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Entrevista da 2ª
CPIs distorcem o papel do Congresso, avalia brasilianista
Comissão é retrocesso e corrupção deve ser barrada com reforma que não passe por Constituinte, diz analista
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DE NOVA YORK
Para o economista e especialista em estudos brasileiros Albert Fishlow,
da Universidade de Columbia, em Nova York, CPIs "são um passo para
trás". "Não resolvem nada, distorcem o papel principal do Congresso, que é
legislativo", analisa. Ele vê na dissociação da imagem do presidente Lula do
PT e dos escândalos de corrupção a explicação para eventual vitória no primeiro turno da eleição de 1º de outubro.
De passagem pelo Brasil em setembro para conferências e para acompanhar as eleições, Fishlow diz que Lula precisa mostrar um projeto de governo ao segundo mandato e que o presidente não fez as reformas nem alterou as estruturas necessárias. O professor afirma não haver "nada positivo saindo" e critica a proposta de Lula de criar uma Assembléia Constituinte para reforma política. "Não vai dar resultado".
Defensor de um "Plano Real para a política", ele propõe a criação de sistema fechado para eleição de deputados. "É preciso criar maioria sem nomeações de gabinete, sem dar ministérios em troca de votos." Brasilianista
e ex-subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos dos EUA, ele
falou à Folha sobre o cenário eleitoral e as denúncias de corrupção no país.
FOLHA- O que mudou no Brasil
desde o cenário eleitoral de 2002?
ALBERT FISHLOW - Em 2002, havia taxas de juros muito altas,
um período de crescimento limitado, a crise energética.
Além disso havia uma série de
crises, a da Argentina, a dos
EUA, com o 11 de Setembro, a
recessão americana. O ano era
dificílimo não só do ponto de
vista doméstico, mas também
internacional. A situação hoje é
bem diferente. O cenário internacional é muito mais positivo
do que antes.
FOLHA - Qual o legado que o governo Lula deixa?
FISHLOW - Analiso três aspectos. Primeiro, a eleição de Lula
não alterou a política macroeconômica do país. Isso representa um grande avanço positivo. Embora haja diferenças políticas entre os partidos brasileiros, pela primeira vez se vê
uma política econômica da
maioria. Antes havia idéias de
milagres possíveis. Hoje em dia
se tem uma visão mais fidedigna das possibilidades.
FOLHA - E os outros aspectos?
FISHLOW - A segunda coisa em
que o governo Lula entrou foi a
tentativa de ampliar as políticas sociais. Aí se tem muito
mais discussão. A política social
é a do aumento da receita e do
número de famílias que recebem o Bolsa-Família. Mas ainda há debates sobre esse assunto. A política de distribuição de
renda com o aumento dos salários não representa claramente
um investimento feito para o
futuro. Ainda falta muito na
educação. Não está evidente
que Lula tenha feito reformas e
alterado a estrutura necessária.
FOLHA - E por fim?
FISHLOW - É a área política. Não
se vê nada positivo saindo. A legislação aprovada em quatro
anos é limitada. A corrupção,
da compra das ambulâncias ao
mensalão, mostra a necessidade de uma reforma política profunda. A democracia não funciona sem um Congresso. O
presidente Lula deve ter um
projeto para os próximos anos
com esses três elementos. É
preciso melhorar a taxa de
crescimento, a vida política e
entrar melhor na área social e a
qualidade da educação.
FOLHA - Como o sr. vê a adoção de
uma Constituinte para reforma política que o presidente Lula defende?
FISHLOW - Não vai dar resultado. A reforma deve sair do Congresso sem pressões. A Câmara
e o Senado necessitam de uma
posição melhor do ponto de
vista dos eleitores brasileiros.
Eles próprios [os congressistas] fazendo as alterações seria
melhor do que colocar outra
vez uma Constituinte e imaginar que seja possível ter algo
extraordinário acontecendo.
FOLHA - Como deveria ser a reforma política?
FISHLOW - Falo em um Plano
Real para a política, mas sem as
mesma regras. Deve ser criado
um sistema fechado, um sistema distrital, em vez de um sistema estadual, para eleição dos
deputados. A organização da vida partidária do país é importante para garantir representatividade. O mais necessário é a
criação de um partido que possa ter maioria mínima de 25%
no Congresso.
É preciso criar um sistema de
maioria sem nomeações de gabinete, sem dar ministérios em
troca de votos. Nessa atual legislatura mais de 200 deputados trocaram de partido, de
olho em vantagens pessoais,
quando deveriam defender
uma política definida.
FOLHA - E o que cabe ao governo?
FISHLOW - É preciso reduzir o
consumo do governo, o número
de servidores. Isso resultado
numa taxa de investimento limitada demais. O país investe
hoje menos de 2% do PIB em
bens de capital para expandir
serviços públicos. O governo
tem duas funções indispensáveis para garantir uma taxa de
crescimento maior. Primeiro, a
taxa da poupança do governo
tem de aumentar. Segundo, o
Brasil precisa de um governo
capaz de fazer investimentos
necessários na educação, na
saúde, na infra-estrutura, que é
insumo para produção do setor
privado. É preciso também reduzir a carga tributária, os impostos em cascata, que criam
ineficiência.
FOLHA - Qual o preço da corrupção
para o Brasil?
FISHLOW - A corrupção é negativa para o Brasil não só por
causa da quantia em si, mas pela qualidade da corrupção. É
preciso melhorar desde o nível
municipal, com os vereadores,
ao estadual, com as Assembléias Legislativas, ao Senado e
à Câmara.
