São Paulo, quinta-feira, 28 de setembro de 2006

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ELEIÇÕES 2006 / CAMPANHA

Tráfico vigia Heloísa em favela carioca

Em carreata no Complexo da Maré, o comboio da senadora cruzou três vezes com jovens armados com fuzis e pistolas

Candidata do PSOL diz que explicação deve ser cobrada de Lula, que não tirou jovens do tráfico; para morador local, situação foi "normal"


RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO

RICARDO MORAES
REPÓRTER FOTOGRÁFICO

A candidata do PSOL à Presidência da República, Heloísa Helena, foi acompanhada ostensivamente por traficantes armados de fuzis e pistolas e escoltados por mototáxis locais por duas horas, durante carreata de campanha em favelas do Complexo da Maré. Em três ocasiões, o grupo cruzou com rapazes exibindo fuzil, pistolas e rádios de comunicação, e a senadora os viu. Na primeira, a carreata se desviou do caminho e virou à esquerda.
Ao final da carreata, Heloísa Helena transferiu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a explicação do ocorrido. "Quem tem de explicar é o presidente Lula, que foi incapaz de tirar esses rapazes do narcotráfico".
Nenhuma vez os homens se esconderam ou ocultaram o rosto diante da comitiva ou dos jornalistas e câmeras. Três jovens de camisa preta -um segurando fuzil com mira telescópica e outro de mochila-, faziam guarda em uma esquina, a cerca de 60 metros do grupo, logo na primeira escala da carreata, em frente à Associação dos Moradores do Conjunto Esperança. Parados estavam e ficaram por 3 minutos, encarando o grupo à distância.
"Olha os seguranças da Heloísa Helena lá na esquina", comentou com ironia um dos sete mototáxis que a acompanharam a partir dali. Outro morador contou que "todo dia tem gente armada ali".
Antes de entrar na favela, a preocupação com segurança era evidente. O carro de som anunciou: "Vamos evitar usar rádios, pode ser interpretado de outra maneira. Qualquer tipo de rádio, Nextel, qualquer modelo, solicitamos que sejam desligados e guardados, tá ok?"
De coletes amarelos e azuis, sete mototáxis de camisas compridas sob o sol, óculos escuros e pochetes escoltaram a carreata, segundo um deles, a pedido de Ednaldo Frutuoso, que estava no carro da senadora. Frutuoso disse que os mototáxis estavam ali como militantes, em prol dos motoqueiros.
Após cruzar e desviar do primeiro grupo de traficantes, o carro de som parecia tentar desanuviar a situação. "Heloísa Helena não tem medo de falar com a população, veio conversar com a comunidade da Maré", afirmou o locutor. O enfermeiro Nereu Lopes, morador do local e coordenador da visita, disse que havia comunicado às associações de moradores a ida da candidata.
"Aquele pessoal [armado] é a rapaziada do tráfico, mas não tem nada a ver. Isso é normal dentro da comunidade." A cerca de 400 metros da segunda parada, que foi em uma cooperativa de costureiras, o comboio novamente passou por traficantes. Em baixa velocidade, o carro de Heloísa Helena passou a menos de 5 metros de grupo de dez rapazes, com rádios, pistolas e um deles com fuzil, saindo de uma rua e observando os carros.
A carreata seguiu pela Vila do João e Vila dos Pinheiros, também controladas pela facção criminosa ADA. Ao cruzar com um rapaz segurando rádio, um mototáxi ouviu pergunta e travou rápido diálogo com ele.
"Não tem polícia aí, não?"
"Não, tá tranqüilo, só campanha. Tem um cara de peça [arma] aí também", brincou o mototáxi. A informação foi passada adiante por rádio. O comboio seguiu até o limite da favela com o Morro do Timbau e a Baixa do Sapateiro, da facção Terceiro Comando Puro, rival da ADA, e retornou.
Heloísa Helena disse que não ficou "surpresa" nem teve medo. "Já passei por situação pior. Me emocionei como qualquer mãe de família. Só um ignorante acha que narcotráfico só tem aqui", afirmou.


(Colaborou CRISTINA TARDÁGUILA)

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