São Paulo, sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

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Brasil se envolveu na Condor, diz ministro

Paulo Vannuchi diz que não há dúvida da participação de país na operação e que a Lei da Anistia não pode ser "guarda-chuva'

Para titular da secretaria dos Direitos Humanos, senso comum considera que lei anistiou a tortura, mas nenhum caso chegou ao STF

EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência, disse à Folha não ter dúvida sobre a efetiva participação brasileira na Operação Condor, que reuniu ditaduras sul-americanas em atos de repressão. Sobre a abertura de inquérito no Brasil, Vannuchi afirmou não haver no governo quem defenda o acobertamento das informações. "Não pode ter sentimento corporativo de acobertar pessoas que, como regra geral, estão na reserva ou que eventualmente morreram."

 

FOLHA - O que o sr. achou da decisão da Justiça italiana?
PAULO VANNUCHI -
Positiva, porque reforça nosso programa de trabalho, que deu um passo importante neste ano com o lançamento do livro ["Direito à Memória e à Verdade"].

FOLHA - O procurador italiano disse que abriu a investigação pela inoperância dos países, como o Brasil.
VANNUCHI -
Eu acho importante dizer que esse tema, no Brasil, está sendo bloqueado num guarda-chuvas protetor da Lei da Anistia de 1979.

FOLHA - Então esses dois casos não podem entrar na Lei da Anistia?
VANNUCHI -
Não podem entrar.

FOLHA - Mas podem haver interpretações que digam o contrário?
VANNUCHI -
Pode ter interpretação, mas não a qualificada. A interpretação qualificada tem que ser dada pelo seu Poder Judiciário, então prevalece um senso comum de que a Lei da Anistia anistiou a tortura, mas nunca houve ainda um caso que chegasse à Suprema Corte e ela encerrasse esse assunto. Mas, se ela decidir nesse sentido, então os cidadãos que consideram que a tortura é imprescritível...

FOLHA - O senhor considera imprescritível?
VANNUCHI -
Eu considero. Agora, eu, como cidadão, vou encarar a decisão da Suprema Corte e da Justiça do Brasil, quando ela ocorrer. Quando um ministro ou um ex-ministro se pronuncia, são opiniões de cidadão. Não é nada oficial.

FOLHA - O sr. defende a abertura do inquérito no país sobre esse caso?
VANNUCHI -
Não há ninguém no governo que defende o acobertamento das informações. Não é justo que os atuais comandos militares sigam tendo sobre as costas o peso de violações que não cometeram. As Forças Armadas brasileiras estão plenamente engajadas nas suas atribuições definidas constitucionalmente. Então, não pode ter sentimento corporativo de acobertar pessoas que, como regra geral, estão na reserva ou que eventualmente morreram.

FOLHA - Por que há tanta dificuldade para investigar esses crimes no Brasil? A questão da abertura total dos arquivos é um exemplo disso.
VANNUCHI -
O país vem de uma ditadura que durou 21 anos, ainda mais três anos numa transição [até 1988]. Eu entendo que pessoas diferentes de mim tenham a posição, equivocada, de que a transição já está feita. A ministra Dilma [Rousseff, da Casa Civil] vai anunciar no início de 2008 também o processo [de interligação] com os documentos do Arquivo Nacional [incluindo papéis de Itamaraty, PF e Abin]. É um equívoco avaliar que não há documentos da repressão política abertos.

FOLHA - Mas o processo é lento. Não poderia ser mais rápido?
VANNUCHI -
Poderia ser e poderia ter sido mais rápido em 1985, em todos os governos civis e também no governo Lula. Mas não está parado.

FOLHA - O sr. acha que há alguma dúvida sobre a participação do Brasil na Operação Condor?
VANNUCHI -
Eu acho que não há dúvida nenhuma. O episódio italiano é muito importante porque pega dois casos de 1980 que, em primeiro lugar, não estão cobertos pela Lei da Anistia de 1979. Então, qualquer discussão da Lei da Anistia como guarda-chuva protetor nesse caso não tem fundamento e, em segundo lugar, se não pode fazer a extradição, é seguir a orientação do ministro Tarso Genro [Justiça], ou seja, fazer um procedimento interno.


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