Em entrevista à Folha, Grau disse que o Estado precisa intervir no
mercado porque "só ele é capaz
de garantir o desenvolvimento
nacional, a erradicação da pobreza e a marginalização". Essa seria
não apenas uma saída possível,
como necessária para "salvar" o
próprio capitalismo.
Ele é o quarto ministro do STF
nomeado pelo presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, que em janeiro de 2006 escolherá mais um nome. Os outros três, que assumiram há um ano, são o paulista Antonio Cezar Peluso, o sergipano
Carlos Ayres Britto e o mineiro
Joaquim Barbosa.
Instado a fazer uma avaliação
do governo Lula, Grau afirma
que, como magistrado, "não me
cabe fazer esse tipo de apreciação". Em seguida, porém, diz que
"a história não é feita como queremos, mas sim como é possível
fazê-la".
A exemplo do atual presidente
do STF, Nelson Jobim, Grau é
gaúcho de Santa Maria da Boca da
Mata, mas mora em São Paulo e é
professor da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo. A
posse no cargo de ministro do
STF será nesta quarta-feira.
O futuro membro do STF explicou por que considera mito a neutralidade política do juiz, tema de
livro de sua autoria, embora tenha
enfatizado que o magistrado não
possa ter vínculos político-partidários. Para ele, se o juiz não levasse em conta aspectos políticos
de sua realidade nos julgamentos,
poderia ser substituído por um
computador.
Por fim, Grau disse que o Conselho Nacional da Justiça, o órgão
de controle externo previsto na
reforma do Judiciário, é necessário para elaborar uma política nacional desse Poder e complementar a fiscalização feita pelas corregedorias dos tribunais, porque
eventualmente o "espírito de corpo" inibiria a atuação delas.
Para ele, seria "bastante razoável" a instituição do impeachment de juízes, hoje só previsto
para ministros do STF.
A seguir, os principais trechos
da entrevista.
Folha - O Estado democrático de
Direito é algo que foi construído ao
longo de 200 anos e é relativamente sólido nos
países capitalistas mais
avançados. O
sr. o considera
plenamente
consolidado no
Brasil?
Eros Roberto
Grau - Ele estará consolidado
à medida que
formos capazes de garantir
a plena eficácia
da Constituição Federal.
Folha - Uma
sociedade capitalista é compatível com um
certo tipo de
"escravismo",
ou seja, o tratamento do ser
humano como
objeto. É possível pensar em
um capitalismo "humanista" adequado à realidade brasileira, que
promova mais coesão social, mais
igualdade e que permita transformar de forma positiva a vida das
pessoas?
Grau - Isso não apenas é possível, como deve ser feito para salvar o próprio capitalismo. Precisamos compreender que isso que
se chama de intervenção do Estado na sociedade civil, no mercado, não é intervenção nenhuma.
Fala-se tanto em segurança das
relações. O Estado é um redutor
de incertezas. Um exemplo significativo de uma incompreensão
que me parece geral é o discurso
sobre o papel das agências [reguladoras], em que dizem que é preciso transferir poderes do Estado
para elas, para ganhar a confiança
da comunidade internacional. Isso é um absurdo. A única entidade capaz de garantir segurança é o
próprio Estado.
Folha - O sr. é contra a teoria do
Estado mínimo?
Grau - Lendo a Constituição,
chego à conclusão de
que só o Estado é capaz
de garantir o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a
marginalização. Se não
fosse assim, a sociedade
civil já teria se dado conta disso.
Folha - A cultura política e a educação sempre
foram vitais para a democracia. Qual papel o sr.
atribui à educação pública em uma sociedade
marcada por desigualdades sociais como a nossa?
Grau - É um papel fundamental. No quadro da
Constituição, não tenho
dúvida nenhuma, educação e saúde são serviços públicos.
Acho também que a
educação é de extrema
importância para a realização do projeto da sociedade brasileira. Sem
ela, não podemos realizar a cidadania. Hoje aparentemente temos
pela primeira vez uma agenda da
educação nacional.
Folha - O sr. compartilha da tese
de que o STF, historicamente, tem
referendado muito os atos do Executivo e tem sido pouco interventivo, pouco ousado no controle desses atos?
Grau - Isso teria de ser examinado a cada momento. O STF viveu
grandes momentos nos últimos
anos. Não vou especificar, porque
posso esquecer algum. Tenho
muito claro que, por ser um tribunal político, o STF haverá de ter sido conservador nos momentos
em que a sociedade brasileira era
conservadora. Creio que em um
momento de grande transformação, de grande expectativa, o STF
deve fazer jus a essa expectativa
de transformação, sempre nos parâmetros da Constituição.
Folha - Neste momento, ele passa
por uma profunda renovação. O sr.
é o quarto ministro nomeado pelo
presidente Lula, no período de um
ano. O que isso pode
significar?
Grau - No governo Lula, haverá
mais uma nomeação [em janeiro de
2006, para substituir Carlos Velloso]. Com isso, começará a mudar a
jurisprudência, não
por causa dos novos ministros, mas
porque temos esse
projeto da Constituição.
