São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 2006

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ELEIÇÕES 2006/PRESIDÊNCIA

Publicitário acusado de remeter US$ 528 mil para paraísos fiscais já publicou romance e participou de um disco com Caetano

Novo marqueteiro já cogita desistir de Lula

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Nem deu tempo de João Santana sentir o gostinho de ser o novo marqueteiro de Lula, função que desempenha na surdina, para que o Ministério Público Federal apontasse que o publicitário também tem um pé no submundo das campanhas políticas.
A revelação de que ele supostamente remeteu US$ 528 mil para bancos em paraísos fiscais entre 1999 e 2001 é o mais duro golpe que o publicitário sofreu na imagem que tenta projetar de si mesmo: a de que não é um marqueteiro qualquer. Para evitar o tiroteio das acusações, ele já cogita desistir do trabalho com Lula.
História é o que não falta a Santana para tentar fugir da feição criminalizada que o marketing político adquiriu depois do advento do "valerioduto" e de Duda Mendonça. Baiano, nascido em Tucano, no mesmo sertão que viu a guerra de Canudos (1896-1897) e as pregações de Antonio Conselheiro (1830-1897), João Cerqueira de Santana Filho, 53, filho do dono do cartório na cidadezinha que hoje tem 50 mil habitantes, já foi jornalista, compositor e publicou um romance, batizado "Aquele Sol Negro Azulado".

Forró, rock e cachaça
A primeira imagem pública de Santana não tem nada a ver com o marqueteiro que sugeriu a Lula trocar o vocativo esquerdista "companheiros e companheiros" pelo prosaico "amigos e amigas" com o objetivo de afastar o presidente da lama do PT. No início dos anos 70 em Salvador, quando era conhecido por Patinhas e cultivava uma cabeleira "black power", ele criou a banda Bendengó junto com Gereba e Kapenga -ele ganhou o apelido no Colégio Antônio Vieira, de jesuítas, pela forma como administrava o dinheiro do grêmio.
O grupo talvez tivesse sumido na poeira da história, com sua mistura de música do sertão e Beatles, não fosse a sua participação em "Jóia", disco de Caetano Veloso de 1975. É o Bendengó que acompanha Caetano na canção "Canto de um Povo de um Lugar" ("Todo dia o sol levanta/ E a gente canta/ O sol de todo dia/ Fim da tarde a terra cora/ E a gente chora/ Porque finda a tarde").
"Éramos uns puritanos da porra. O Bendengó não conhecia droga", relata Gereba, 60, parceiro mais freqüente de Santana -a dupla tem algumas dezenas de músicas inéditas. Gereba diz que, enquanto tomava cerveja, o parceiro entornava uma garrafa de cachaça. Santana foi o mentor do grupo, escreveu as letras mais importantes, mas nunca subiu no palco. "Ele é muito tímido. É um grande cantor, poderia ser profissional, mas ele não gosta de aparecer em público. Foi uma guerra tirá-lo de casa para o lançamento do livro", diz o antropólogo e poeta Antonio Risério, 54. O maior sucesso de Patinhas, porém, não foi nenhuma música do Bendengó. Foi o "Forró do ABC", que criou com Moraes Moreira.
Foi um músico nada comercial, no entanto, Walter Smetak (1913-1984), que exerceu a maior influência sobre Santana, segundo ele próprio. O violoncelista trocou a Suíça pelo Brasil e em Salvador, onde dava aulas na universidade federal, passou a inventar instrumentos, tão plásticos que pareciam esculturas -e eram.
Foi Smetak quem introduziu Santana na eubiose, religião criada no Brasil em 1924 cujo objetivo é reconstruir o homem a partir da arte, da ciência e da moral. Até hoje o publicitário cultua algo do misticismo da eubiose. No romance "Aquele Sol Negro Azulado" (2002), um thriller que mescla sexo, biopirataria na Amazônia e agentes americanos, há personagens míticos que sintetizam alguns pontos de vista da eubiose, segundo Risério.
Amigo de Santana desde o final dos anos 60, Risério diz que a primeira impressão que teve dele persiste até hoje: é um leitor voraz. "João é muito surpreendente. Ultimamente ele estava lendo sobre a presença negra em Buenos Aires no século 19." Deu de presente ao amigo o livro "Buenos Ayres - Negros y Tangos" , de Oscar Natale.

Iniciado por Duda
Foi pelas mãos de Duda Mendonça, o marqueteiro que forjou o "Lulinha Paz & Amor" e agora atola-se em acusações de remessas ilegais de dólares, que Santana começou a trabalhar com marketing político, em 1993. Ele deixara o jornalismo depois de conquistar a principal recompensa de um repórter, o Prêmio Esso de Reportagem de 1992. Santana foi um dos autores do texto "Eriberto: Testemunha Chave", publicado na "IstoÉ", sobre o motorista que desmontou uma das farsas do presidente Fernando Collor de Mello.
Foi só após o rompimento com Duda, ocorrido no final de 2001, que Santana fez campanhas que lhe renderam fama. A mais comentada delas foi na Argentina, em 2001. O marqueteiro conseguiu que Eduardo Duhalde, um candidato com carisma zero, fosse eleito senador com 37% dos votos. A ruptura com Duda deu-se num conflito de egos. Santana viu o seu papel nas campanhas reduzido ao de um anão no livro "Casos & Coisas", de Duda.
No Brasil, Santana conseguiu uma fama robusta como marqueteiro, apesar de ter um currículo pouco mais do que esquálido. Fez as campanhas de Antonio Palocci (à Prefeitura de Ribeirão Preto em 2000) e de Delcídio Amaral (para o Senado em 2002). Campanhas maiores ele só fez em Estados menores, como Sergipe (para Albano Franco) e Rio Grande do Norte (para a família Alves).
A tentativa de convertê-lo em marqueteiro de Lula partiu de Palocci. Se sair do Ministério da Fazenda nos próximos meses para coordenar a campanha de Lula, Palocci faria dupla com quem já tem afinidade.
Não é certo, porém, de que Santana aceite ser o marqueteiro de Lula, compromisso que havia assumido com o presidente no final do ano passado. A revelação de que ele teria enviado recursos para fora do país por meio de doleiros colocou-o numa posição que nunca experimentara -a de investigado, não a de investigador. "Não dou para protagonismo", reclamava para amigos.
Sua família o pressiona para abandonar o "projeto Lula". Na última sexta-feira, veio para São Paulo discutir com um advogado qual seria sua estratégia de defesa.
Até agora, Santana já apresentou duas versões para a remessa ilegal de dólares. Na primeira vez que tratou do assunto, deixou vazar para jornalistas que a remessa poderia ser obra de Duda Mendonça. "Foi o Duda que fez" era o seu mote.
Na última quinta-feira, em entrevista à Folha, informou que os dados do Ministério Público Federal eram "inconsistentes e contraditórios", sem explicar como nem por quê. A Folha tentou entrevistá-lo na última sexta-feira, mas ele não respondeu aos recados deixados no seu celular.
Se estivesse numa campanha política, qualquer assessor do assessor saberia que Santana está precisando dos conselhos de um marqueteiro.


Colaborou a Sucursal de Brasília


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