São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NO AR

Nova velha história

NELSON DE SÁ
EDITOR DA ILUSTRADA

- O novo presidente do Brasil é Luiz Inácio Lula da Silva!
Quem fez o anúncio ao país foi ninguém menos que Alexandre Garcia. O velho porta-voz, 12 anos depois, sorria.
Na sequência, o presidente do Ibope também anunciou com pompa a vitória, acrescentando, orgulhoso:
- Lula deve ter entre 55 e 57 milhões de votos. Isso o tornará o presidente com mais votos na história mundial.
Para além da estranheza de assistir dois personagens de 89 em trama tão diversa, o que se viu na Globo foi a glorificação do novo mito.
Pedro Bial abriu o Fantástico também sorrindo, "sem medo de ser feliz":
- O operário chegou lá!
O tom do programa foi todo na linha "pela primeira vez um brasileiro nascido na miséria, que passou fome quando era menino", venceu.
Até chegar ao extremo da exaltação, com Lula entrando ao vivo, na sua única entrevista, respondendo a Bial e Glória Maria.
Com o apresentador em ritmo de "reality show" e engasgado pela emoção, foi encenado de cara um esta-é-a-sua-vida, no esforço de levar o "presidente" -como Lula já era chamado- a chorar.
Bial não conseguiu, mas Lula poderia ter passado sem esta, no dia de sua eleição. Poderia não ter se submetido de tal maneira, em sua primeira aparição como presidente eleito.
 
Franklin Martins, o analista, deu o tom do que deve esperar o governo Lula em sua relação com o oligopólio:
- Os números são históricos. Fecha-se um ciclo, baseado na estabilização, e abre-se outro... Depois de oito anos de reforma do Estado, de privatizações, abertura da economia, entram na agenda crescimento, geração de emprego, de renda, ou seja, melhoria na condição de vida da população.
Anunciar crescimento, mais emprego, melhoria na condição de vida da população é somente adaptar o velho oficialismo ao novo oficial.
 
E a Globo foi achar Duda Mendonça na Bahia.
Alexandre Garcia, como antes no anúncio da vitória, sorriu ao dizer que o publicitário tratava a eleição do petista como um "sonho". Duda ecoou o velho bordão de fim de ano da própria Rede Globo:
- A gente está começando um novo tempo. O sonho de um presidente diferente.
Na CBN, a conversa com o marqueteiro, já em São Paulo, foi na mesma direção. Pergunta e resposta:
- Qual é a diferença de fazer campanha para Paulo Maluf e fazer para Lula?
- O Paulo Maluf é um bom profissional, a campanha teve de mim o melhor que eu pude, não me arrependo de ter feito. Mas é diferente... Esta não foi uma campanha qualquer. Esta foi a campanha da minha vida... Não foi uma campanha. Foi um sonho.
Foi uma campanha, mas não como qualquer outra. Ainda vai demorar para se compreender todo o impacto em outras partes do mundo da eleição, por um marqueteiro, de um presidente como Lula.
Agora Duda mal comemora e já parte para a Argentina, onde tem outro cliente presidenciável. Outro "sonho".
 
FHC, ainda presidente, teve pelo menos duas alegrias, no dia em que se escolheu aquele que vai tomar seu lugar.
Ao sair de seu local de votação, afirmou sentir a "generosidade" dos eleitores "até mesmo para com o presidente da República". Gritavam:
- Fica, fica, fica.
Por outro lado, na Venezuela, Hugo Chávez declarou num programa de rádio, em meio aos esperados louvores a Lula, que agradecia ao colega brasileiro, a FHC, por seu "cavalheirismo e pelo apoio irrestrito à Venezuela revolucionária".
Inusitadamente, o presidente vai saindo do cargo e entrando para a história quase como uma unanimidade.
 
Mas os tucanos só iniciam a violenta disputa interna pelo que restou de poder.
Em meio a comentários óbvios sobre a salutar alternância no poder, Franklin Martins saiu-se com esta ironia:
- A alternância no poder é importante, mas eu quero ver alguns partidos na oposição. A alternância na oposição é que é importantíssima.


Texto Anterior: Justiça Eleitoral: Lula ultrapassa os 52 milhões de votos
Próximo Texto: Vitória: "Brasil votou sem medo de ser feliz", diz Lula
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.