São Paulo, sábado, 28 de outubro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Marcelo Coelho

Olhando o relógio

ESCREVO ESTA coluna sem ter visto o último debate entre Lula e Alckmin, e acredito não estar sozinho se disser que o interesse por encontros desse tipo se concentra, a essa altura dos acontecimentos, no grupo mais exaltado dos tucanos que ainda esperam milagre eleitoral de última hora.
É bastante irônico, afinal de contas. Lula foi punido pelos eleitores por ter faltado a um debate no primeiro turno. Agora, a opinião geral é que debates não servem para nada, e muita gente, com certeza, só assistiria ao encontro desta sexta na Globo se recebesse em troca uma maleta de dinheiro.
Mas nem mesmo maletas circulam com a freqüência desejada. É que o tempo eleitoral, o tempo do jornalismo, o tempo da propaganda, o tempo da PF e o tempo das mudanças políticas obedecem, por assim dizer, a relógios diferentes, e nisso talvez esteja a raiz do tédio das últimas semanas.
Jornalistas precisam de fatos todos os dias, e parte de sua "torcida" tem menos a ver com supostas preferências partidárias do que com a necessidade de novas revelações, reviravoltas, personagens e mistérios. Mas não ocorrem dossiegates todos os dias, e o noticiário esmorece.
Há sempre uma nova pesquisa eleitoral aparecendo, mas os resultados se repetem regularmente; não poderia deixar de ser assim, se faltam fatos novos de campanha. O tempo das investigações policiais tampouco corresponde ao interesse que cada escândalo despertou ao eclodir, e não há negociação partidária ou tendência na composição de um ministério que se desvende da noite para o dia.
Fosse apenas isso, o problema se resumiria ao drama profissional dos jornalistas. Mas há um fator mais importante em jogo.
Existe outro descompasso, que opõe o tempo relativamente curto de um ou dois mandatos presidenciais ao ritmo mais lento das próprias mudanças políticas.
Não só jornalistas, mas sociólogos e cientistas políticos prevêem a morte do PMDB há mais de 20 anos; a morte do PFL, a dissolução do PSDB e a ruína do PT já são prognosticadas para depois do pleito. Mas nada ocorre tão depressa como se deseja. Os partidos continuam, porque nada há no horizonte capaz de substituí-los.
A inércia política resiste a nossas expectativas de mudança, e ao hábito historiográfico, ele próprio uma sobrevivência de outros tempos, de ver em tudo os prenúncios de uma grande revolução.
Não é outra a origem mental da retórica de Lula, repetindo sempre que "nunca antes neste país" tantas e tão belas coisas se fizeram. É o que resta do seu imaginário de ruptura social. Ao seu lado, Delfim Netto e Jáder Barbalho, com os cabelos tão negros quanto o foram na década de 70, olham para o relógio, reprimindo bocejos de tédio e sorrisos de triunfo.


MARCELO COELHO é colunista da Folha

Texto Anterior: Na TV: Debate tem audiência média de 38 pontos na Grande São Paulo
Próximo Texto: Eleições 2006/Presidência: Lula critica passado, Alckmin ataca presente e ambos escondem futuro
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.