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ENTREVISTA DE 2ª
MÁRCIO BUZANELLI
Diretor-geral da Abin nega grampos clandestinos e propõe legalizar escutas
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O novo diretor-geral da Abin
(Agência Brasileira de Inteligência), Márcio Paulo Buzanelli, 55,
vai ao Congresso nesta semana
dizer que o órgão não faz escuta
telefônica. Defende, no entanto,
que a Abin tenha autorização legal para adotar essa prática, desde
que seja apenas "para casos que
afetam a segurança do Estado
brasileiro".
Buzanelli rebate acusações da
oposição de que seus agentes estariam grampeando deputados envolvidos nas investigações do
"mensalão", como as feitas pelo
deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA). "A Abin
não tem o menor interesse em
questões gremistas, político-partidárias, sindicais", diz ele, ao responder a acusações feitas por parlamentares de oposição ao governo do presidente Lula.
À frente da Abin há quase três
meses, o diretor-geral diz que
uma de suas metas principais é
superar o estigma de "arapongagem" que a ditadura imprimiu
aos serviços de informação. "É o
passado que não passa, o pecado
herdado. Isso estigmatiza, como
um número tatuado em um campo de concentração que não se
consegue mais tirar."
Em meio à reengenharia em
curso, nesta semana Buzanelli encaminhará à Casa Civil o primeiro
plano de carreira para os servidores da Abin desde a abertura política e promoverá o primeiro seminário internacional sobre a atividade de inteligência.
Buzanelli falou à Folha, na sede
da agência, em Brasília, na tarde
da última quarta-feira, dia da semana que ele reserva para atender
os servidores da Abin.
Folha - O que mudou no serviço
de inteligência do país desde o regime militar?
Márcio Buzanelli - A instituição é
um ente do ambiente que a envolve e, naturalmente, sofre todos os
fatores de influência. Nos anos 70,
ela era produto de regimes autoritários. Era um serviço de inteligência voltado, em primeiro lugar, para a segurança do regime,
do Estado forte, autoritário, centralizador.
Hoje existe o Estado democrático de Direito. O produto disso é
um serviço de inteligência integrado ao espírito da época em que
vivemos, em plena observância ao
Estado democrático de Direito.
Isso é constitutivo da Abin, está
na sua divisa, porque faz parte do
texto legal, assim como a defesa
dos interesses nacionais, da lei e
da ordem, da integridade do país.
Folha - Que focos tem hoje a
Abin?
Buzanelli - Nosso foco hoje é a
prevenção aos crimes transnacionais [terrorismo e tráfico de drogas, armas e seres humanos]. Não
temos defesa para isso. A defesa é
a atividade de inteligência. Por isso é que a atividade de inteligência
se diferencia da atividade policial:
ela precede o fato doloso em si.
Além dos crimes transnacionais, existe aquilo que afeta a biodefesa, a biossegurança, o meio
ambiente. Temos uma ação predadora muito grande no meio
ambiente brasileiro, principalmente na Amazônia. Biopirataria
é um caso específico. Evasão de
espécimes animais. A Abin atua
complementarmente às organizações que são destinadas a isso.
Folha - A Abin trabalhou no caso
da febre aftosa?
Buzanelli - Trabalhou. Até mesmo para verificar se não havia evidências concretas de dolo [intenção]. Temos muito caso de transposição de fronteira por gado que
vem do Paraguai para o Brasil.
Como é que isso veio para cá?
Houve falha nos controles? Houve dolo?
Folha - E houve dolo?
Buzanelli - Não encontramos
nenhuma evidência clara nesse
sentido.
Folha - Qual a conclusão?
Buzanelli - Falta de controle, dificuldades na execução de medidas de controle e fiscalização. Temos uma fronteira altamente porosa, proprietários com terras dos
dois lados. Temos facilidades comuns a países que, como o nosso,
têm 16 mil quilômetros de fronteira seca ou de fácil transposição. O
controle é muito difícil.
Folha - Corrupção na administração pública é alvo da Abin?
Buzanelli - A Abin procura encaminhar aos órgãos competentes quando tem informações. Mas
não é objeto da Abin trabalhar
nisso preferencialmente.
Folha - Como fixar a fronteira entre órgão de Estado e de governo, e
evitar aparelhamento?
Buzanelli - Temos tido a felicidade de ter um bom entendimento
por parte do governo e dos integrantes da Abin. Então, não se
misturam as coisas. É água e azeite, bem claro.
Folha - Na sua gestão ou sempre
foi assim?
Buzanelli - Falo em especial agora. Embora não tenha tido uma
posição que me permitisse perceber isso de maneira clara, também acredito que [não houvesse
aparelhamento] nos períodos anteriores. O órgão de inteligência é
de Estado. Por natureza, ele está
acima dos governos, dos interesses de partidos.
Folha - Como o senhor encara o
estigma do regime
militar?
Buzanelli - Essa é
uma questão muito importante.
Nós, que servimos
no passado -eu,
particularmente, e
outros tantos que
estão aqui-,
nunca tivemos
oportunidade de
ver ou praticar
qualquer tipo de
atividade que fosse condenável e
que se atribui ao
antigo serviço de
inteligência. Mas
fica realmente um
estigma. É o passado que não passa, o pecado herdado. Isso estigmatiza, como um
número tatuado
em um campo de
concentração que não se consegue mais tirar.
