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Marcelo Coelho
Olhando o relógio
ESCREVO ESTA coluna
sem ter visto o último debate entre
Lula e Alckmin, e acredito
não estar sozinho se disser
que o interesse por encontros desse tipo se concentra, a essa altura dos acontecimentos, no grupo mais
exaltado dos tucanos que
ainda esperam milagre
eleitoral de última hora.
É bastante irônico, afinal de contas. Lula foi punido pelos eleitores por
ter faltado a um debate no
primeiro turno. Agora, a
opinião geral é que debates não servem para nada,
e muita gente, com certeza, só assistiria ao encontro desta sexta na Globo se
recebesse em troca uma
maleta de dinheiro.
Mas nem mesmo maletas circulam com a freqüência desejada. É que o
tempo eleitoral, o tempo
do jornalismo, o tempo da
propaganda, o tempo da
PF e o tempo das mudanças políticas obedecem,
por assim dizer, a relógios
diferentes, e nisso talvez
esteja a raiz do tédio das
últimas semanas.
Jornalistas precisam
de fatos todos os dias, e
parte de sua "torcida" tem
menos a ver com supostas
preferências partidárias
do que com a necessidade
de novas revelações, reviravoltas, personagens
e mistérios. Mas não ocorrem dossiegates todos
os dias, e o noticiário
esmorece.
Há sempre uma nova
pesquisa eleitoral aparecendo, mas os resultados
se repetem regularmente;
não poderia deixar de ser
assim, se faltam fatos novos de campanha. O tempo das investigações policiais tampouco corresponde ao interesse que cada escândalo despertou ao
eclodir, e não há negociação partidária ou tendência na composição de um
ministério que se desvende da noite para o dia.
Fosse apenas isso, o problema se resumiria ao drama profissional dos jornalistas. Mas há um fator
mais importante em jogo.
Existe outro descompasso, que opõe o tempo relativamente curto de um ou
dois mandatos presidenciais ao ritmo mais lento
das próprias mudanças
políticas.
Não só jornalistas, mas
sociólogos e cientistas políticos prevêem a morte do
PMDB há mais de 20 anos;
a morte do PFL, a dissolução do PSDB e a ruína do
PT já são prognosticadas
para depois do pleito. Mas
nada ocorre tão depressa
como se deseja. Os partidos continuam, porque
nada há no horizonte capaz de substituí-los.
A inércia política resiste
a nossas expectativas de
mudança, e ao hábito historiográfico, ele próprio
uma sobrevivência de outros tempos, de ver em tudo os prenúncios de uma
grande revolução.
Não é outra a origem
mental da retórica de Lula, repetindo sempre que
"nunca antes neste país"
tantas e tão belas coisas se
fizeram. É o que resta do
seu imaginário de ruptura
social. Ao seu lado, Delfim
Netto e Jáder Barbalho,
com os cabelos tão negros
quanto o foram na década
de 70, olham para o relógio, reprimindo bocejos de
tédio e sorrisos de triunfo.
MARCELO COELHO é colunista da Folha
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