|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FÓRUM ECONÔMICO
Organizações querem direito à manifestação assegurado; cerca de cem manifestantes seguiam presos
Repressão causa crise entre ONGs e Davos
Associated Press
|
Cerca de cem manifestantes incediaram carros e apedrejaram edifícios e lojas na noite de sábado, em Zurique |
CLÓVIS ROSSI
JOSÉLIA AGUIAR
ENVIADOS ESPECIAIS A DAVOS
As ONGs (organizações não-governamentais) convidadas a participar do encontro anual do Fórum Econômico Mundial ameaçam romper com o evento se seus
organizadores não assegurarem o
direito de manifestação.
A ameaça foi transmitida no sábado aos dirigentes do Fórum,
depois da repressão policial que
impediu a manifestação programada por outras ONGs, as que
não foram convidadas.
Hoje, as ONGs esperam uma
resposta de Klaus Schwab e Claude Smadja, respectivamente presidente e diretor-gerente do Fórum. Querem mais: esperam que
convençam as autoridades suíças
a autorizar manifestações.
"Se eles podem influir sobre as
autoridades para conseguir benefícios, podem influir também para que seja respeitado um direito
humano fundamental, que é o de
manifestação", dispara Vandana
Shiva, diretora da Fundação para
Pesquisa da Ciência, Tecnologia e
Ecologia (Índia). Se as garantias
oferecidas pelo Fórum não forem
consideradas suficientes, as
ONGs não irão a Davos em 2002
(a não ser para ficar do lado de fora e tentar fazer manifestações).
"Não se pode falar em diálogo
quando o diálogo com a sociedade está fechado", justifica Shiva.
Ela explica que sair do encontro
deste ano não faria sentido porque o calendário de protestos já
está encerrado e não haveria como conferir se o direito de manifestação seria ou não respeitado.
As ONGs que estão participando do Fórum divulgaram comunicado no qual se dizem "profundamente preocupadas com a maneira com que o governo suíço
tratou indivíduos e organizações
que buscavam manifestar suas inquietações em pacífica assembléia
nas ruas de Davos".
O apoio das ONGs "incluídas"
(convidadas para o encontro) às
"excluídas" acaba com o que Lori
Wallach, diretora do Global Trade
Watch (Observatório do Comércio Global, uma ONG anti-OMC),
chama de tentativa de criar um
"apartheid" entre as organizações
da sociedade civil.
É uma referência ao fato de que
não apenas o Fórum Econômico
Mundial, mas outras entidades de
âmbito planetário abriram suas
portas ao diálogo com algumas
ONGs, mas as mantêm fechadas
para outras, mais radicais. Este
ano, estão convidadas 69 ONGs,
18 a mais que no ano passado (o
primeiro em que elas foram incluídas nos debates do Fórum).
A reação das ONGs "incluídas"
não foi o único evento a apontar
para uma crise de legitimidade da
globalização. Ontem, uma das
sessões de Davos foi dedicada ao
"contragolpe à globalização".
Mais uma vez, o que se ouviu foi
uma sequência de discursos que
caberiam perfeitamente no Fórum Social Mundial. John Sweeney, presidente da poderosa central norte-americana AFL-CIO,
atacou o "ensurdecedor coro" da
mídia para louvar as benesses da
globalização, esquecendo seus pecados. "A promessa (da globalização) era a de que abrir mercados,
desregular as finanças e unir-se ao
mercado global promoveria o
crescimento, que promoveria o
desenvolvimento. Disseram-nos
que, se tirássemos o governo do
caminho, os mercados fariam a
sua mágica. A realidade do último
quarto de século torna essa receita
mais e mais dura de engolir."
Mais: "A Rússia prova que, se os
governos forem de fato tirados do
caminho, a magia negra dos mercados tende a produzir gangsterismo em vez de capitalismo".
Depois, veio Thabo Mbeki, presidente da África do Sul, que usou
termos geológicos para descrever
a globalização. Disse que, quando
se fala de globalização, fala-se de
uma "falha estrutural", que "põe
de um lado os ricos e poderosos e,
de outro, os pobres".
Até John Wolfensohn, presidente do Banco Mundial, uma das
organizações que as ONGs mais
radicais querem fechar, falou bem
das manifestações (sem especificar quais). Disse que elas provocam "um impacto positivo muito
forte" na agenda internacional.
Mas o palco foi dominado pela
única representante de ONG presente, a indiana Vandana Shiva,
que falou mais que os outros e era
tratada com visível respeito. Ela
inverteu a lógica do tema em discussão, ao dizer que "a globalização é que é um contragolpe a
princípios fundamentais, como o
respeito dos direitos humanos,
das mulheres, dos trabalhadores".
Protestos pela Suíça
Pelo menos cem manifestantes
antiglobalização continuavam
presos ontem por terem participado de protestos violentos em
Zurique no sábado à noite.
Frustrados por não terem conseguido realizar a manifestação
programada para a tarde do sábado, em Davos, mais de mil ativistas foram de trem para Zurique e
ocuparam o centro da cidade. Eles
incendiaram carros, destruíram
lojas e apedrejaram edifícios. A
polícia usou balas de festim, gás
lacrimogêneo e jatos d" água para
dispersá-los. Em Berna, também
no sábado, cem pessoas protestaram no centro da cidade. Dois
manifestantes foram presos.
Ontem, ativistas em Zurique fizeram um protesto em defesa da
liberdade de expressão em frente
ao local onde estavam os presos.
ONGs e parte da imprensa suíça
reclamam que houve exagero nas
ações para reprimir a manifestação prevista para o sábado.
A polícia suíça fechou estações
de trem, parou carros e ônibus
nas estradas, cercou fronteiras,
revistou e impediu centenas de
pessoas de chegarem a Davos. O
grupo suíço Mídia Independente
acusa a polícia de ter solicitado a
hotéis informações sobre hóspedes considerados "suspeitos"
-na lista, desde jornalistas que
não tivessem credenciais para o
evento a cidadãos de pelo menos
15 nacionalidades. Autoridades
suíças dizem que montaram o rígido esquema de segurança para
evitar distúrbios como os de Seattle, Praga e Nice (França).
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Protestos ganham as manchetes, mas não a agenda Índice
|