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ELEIÇÕES 2006/PRESIDÊNCIA
Publicitário acusado de remeter US$ 528 mil para paraísos fiscais já publicou romance e participou de um disco com Caetano
Novo marqueteiro já cogita desistir de Lula
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Nem deu tempo de João Santana sentir o gostinho de ser o novo
marqueteiro de Lula, função que
desempenha na surdina, para que
o Ministério Público Federal
apontasse que o publicitário também tem um pé no submundo
das campanhas políticas.
A revelação de que ele supostamente remeteu US$ 528 mil para
bancos em paraísos fiscais entre
1999 e 2001 é o mais duro golpe
que o publicitário sofreu na imagem que tenta projetar de si mesmo: a de que não é um marqueteiro qualquer. Para evitar o tiroteio
das acusações, ele já cogita desistir
do trabalho com Lula.
História é o que não falta a Santana para tentar fugir da feição
criminalizada que o marketing
político adquiriu depois do advento do "valerioduto" e de Duda
Mendonça. Baiano, nascido em
Tucano, no mesmo sertão que viu
a guerra de Canudos (1896-1897)
e as pregações de Antonio Conselheiro (1830-1897), João Cerqueira de Santana Filho, 53, filho do
dono do cartório na cidadezinha
que hoje tem 50 mil habitantes, já
foi jornalista, compositor e publicou um romance, batizado
"Aquele Sol Negro Azulado".
Forró, rock e cachaça
A primeira imagem pública de
Santana não tem nada a ver com o
marqueteiro que sugeriu a Lula
trocar o vocativo esquerdista
"companheiros e companheiros"
pelo prosaico "amigos e amigas"
com o objetivo de afastar o presidente da lama do PT. No início
dos anos 70 em Salvador, quando
era conhecido por Patinhas e cultivava uma cabeleira "black power", ele criou a banda Bendengó
junto com Gereba e Kapenga
-ele ganhou o apelido no Colégio Antônio Vieira, de jesuítas,
pela forma como administrava o
dinheiro do grêmio.
O grupo talvez tivesse sumido
na poeira da história, com sua
mistura de música do sertão e
Beatles, não fosse a sua participação em "Jóia", disco de Caetano
Veloso de 1975. É o Bendengó que
acompanha Caetano na canção
"Canto de um Povo de um Lugar"
("Todo dia o sol levanta/ E a gente
canta/ O sol de todo dia/ Fim da
tarde a terra cora/ E a gente chora/
Porque finda a tarde").
"Éramos uns puritanos da porra. O Bendengó não conhecia droga", relata Gereba, 60, parceiro
mais freqüente de Santana -a
dupla tem algumas dezenas de
músicas inéditas. Gereba diz que,
enquanto tomava cerveja, o parceiro entornava uma garrafa de
cachaça. Santana foi o mentor do
grupo, escreveu as letras mais importantes, mas nunca subiu no
palco. "Ele é muito tímido. É um
grande cantor, poderia ser profissional, mas ele não gosta de aparecer em público. Foi uma guerra
tirá-lo de casa para o lançamento
do livro", diz o antropólogo e poeta Antonio Risério, 54. O maior
sucesso de Patinhas, porém, não
foi nenhuma música do Bendengó. Foi o "Forró do ABC", que
criou com Moraes Moreira.
Foi um músico nada comercial,
no entanto, Walter Smetak (1913-1984), que exerceu a maior influência sobre Santana, segundo
ele próprio. O violoncelista trocou
a Suíça pelo Brasil e em Salvador,
onde dava aulas na universidade
federal, passou a inventar instrumentos, tão plásticos que pareciam esculturas -e eram.
Foi Smetak quem introduziu
Santana na eubiose, religião criada no Brasil em 1924 cujo objetivo
é reconstruir o homem a partir da
arte, da ciência e da moral. Até
hoje o publicitário cultua algo do
misticismo da eubiose. No romance "Aquele Sol Negro Azulado" (2002), um thriller que mescla
sexo, biopirataria na Amazônia e
agentes americanos, há personagens míticos que sintetizam alguns pontos de vista da eubiose,
segundo Risério.
Amigo de Santana desde o final
dos anos 60, Risério diz que a primeira impressão que teve dele
persiste até hoje: é um leitor voraz. "João é muito surpreendente.
Ultimamente ele estava lendo sobre a presença negra em Buenos
Aires no século 19." Deu de presente ao amigo o livro "Buenos
Ayres - Negros y Tangos" , de Oscar Natale.
Iniciado por Duda
Foi pelas mãos de Duda Mendonça, o marqueteiro que forjou
o "Lulinha Paz & Amor" e agora
atola-se em acusações de remessas ilegais de dólares, que Santana
começou a trabalhar com marketing político, em 1993. Ele deixara
o jornalismo depois de conquistar
a principal recompensa de um repórter, o Prêmio Esso de Reportagem de 1992. Santana foi um dos
autores do texto "Eriberto: Testemunha Chave", publicado na "IstoÉ", sobre o motorista que desmontou uma das farsas do presidente Fernando Collor de Mello.
Foi só após o rompimento com
Duda, ocorrido no final de 2001,
que Santana fez campanhas que
lhe renderam fama. A mais comentada delas foi na Argentina,
em 2001. O marqueteiro conseguiu que Eduardo Duhalde, um
candidato com carisma zero, fosse eleito senador com 37% dos votos. A ruptura com Duda deu-se
num conflito de egos. Santana viu
o seu papel nas campanhas reduzido ao de um anão no livro "Casos & Coisas", de Duda.
No Brasil, Santana conseguiu
uma fama robusta como marqueteiro, apesar de ter um currículo
pouco mais do que esquálido. Fez
as campanhas de Antonio Palocci
(à Prefeitura de Ribeirão Preto em
2000) e de Delcídio Amaral (para
o Senado em 2002). Campanhas
maiores ele só fez em Estados menores, como Sergipe (para Albano Franco) e Rio Grande do Norte
(para a família Alves).
A tentativa de convertê-lo em
marqueteiro de Lula partiu de Palocci. Se sair do Ministério da Fazenda nos próximos meses para
coordenar a campanha de Lula,
Palocci faria dupla com quem já
tem afinidade.
Não é certo, porém, de que Santana aceite ser o marqueteiro de
Lula, compromisso que havia assumido com o presidente no final
do ano passado. A revelação de
que ele teria enviado recursos para fora do país por meio de doleiros colocou-o numa posição que
nunca experimentara -a de investigado, não a de investigador.
"Não dou para protagonismo",
reclamava para amigos.
Sua família o pressiona para
abandonar o "projeto Lula". Na
última sexta-feira, veio para São
Paulo discutir com um advogado
qual seria sua estratégia de defesa.
Até agora, Santana já apresentou duas versões para a remessa
ilegal de dólares. Na primeira vez
que tratou do assunto, deixou vazar para jornalistas que a remessa
poderia ser obra de Duda Mendonça. "Foi o Duda que fez" era o
seu mote.
Na última quinta-feira, em entrevista à Folha, informou que os
dados do Ministério Público Federal eram "inconsistentes e contraditórios", sem explicar como
nem por quê. A Folha tentou entrevistá-lo na última sexta-feira,
mas ele não respondeu aos recados deixados no seu celular.
Se estivesse numa campanha
política, qualquer assessor do assessor saberia que Santana está
precisando dos conselhos de um
marqueteiro.
Colaborou a Sucursal de Brasília
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