São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 2006

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ELIO GASPARI

Grande notícia: a desigualdade murchou

É possível que esta seja uma das boas notícias dos últimos 30 anos e vem pela voz de quem entende do assunto, o economista Marcelo Medeiros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea: "Desde 2001 a desigualdade social brasileira entrou num declínio sistemático e vigoroso. O declínio da desigualdade veio junto com uma redução da pobreza. É um fato inédito no Brasil, sem paralelo no mundo de hoje".
Aos fatos, e aos números: uma família de quatro pessoas que em 2001 vivia com até R$ 209 mensais (em dinheiro de hoje) viveu em 2004 com R$ 239. Teve um aumento real de 14% na sua renda. É o piso do andar de baixo, onde estão 18 milhões de brasileiros, os tais "10% mais pobres". É verdade que nesse período a renda média das famílias caiu 2,5%, mas para os mais pobres a queda foi suave. O índice de Gini, sinalizador internacional de desigualdades sociais, caiu sucessivamente de 0,597 em 2002, até 0,574 em 2004. Entre 2003 e 2004, a queda foi de 5%, coisa jamais vista no Brasil. Isso aconteceu numa época em que o mundo passa por um surto de desigualdade. No México e na Índia, por exemplo, a diferença aumentou.
A mudança da situação social brasileira deriva principalmente de dois fatores: o aumento dos postos de trabalho para os mais pobres (ou o aumento dos postos com salários muito baixos) e o efeito dos benefícios dos programas de transferência de renda, ou atrelados ao salário mínimo. O sacrossanto salário mínimo cresce sistematicamente, em valores reais, desde 1999.
A ruína da ekipekonômica tucano-petista derrubou a renda de ricos e pobres, mas os pobres perderam menos. Ademais, a expansão do mercado de trabalho com carteira assinada indica uma moderação da selvageria patronal. É possível que tenha ocorrido um aumento da massa de trabalhadores pobres, beneficiados pela melhoria do nível educacional que já dura mais de 12 anos. As relações entre o mercado de trabalho e a melhoria da renda dos brasileiros mais pobres ainda não estão devidamente mapeadas.
As mudanças ocorridas entre 2001 e 2004 são mais visíveis nos extremos da sociedade. A distância entre os dois andares diminuiu, mas nessa história não teve Robin Hood, pois ninguém tirou dinheiro do rico para dar ao pobre. Mesmo assim, a turma de cima perdeu bastante.
Na camada dos 1% mais ricos (1,8 milhão de almas), uma família de quatro pessoas tinha renda de R$ 23.860 mensais em 2001. Ficou com R$ 21.520 em 2004. Perdeu 11%. O grupo dos 10% das famílias que ganhava acima de R$ 3.585 mensais caiu para R$ 3.409, um tombo de pelo menos 5%.

Papai Noel criou 2.558 cargos públicos

Com uma canetada natalina, Lula criou 2.558 novos cargos no serviço público. Esse número equivale à metade da ruína do desemprego no comércio de São Paulo num mês de resultados medíocres.
Tudo carne de primeira. Quatrocentos cargos só no contrafilé do Itamaraty. O quadro de diplomatas, que tinha 987 servidores, ficou com 1.387, um acréscimo de 40%. Quando um presidente tem um chanceler que, durante uma solenidade oficial, o chama de "nosso guia", dá nisso.
A maior beneficiada pelo Natal-Companheiro foi a Fiocruz, com mil novos cargos. Soa esquisito que só 150 sejam de pesquisadores. Os demais vão para tecnologistas, analistas e técnicos. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial, INPI, levou 440 e o Inmetro, 580.
No mundo dos DAS e de outros cargos em comissão abriram-se 161 vagas.

A banca e Serra
O Banco Votorantim, onde brilha a caneta do empresário Antônio Ermírio de Moraes, produziu uma análise da situação política. Disseca os candidatos a presidente da República e, entre os seis "pontos vulneráveis" de José Serra, diz o seguinte: "Incerteza sobre ações de eventual governo (passado de esquerda), voluntarioso, independente e com discurso desenvolvimentista".
Desde que os florentinos criaram as casas de crédito, é a primeira vez que um banco tem coragem de dizer que independência é vulnerabilidade. Se o doutor Antônio Ermírio sair pelo país dizendo isso, Serra está eleito.

A caixa de Duda
Os investigadores das malfeitorias do marqueteiro Duda (Dusseldorf) Mendonça conseguiram a narrativa de um candidato que tentou contratá-lo para cuidar de sua campanha eleitoral. Foi informado de que o serviço só seria aceito se a maior parte do pagamento circulasse pelo caixa dois.
Essa informação desmente a lorota segundo a qual ele operava na ilegalidade porque era pressionado pelos clientes.

Mudou o mundo
Lula não foi à reunião do andar de cima do Fórum de Davos nem à do andar de baixo, em Caracas. Em janeiro de 2003, na primeira declaração megalomaníaca de sua Presidência, disse o seguinte: "A sociologia não previa que um ser humano pudesse, ao mesmo tempo, ser respeitado num encontro em Porto Alegre e em Davos". Talvez alguém já tenha explicado ao companheiro a diferença entre astrologia e sociologia. De qualquer forma, astrólogos e sociólogos jamais acharam que ele faltasse aos dois.

Opus magna
De uma senhora que viu todas as modas nos quatro cantos do mundo: "Opus Dei? Estou fora. Sou da opus night".

Barba de molho
Duas pessoas levaram a Lula notícias do desconforto em que estaria o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. A exposição a que foi submetido levou-o a evitar aparições públicas. Nos dois casos, "nosso guia" lastimou a situação, mas comentou que, se Delúbio cortar a barba, poderá ir aonde quiser.

Triângulo do veneno
O ex-senador Sérgio Machado, presidente da Transpetro (dona de encomendas para 26 navios), encrencou-se com três elementos inofensivos que, juntos, se transformam em veneno: político, banco estatal e fundo de pensão. Em 1995, uma empresa cearense da qual era sócio majoritário e fiador formou uma sociedade para lançar debêntures no mercado. O papel agradou aos diretores do fundo de pensão do Banco do Nordeste, que agasalhou 58% da emissão. Micaram.
O papelório transformou-se numa briga que já gerou quatro ações judiciais. Em 1999, a mesma empresa de Machado tomou um empréstimo de US$ 1 milhão no Banco do Nordeste. Meses depois, ele saiu da sociedade. Para seu infortúnio, a dívida que assumiu como fiador não foi quitada. Os devedores brigam na Justiça. Está decidido que o valor da dívida será estabelecido por arbitragem e há uma audiência preliminar marcada para o dia 5 de abril.

Ciúme
Há uma carga de eletricidade no ar do Planalto contra o ministro Antonio Palocci. Ele estaria conversando demais com grão-tucanos.


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