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ELIO GASPARI
A demofobia ajuda Lula, como ajudou Vargas
Se petista é festejado pelos
banqueiros, é tido como um
regenerado; se é festejado
na favela, é um degenerado
TEM GENTE que é capaz de fazer qualquer coisa pelo Brasil,
menos ouvir mais um discurso de Nosso Guia. Mesmo assim, todo mundo terá a ganhar com a leitura da Oração aos Petistas, pronunciada na convenção durante a qual,
teatralmente, revelou-se candidato.
É uma peça cujo conteúdo não pode cair no lixo das impropriedades
verbais do orador. Ele diz que representa a realização do "sonho coletivo de ter um trabalhador na Presidência do Brasil". Demagogia barata. Todos os brasileiros que ocuparam a Presidência foram trabalhadores, inclusive ele. Tendo sido operário, dirigente sindical e líder partidário, Lula chegou ao Planalto na
categoria dos aposentados (R$
4.294 mensais, em abril, pelo Bolsa-Ditadura). Essa capacidade de se
apresentar como o que foi e não é,
transmutando-se no que deveria ter
sido e promete vir a ser, é a mágica
de Lula.
Seu melhor momento esteve na
afirmação daquilo que julga ser a
boa qualidade de sua administração
da economia. Pelos padrões do tucanato, foi um craque. Recebeu o país
com o risco Brasil (risco Lula, melhor dizendo) perto dos 2.000 pontos. Está abaixo dos 300. Controlou
a inflação, dobrou o valor das reservas internacionais, reverteu um déficit comercial e conseguiu um superávit de US$ 118,7 bilhões.
Seu capítulo social tem um pouco
de cacarejo sobre ovos alheios, mas
é de justiça reconhecer que a gestão
petista acelerou políticas de benefício aos pobres. Nosso Guia diz que
em menos de quatro anos transferiu para o andar de baixo recursos 36%
superiores ao dos oito do tucanato.
É melhor negócio ser pobre hoje do
que o foi no governo anterior. (Melhor negócio foi, e é, ser rico, tanto
com o PSDB como com o PT.)
A desqualificação do êxito de Lula
por conta da boa avaliação de seu
governo no andar de baixo coloca
em marcha um dos mecanismos
que gerou o mito de Getúlio Vargas.
Parte da contrariedade deriva de
uma incontrolável demofobia.
Quando Lula é festejado pelos banqueiros, é um regenerado. Quando é
festejado na favela, é um degenerado. Coisa assim: "A choldra pode
gostar de quem eu gosto, mas eu não
gosto de quem a patuléia gosta".
Lula agride a inteligência alheia
quando se refere às malfeitorias de
sua turma e diz que os companheiros "tiveram condutas equivocadas". Depois de tratar o eleitor com
um cidadão racional, pede que assuma a condição de imbecil. "Conduta
equivocada" é jogar guimba de cigarro no chão ou ficar de chapéu
dentro da casa alheia. O que ele tinha no Planalto era uma cáfila de
delinqüentes.
Lula já percebeu que a demofobia
dos adversários o aproxima de Getúlio Vargas. Lendo-se a Oração aos
Petistas tem-se a impressão de que
lá pelas nove da manhã de 24 de
agosto de 1954, Getúlio deixou a
Carta-Testamento na mesinha de
cabeceira do Catete e apareceu no
Irajá, de pijama, discursando num
botequim. Vale a pena ouvi-lo:
Lula, 2006: "Este Brasil que é a razão da minha existência e ao qual jurei dedicar a minha vida".
Vargas, 1954: "Esse povo de quem
fui escravo não mais será escravo de
ninguém. Meu sacrifício ficará para
sempre em sua alma".
Lula, 2006: "As vozes do atraso estão de volta, (...) fazem da agressão e
da calúnia as suas principais armas".
Vargas, 1954: "Mais uma vez as
forças e os interesses contra o povo
(...) se desencadeiam sobre mim.
Não me acusam, insultam; não me
combatem, caluniam".
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