São Paulo, terça-feira, 29 de maio de 2007

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JANIO DE FREITAS

As interrogações intocadas


Discurso de Renan mais o distanciou das respostas devidas e mais o aproximou de indícios inaceitáveis

PARA O INTERESSE público legítimo, não faz diferença se os pagamentos de obrigações do senador Renan Calheiros, fossem diretos ou feitos por intermédio de terceiro, ligaram-se à sua "vida mais íntima" ou se destinaram a fins mais triviais. O esclarecimento esperado de Renan Calheiros era para a incompatibilidade entre os seus vencimentos, ao longo de seus 30 anos de político profissional, e o pagamento, não só aquele de decorrências íntimas, senão também o do patrimônio que nem parece todo declarado na relação apresentada em sua eleição de 2002. Esse esclarecimento Renan Calheiros não fez no que chamou de explicação aos senadores.
Os gastos nada insignificantes de sua "vida mais íntima" tiveram, no que Renan Calheiros chamou de "meio escândalo", apenas o papel de provocadores de revelações financeiras e patrimoniais que dizem respeito à sua vida pública. Dono declarado de pelo menos uma casa em Brasília e dois apartamentos, e agora reconhecendo-se proprietário também de uma fazenda, Renan Calheiros está apontado pelo "Globo" como dono de outras propriedades, em Alagoas, encobertas por laranjas ou testas-de-ferro.
Não lhe bastaria, portanto, restringir-se à continuada reiteração de que os gastos com sua "vida mais íntima" foram "com recursos próprios". O que importa, para o interesse público, é o esclarecimento sobre a procedência e o acúmulo desses recursos próprios. E esse esclarecimento Renan Calheiros evitou com o discurso, de intenção obviamente sensibilizante, da vítima atingida por uma violação do princípio constitucional de proteção à intimidade e à honra pessoal.
É possível que Renan Calheiros tenha explicação para todas as respostas que ainda não deu ao interesse público. O que se sabe, com toda a certeza, é que seu discurso mais o distanciou das respostas devidas e mais o aproximou de indícios inaceitáveis no presidente do Congresso e do Senado, e mesmo que apenas em um senador.

A crise
Eis o mistério: como é possível que um político com experiência desde a juventude, com passagem pela Câmara, pelo Senado, por dois ministérios, pela prefeitura da maior cidade e hoje no governo do mais rico Estado do país, além de várias eleições, deixe chegar ao ponto em que está a crise com a USP?
O surgimento do problema, por equívoco de governo, resistência administrativa ou mesmo motivos políticos, seria compreensível, para não dizer normal. Mas ignorar que agitação estudantil nenhum governo deve deixar que prospere, mesmo que a solução lhe custe inconveniências, é ignorar até a história. A daqui de casa e todas as outras. No caso, nem ao menos se pode dizer que José Serra defende algo essencial ou, pelo menos, seguramente correto.
É impossível imaginar onde José Serra pensa que chegará com a crise na USP. Mas é fácil presumir o que lhe ficará, de fato, quando o impasse chegar ao esgotamento.


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