FOLHA - De onde vem a apatia da
sociedade diante de tanta denúncia
de corrupção? Por que não existe
um movimento popular mais sólido
contra isso? Mesmo com tanta denúncia de corrupção, Lula tem a melhor avaliação de um presidente
desde os anos 80 e ganharia folgadamente no primeiro turno se a eleição fosse hoje...
FISHLOW - A sociedade responde ao Lula, como presidente, e
não ao PT ou aos escândalos no
Congresso. Já que a economia
parece bem, com as taxas de juros em queda, salários e aposentadorias aumentando, novos créditos bancários aos grupos com renda menor, exportações crescendo, não me surpreendo com o apoio a ele. Mas,
no voto para o Congresso, ainda não é óbvio que nenhum impacto aconteça.
FOLHA - Há no Brasil um movimento no sentido de tolher as CPIs. Esse
mecanismo de investigação traz resultados?
FISHLOW - As CPIs não resolvem nada, não representam um
passo para o futuro, mas um
passo para trás.
FOLHA - Por quê?
FISHLOW - Todas as CPIs distorcem o papel principal do
Congresso, que é o legislativo.
No Brasil há muitas leis ainda
necessárias para que o país acelere a taxa de crescimento e
melhore a distribuição de renda. Em vez de pedidos contínuos para uma ou outra CPI, e
tentativas de evitá-las, deve haver maneiras melhores de tratar das atividades ilegais.
FOLHA - Qual seria então a maneira de punir os corruptos?
FISHLOW - Não pretendo sugerir alternativas concretas. Mas
creio que tudo comece com
uma reforma política ampla,
que altere de uma maneira fundamental o papel dos partidos
políticos.
FOLHA - Quais são os riscos para
economia em caso de reeleição?
FISHLOW - O presidente Lula
precisa fazer reformas. São necessárias mudanças microeconômicas, como a nova lei de falências. Em um novo mandato,
o presidente deve enfatizar a
área social, não só para os quatro anos. O Brasil necessita de
reformas sociais para 25 anos.
Lula tem de deixar claro o que
tem a fazer.
FOLHA - Como o sr. analisa a política externa lulista?
FISHLOW - O Brasil precisa de
uma revisão da política externa. A Alca (Área de Livre Comércio das Américas) não existe mais. Veja a situação do Mercosul. Como conseqüência da
estratégia da Argentina, o mercado não tem progredido da
maneira esperada. Há limitações às exportações brasileiras.
Todo ano surgem barreiras.
Além disso, a entrada da Venezuela no Mercosul deixa o
Brasil sujeito às decisões de
Hugo Chávez. O país não vai
conseguir um assento no Conselho de Segurança da ONU.
Em vez de viajar tanto, Lula deveria ficar mais tempo em Brasília tratando da reforma política.
FOLHA - O que explica o desempenho da candidata Heloísa Helena?
FISHLOW - Isso se deve ao desejo de um grupo do povo brasileiro que está decepcionado
com a eleição do Lula. Um grupo mais esquerdista tem uma
outra visão do país, quer a reestatização de empresas privatizadas pelo Fernando Henrique
Cardoso. E esse grupo, o MST,
por exemplo, quer mostrar sua
importância a Lula, na esperança de que seja possível, num
provável segundo mandato, ter
um poder maior.
FOLHA - O tom agressivo da senadora não alerta o mercado?
FISHLOW - O mercado financeiro dos EUA estava muito mais
preocupado com as eleições no
México do que com os 15% da
Heloísa Helena. Ninguém espera que ela vá ganhar.
FOLHA - Que conselhos o sr. dava
ao ex-presidente FHC?
FISHLOW - Como acadêmicos
nos conhecemos há 40 anos,
em São Paulo. E mantive ligações contínuas com ele todos
esses anos. Minha presença
não estava ligada à política.
FOLHA - O sr. também dá palpites
ao governo Lula?
FISHLOW - Não. Eles não pedem
e não dou, como conseqüência.
FOLHA - O que piorou desde a saída
do PSDB do Planalto?
FISHLOW - Imaginava-se, logo
após a eleição, o governo de
uma maioria fidedigna, como
elemento da esquerda-centrista. Não aconteceu. Isso fragmentou a possibilidade de reformas das quais o país precisa.
FOLHA - Por que o Brasil não cresce,
apesar de ter controlado a inflação?
FISHLOW - O controle da inflação não é a maneira de crescer.
É preciso investimento em
poupança, avanço tecnológico
contínuo, abertura ao exterior
para importação de bens de capital avançados. Esse são os
elementos que os países modernos investem para ter crescimento futuro.
FOLHA - O país perdeu a chance de
deslanchar junto com a China e com
a Índia?
FISHLOW - Não. Índia e China
ainda têm muitos problemas,
como educação e política. Embora o Brasil não tenha aumentado a taxa de crescimento aos
níveis asiáticos, não quer dizer
que o país tenha perdido. O
Brasil ainda tem um futuro que
deve e pode aproveitar.
FOLHA - O governo foi ingênuo ao
apostar na Rodada Doha?
FISHLOW - O erro maior foi não
tentar desenvolver as possibilidades de alterações da política
de tarifas industriais, para a
área de serviços e para proteção
da propriedade intelectual. Havia área em que o país poderia
ter avançado a discussão em
vez de decidir que fosse necessário primeiro resolver a situação agrícola.
FOLHA - Que análise o sr. faz o Brasil nesse novo livro?
FISHLOW - É uma tentativa de
olhar melhor o passado para
entender as opções futuras. A
obra é focada na redemocratização e na construção de um
novo país com o Plano Real. O
Brasil ainda não perdeu o jogo.
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