Folha - Que mudanças podemos esperar para os próximos meses?
Grau - Serão tomadas decisões importantes. Por
exemplo, a questão
da Previdência Social, relativa à contribuição dos servidores inativos.
Creio que também
haverá o problema da política de
cotas raciais e econômicas, que
me parece essencial ao aprimoramento do regime democrático.
Folha - O sr. pode falar o que acha
sobre esses dois temas?
Grau - É possível que eu ainda
venha a participar do julgamento
da questão dos inativos. Então
prefiro manter reserva em relação
a isso. Já a política de cotas é muito mais ampla e não está em discussão no plano específico. Acho
que a nossa estrutura social, historicamente perversa, tem impedido a efetiva aplicação da igualdade. A igualdade consiste em
tratar desigualmente os desiguais.
Folha - O sr. tem um pensamento
conhecido sobre a inexistência de
neutralidade política por parte do
juiz. O que isso significa?
Grau - Essa idéia está expressa
no livro ""Ensaio e Discurso sobre
a Interpretação/Aplicação do Direito" [escrito por Grau]. O juiz é
um indivíduo que vive um determinado momento histórico, em
uma determinada
sociedade. Quando
toma as decisões,
expressa um determinado senso, que
é também o senso
político, do todo social. Ele dá vida à
Constituição e à lei e
o faz como ser humano. Se não, o
grande ponto da reforma do Judiciário
seria substituir juízes por computadores. Isso não quer
dizer que decida
politicamente em
termos de política
partidária.
Folha - Falando sobre política partidária, o sr. é ou foi simpatizante do PT? É
amigo do presidente
Lula? Alinha-se a
que tipo de tendência política?
Grau - Nunca fui
inscrito em nenhum partido. Conheço o presidente Lula há muito
tempo, porque na época da ditadura militar nós atuamos, como
inúmeros brasileiros, em defesa
das liberdades e da democracia. O
presidente Lula é uma pessoa que
respeito profundamente pela sua
coerência.
Folha - Como o sr. avalia o governo Lula até aqui e as críticas de que
ele ainda não foi capaz de satisfazer os anseios da população por
mudanças?
Grau - Estou às vésperas de tomar posse no STF. Como magistrado, não me cabe fazer esse tipo
de apreciação. De qualquer modo, a história não é feita como
queremos, mas sim como é possível fazê-la.
Folha - Como a ordem constitucional democrática pode conviver
com abusos de liberdade, como invasões de terra? Esses movimentos
podem estar contrariando o espírito da Constituição?
Grau - Seria no mínimo imprudente dar qualquer opinião
nesse plano. A
partir de agora,
como magistrado, tenho de
considerar
sempre cada
situação. Acho,
seguramente,
que a Constituição Federal
tem de ser respeitada por todos os lados.
Folha - O sr. é
a favor do controle externo?
Grau - Sou a
favor. Esse
projeto de
emenda constitucional [da
reforma do Poder Judiciário]
me parece extremamente
salutar.
Quando se falava em controle
externo, há meses, pintava-se
uma perspectiva totalmente inadmissível, de comprometimento
da independência funcional do
juiz, o que não pode ocorrer.
O Conselho Nacional da Justiça
que está proposto não é tão externo assim. Para começo de conversa, é composto de 15 membros,
dos quais 9 são juízes, 2 são representantes do Ministério Público e
2 são advogados. Tem mais duas
pessoas que devem preencher os
mesmos requisitos exigidos de
ministro do STF, notável saber e
reputação ilibada.
Esse órgão deverá formular a
política nacional do Poder Judiciário. Outra questão, muito importante, é a atuação suplementar
às corregedorias. Algumas vezes
as corregedorias podem ficar tolhidas porque os juízes são seres
humanos e, eventualmente, o espírito do grupo inibe decisões que
seriam mais profundas no sentido de cortar na carne.
Folha - O que o sr. acha da instituição do impeachment
de juízes, hoje só previsto
para ministro do STF? Essa proposta não está no
texto da reforma do Judiciário, mas aparece em
alguns debates.
Grau - Acho que seria
bastante razoável.
Folha - O sr. vai se desligar ou se licenciar da faculdade de direito da
USP? Pretende dar aula
na UnB?
Grau - Tenho sido advogado e professor [da
faculdade de direito da
USP]. Comecei a minha
vida como professor de
cursinho, há mais de 40
anos. Sempre entendi
que o professor ensina e
aprende ao mesmo tempo. Imagino ter ensinado aos meus alunos o
exercício da reflexão.
Ultimamente, só tenho
dado aula no bacharelado, onde eu sou contestado com
pureza. No curso de pós-graduação, os alunos são juízes, advogados e muitas vezes não perguntam coisas que deveriam ser perguntadas.
Vou ter de me licenciar da faculdade, mas não vou romper. Seria
doloroso não ter absolutamente
nenhum vínculo com a minha faculdade. Recebi um convite da
Universidade de Brasília. No momento, curiosamente, nada pode
ser praticado porque os funcionários [da USP] estão em greve.
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