Não houve uma mudança de sigla apenas. São métodos, princípios e procedimentos totalmente
diferentes. O invólucro de tudo,
que é o ambiente em que se insere
esse serviço de inteligência, é outro. Os tempos mudaram.
Folha - Um exemplo do que se fazia e não se faz mais.
Buzanelli - A Abin não investiga
pessoas, não prende -e antes
também não prendia, porque isso
é da atividade policial- pessoas.
Não é intrusiva. É um serviço de
assessoramento do presidente da
República. No passado, era mais
um serviço que produzia informações para a segurança do Estado. Servia a um modelo de Estado
que, à época, era um modelo que
convinha ao país. Tínhamos o
Leste e o Oeste, a Guerra Fria. Havia signos ideológicos para dividir
porções do mundo. E o Brasil não
podia ser alheio a isso. Hoje não
existe mais o branco e o preto.
Existe o branco, o preto e as várias
tonalidades de cinza, o multilateralismo. E nós nos moldamos a isso. Senão não poderíamos atender aos altos interesses do Estado
brasileiro.
Folha - Neste mundo novo, quais
os desafios da Abin?
Buzanelli - O primeiro, e talvez
um dos mais importantes, é se
institucionalizar e ocupar o espaço que deve e merece ter dentro
no país: ser vista pela sociedade
como um instrumento de ações
de governo no interesse do Estado
brasileiro.
Folha - Como?
Buzanelli - Com
uma série de
ações. A primeira
é trabalhar para
evitar crises de
imagem. Segundo: trabalhar essa
imagem, que ela
produz, mas que
não corresponde
à realidade. A realidade da Abin
não é essa que as
pessoas muitas
vezes vêem. Isso é
um mito -e
ofusca.
Folha - O nome
da Abin apareceu
associado a episódios turbulentos
da história recente
do país, como as fitas do BNDES e o
escândalo de corrupção nos Correios. A agência participou?
Buzanelli - Temos de mostrar
claramente que ela não fez essas
coisas. Só que não há como ficar
respondendo a acusações. É muito difícil você dizer que a Abin esteve ou não esteve em tal lugar.
Provoca estresse institucional.
Toda hora ficar desmentindo, [dizer que] a Abin não faz grampo.
Não tem competência legal para
usar esse tipo de técnica. Nós bem
que gostaríamos de ser incluídos
neste dispositivo legal [que autoriza fazer escuta], de ser fiscalizados pela autoridade judicial, pelo
Ministério Público.
Folha - Trabalhará para isso?
Buzanelli - Vamos trabalhar
junto com o Congresso Nacional,
onde existem muitos parlamentares com essa percepção, no sentido de que a Abin seja integrada.
Queremos ter o mandado legal
para também fazer [escuta]. Isso
seria para casos que afetam a segurança do Estado brasileiro. A
Abin não tem o menor interesse
em questões gremistas, político-partidárias, sindicais. A Abin não
trabalha com os vários movimentos sociais.
Folha - Parlamentares que atuam
na CPI do mensalão afirmam ter sido grampeados pela Abin.
Buzanelli - Refuto essa acusação.
Folha - No início de dezembro, a
Abin promove um seminário internacional sobre serviços de inteligência. Qual o objetivo?
Márcio Paulo Buzanelli - É uma
forma de divulgar o que a instituição faz e também de difusão do
conhecimento mais elevado que
temos hoje. Esse pessoal que vem
de fora normalmente tem diferentes visões da atividade de inteligência.
Temos especialistas da Europa
Oriental, que há pouco tempo viviam sob o regime socialista -caso da Romênia-, e temos outros
com experiência avançada -países democráticos, com longa tradição do exercício da fiscalização
e do controle da atividade de inteligência pelo Congresso, como os
Estados Unidos.
São experiências muito próprias de cada um desses países,
que têm muito a contribuir para o
aprimoramento da nossa capacidade de melhor servir ao Estado
brasileiro.
Os americanos são profundos
conhecedores desse tema. Atravessaram guerras, períodos de
conflito e, mais recentemente,
vêm sendo desafiados pelo crime
organizado transnacional. A criminalidade transnacional é um
tema que governa a agenda internacional. Como os EUA trabalham a política de prevenção ao
terrorismo? É muito importante
que nós, adequadamente, trabalhemos essa questão, até como
ponto importante da agenda bilateral. O Brasil, embora não tenha
sido atingido diretamente pelo
terrorismo, o é indiretamente.
Por quê? Porque as políticas governamentais contra o terrorismo
produzem reverberações que nos
atingem, até financeiramente.
Folha - Está pronto o projeto de
lei que definirá o terrorismo?
Buzanelli - O GSI [Gabinete de
Segurança Institucional, ao qual a
Abin é subordinada] não está elaborando um anteprojeto de lei,
mas uma política de prevenção,
um conjunto de ações para enfrentar essa questão e determinar
que órgãos vão executá-las no
âmbito governamental.
Folha - Soube que o sr. recebe os
servidores toda quarta-feira.
Buzanelli - Existe o cliente interno e o externo. Temos muito que
trabalhar com os nossos oficiais
de inteligência, recuperar a auto-estima, fortalecer o núcleo moral
da instituição, inocular algumas
coisas que por vezes ficam esquecidas, a integridade pessoal, o
compromisso com a verdade. Toda quarta à tarde dedico a receber
pessoas que têm algo a dizer, uma
contribuição.
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