São Paulo, domingo, 29 de março de 1998

Próximo Texto | Índice

FALSO MILAGRE
A convite de Roseana e de José Sarney, presidente participa da abertura de pólo industrial que nunca existiu

FCH inaugura "projeto fantasma" no Maranhão

LUIZ MAKLOUF CARVALHO
enviado especial a Rosário (MA)

Fracassou e está sob investigação da Justiça Federal o projeto social mais importante da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), o chamado "Pólo Industrial de Confecções de Rosário", uma cidade de 34 mil habitantes, a 70 quilômetros de São Luís.
A convite da governadora, e na presença de seu pai, o ex-presidente da República e senador José Sarney (PMDB-AP), o presidente Fernando Henrique Cardoso inaugurou o pólo em 13 de dezembro de 1996.
FHC cortou a fita de cetim branco de um "pólo industrial" que não existia (e continua a não existir) - e que tinha sua única "fábrica", ainda em fase preliminar de treinamento, sendo auditada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e alvo de Inquérito Civil Público pela Procuradoria Geral da República no Maranhão.
Na festa da inauguração, o presidente recebeu o apoio de Roseana Sarney à reeleição. Empolgado com o que viu -centenas de "operários" sentados em gabinetes com máquinas de costura industriais -FHC fez um discurso entusiasmado sobre o empreendimento: "Quero dizer a vocês que fiquei entusiasmado com o que vi aqui. Neste pequeno município, está a possibilidade de novos caminhos para o país".

Fábrica parada
Do que o presidente viu naquela época, restou, hoje, além das pendências judiciais, uma fábrica em precárias condições de operação (estava completamente parada desde 2 de março, como a Folha constatou na última semana), uma legião de cooperativados cheios de dívidas e muitos pontos de interrogação sobre o futuro.
Pelo que foi vendido ao presidente, tratava-se de uma fábrica da camisas em plena operação, fruto de uma parceria entre o governo do Estado e a empresa Kao-I Indústria e Comércio de Confecções Ltda., representada pelo brasileiro naturalizado (nascido em Taiwan) Chhai Kwo Chheng.
Segundo o protocolo de intenção assinado por Chheng e por Roseana Sarney, o projeto prometia 4.300 empregos, investimentos de R$ 15 milhões e produção anual de 15 milhões de camisas -sete milhões já no primeiro ano.
Associados à empresa, 90 grupos comunitários (de 40 integrantes cada um), obtiveram R$ 4 milhões do Bird (Banco Mundial) , dinheiro disponibilizado para o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural (Papp).
Obtiveram, também, empréstimo de R$ 3 milhões junto ao Banco do Nordeste do Brasil. Boa parte desse dinheiro foi para comprar 2.500 máquinas de costura industriais de uma empresa do próprio Chheng, a Yamacon Nordeste.
Para viabilizar a compra -alvo da auditoria do TCU e do inquérito do Ministério Público- os presidentes e tesoureiros de cada um dos 90 grupos assinaram cheques em branco para o empresário e sua equipe.

"Simulacro de licitação"
O inquérito resultou em denúncia do procurador Nicolau Dino de Castro e Costa Neto contra Chheng. O empresário, que circulou ao lado de FHC no dia da inauguração, foi denunciado por estelionato e fraude em licitação com os recursos do Bird.
Na denúncia, o procurador qualificou a atuação de Chheng em Rosário como "monumental fraude", "simulacro de licitação", "a maior representação teatral jamais vista no pacato município de Rosário" e uma "bem engendrada operação de autobeneficiamento".
Insistentemente procurada pela Folha, a governadora Roseana Sarney não quis falar.
Ouvido pela Folha, o embaixador Sergio Amaral, porta-voz da Presidência da República, disse que FHC não tinha conhecimento dos problemas. "De todo modo, a presença do presidente não significa endosso a nenhuma das eventuais irregularidades".
No último dia 4 de março, temendo que se evadisse já que não compareceu para os interrogatórios a que foi citado, o juiz federal Ney Bello de Barros Filho decretou a prisão cautelar preventiva de Chheng.
No dia 5, a governadora Roseana Sarney aplaudiu a decisão: "A Justiça agiu certo. Se ele é devedor, tem de ser preso, sim", disse ao jornal "Estado do Maranhão", propriedade de sua família.
No mesmo dia, em nota oficial, rompeu o protocolo de intenções firmado com a Kao-I/Chheng em outubro de 1995 e prometeu apoio à continuidade do projeto -o que está efetivamente fazendo.
No dia 7, a ordem de prisão foi revogada pelo juiz federal substituto Derivaldo de Figueiredo Bezerra Filho em função de liminar anteriormente concedida pelo ministro Edson Vidigal, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O maranhense (de Caxias) Vidigal -nomeado ministro quando seu amigo e conterrâneo José Sarney era o presidente da República- mandou suspender o curso do processo até o julgamento do mérito do habeas corpus impetrado pelo empresário.
Chheng argumenta que a Justiça Federal não é o foro adequado para tratar o caso. Diz, também, que a ordem de prisão foi intempestiva, porque o processo estava suspenso.
O empresário atribuiu as denúncias a "interesses políticos da oposição à governadora".
O processo está suspenso até que o conflito de competência de foro seja dirimido por um colegiado do STJ. O habeas corpus chegou às mãos de Vidigal por sorteio.
Ele disse à Folha que, mesmo considerando a ligação que tem com o "grupo Sarney", não achou necessário declarar-se impedido de ser o relator. "Só seria o caso se o Sarney ou a Roseana fossem partes do processo", disse.



Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.