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Brasil se envolveu na Condor, diz ministro
Paulo Vannuchi diz que não há dúvida da participação de país na operação e que a Lei da Anistia não pode ser "guarda-chuva'
Para titular da secretaria dos Direitos Humanos, senso comum considera que lei anistiou a tortura, mas nenhum caso chegou ao STF
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro Paulo Vannuchi,
da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência, disse à Folha não ter dúvida sobre a efetiva participação
brasileira na Operação Condor,
que reuniu ditaduras sul-americanas em atos de repressão.
Sobre a abertura de inquérito no Brasil, Vannuchi afirmou
não haver no governo quem defenda o acobertamento das informações. "Não pode ter sentimento corporativo de acobertar pessoas que, como regra geral, estão na reserva ou que
eventualmente morreram."
FOLHA - O que o sr. achou da decisão da Justiça italiana?
PAULO VANNUCHI - Positiva, porque reforça nosso programa de
trabalho, que deu um passo importante neste ano com o lançamento do livro ["Direito à
Memória e à Verdade"].
FOLHA - O procurador italiano disse que abriu a investigação pela inoperância dos países, como o Brasil.
VANNUCHI - Eu acho importante dizer que esse tema, no Brasil, está sendo bloqueado num
guarda-chuvas protetor da Lei
da Anistia de 1979.
FOLHA - Então esses dois casos não
podem entrar na Lei da Anistia?
VANNUCHI - Não podem entrar.
FOLHA - Mas podem haver interpretações que digam o contrário?
VANNUCHI - Pode ter interpretação, mas não a qualificada. A
interpretação qualificada tem
que ser dada pelo seu Poder Judiciário, então prevalece um
senso comum de que a Lei da
Anistia anistiou a tortura, mas
nunca houve ainda um caso que
chegasse à Suprema Corte e ela
encerrasse esse assunto. Mas,
se ela decidir nesse sentido, então os cidadãos que consideram
que a tortura é imprescritível...
FOLHA - O senhor considera imprescritível?
VANNUCHI - Eu considero. Agora, eu, como cidadão, vou encarar a decisão da Suprema Corte
e da Justiça do Brasil, quando
ela ocorrer. Quando um ministro ou um ex-ministro se pronuncia, são opiniões de cidadão. Não é nada oficial.
FOLHA - O sr. defende a abertura
do inquérito no país sobre esse caso?
VANNUCHI - Não há ninguém no
governo que defende o acobertamento das informações. Não
é justo que os atuais comandos
militares sigam tendo sobre as
costas o peso de violações que
não cometeram. As Forças Armadas brasileiras estão plenamente engajadas nas suas atribuições definidas constitucionalmente. Então, não pode ter
sentimento corporativo de acobertar pessoas que, como regra
geral, estão na reserva ou que
eventualmente morreram.
FOLHA - Por que há tanta dificuldade para investigar esses crimes no
Brasil? A questão da abertura total
dos arquivos é um exemplo disso.
VANNUCHI - O país vem de uma
ditadura que durou 21 anos,
ainda mais três anos numa
transição [até 1988]. Eu entendo que pessoas diferentes de
mim tenham a posição, equivocada, de que a transição já está
feita. A ministra Dilma [Rousseff, da Casa Civil] vai anunciar
no início de 2008 também o
processo [de interligação] com
os documentos do Arquivo Nacional [incluindo papéis de Itamaraty, PF e Abin]. É um equívoco avaliar que não há documentos da repressão política
abertos.
FOLHA - Mas o processo é lento.
Não poderia ser mais rápido?
VANNUCHI - Poderia ser e poderia ter sido mais rápido em
1985, em todos os governos civis e também no governo Lula.
Mas não está parado.
FOLHA - O sr. acha que há alguma
dúvida sobre a participação do Brasil
na Operação Condor?
VANNUCHI - Eu acho que não há
dúvida nenhuma. O episódio
italiano é muito importante
porque pega dois casos de 1980
que, em primeiro lugar, não estão cobertos pela Lei da Anistia
de 1979. Então, qualquer discussão da Lei da Anistia como
guarda-chuva protetor nesse
caso não tem fundamento e, em
segundo lugar, se não pode fazer a extradição, é seguir a
orientação do ministro Tarso
Genro [Justiça], ou seja, fazer
um procedimento interno.
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