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DIPLOMACIA
Declarações feitas em caráter reservado foram levadas ao ar no México
FHC diz que Bush "não sabe nada de América Latina"
MARCIO AITH
ENVIADO ESPECIAL AO MÉXICO
O presidente Fernando Henrique Cardoso declarou que o governo do presidente norte-americano, George W. Bush, "não sabe
nada de América Latina" e relegou a região à "irrelevância".
Feita em caráter reservado nos
intervalos de uma entrevista concedida por FHC ao jornalista e escritor mexicano Hector Aguilar
Camin, a declaração foi levada ao
ar pela emissora mexicana "Televisa 2" para atrair público entre os
blocos do programa. Camin comanda o programa semanal de
entrevistas "Zona Aberta". A entrevista com FHC foi ao ar na noite de quinta-feira passada.
Ainda na parte "reservada" da
entrevista, Cardoso disse que
Bush "não tem a mesma rede de
contatos na região que a administração anterior" e que já apelou
"diversas vezes" a Bush para que
os EUA ajudem a Argentina a se
recuperar. Segundo ele, os apelos
foram barrados pela indiferença
do norte-americano. "Na primeira vez que conversei com o presidente Bush, ele demonstrou uma
atitude completamente de "hands
off" (não intervenção)", relatou
FHC, fazendo gestos com as mãos
para indicar indiferença de Bush:
"Depois, veio a coisa do terrorismo e aí parou tudo mesmo".
Na parte "pública" da entrevista, FHC fez uma crítica ao que
chamou de "modalidade de defesa permanente" adotada pela Casa Branca após os atentados de 11
de setembro. Ressalvando que os
ataques terroristas do ano passado foram "bárbaros" e "horrorosos", o presidente disse que essa
modalidade de defesa é uma nova
forma de isolacionismo: "O que
ocorreu não foi um isolacionismo
à antiga, mas uma mentalidade de
defesa permanente, com a definição do terrorismo, do eixo do
mal, como inimigos principais".
Para FHC, isso levou a Casa
Branca a relegar a América Latina
à irrelevância porque a região não
ameaça os Estados Unidos. "Nós
não estamos do lado do eixo do
mal. Ao contrário. Não há o mal
em nossa região. O terrorismo na
Colômbia é local, não tem vinculações internacionais". FHC insistiu que, na sua opinião, os EUA
não são contra a América Latina,
mas apenas ignoram a região.
"Voltamos todos a ser um tanto
irrelevantes. Eles não são contra
nós, mas passamos a ser irrelevantes sob esse ângulo. Seríamos
muito relevantes sob outro ângulo. Para formar uma aliança em
favor de certos valores. Porque
somos todos democráticos, porque compartilhamos a visão de
que o mercado é fundamental para ordenar as relações econômicas, porque respeitamos os direitos humanos. Nesse aspecto, somos muito semelhantes à visão
norte-americana, mas, como não
ameaçamos, voltamos à irrelevância", declarou o presidente.
FHC disse que os únicos países
que interessam aos EUA na região
são a Colômbia, a Venezuela e o
México: "O debate está muito longe de nós". Ele disse que a Europa
mostra-se incapaz de reagir à hegemonia norte-americana, contrariamente ao que imaginava ao
final da Guerra Fria, e sugeriu que
o único ator capaz de forçar a Casa Branca a mudar sua mentalidade é a opinião pública dos EUA.
"Eu confio que a mudança nessa questão depende basicamente
da opinião pública americana. Os
EUA, de toda a forma, são um
país altamente democrático e a
opinião pública reflete. No entanto, como ela está com muito medo, não há forças para contrapor a
visão que os americanos têm. Os
europeus tampouco têm vontade
ou capacidade real de confrontá-la. Além disso, os europeus também têm medo. O mundo vive
um momento ruim sob esse ponto de vista. Os europeus têm medo dos imigrantes, da proximidade do Oriente Médio."
Com relação à possibilidade de
a China transformar-se em contrapeso dos EUA, FHC disse que o
país asiático, embora "seja grande", precisa de 50 anos. "Além
disso, seria um pouco patético
voltar ao bipolarismo depois da
Guerra Fria. Não vale a pena."
Questionado sobre o que a
América Latina pode fazer para
combater o desprezo dos EUA pela região, FHC disse não ter certeza de que vale a pena combatê-lo.
"Primeiro, é necessário perguntar se é preciso combater essa irrelevância. Porque essa irrelevância
nos dá espaço para fazer o que
queremos. Temos a possibilidade
de fazer uma inserção na economia internacional que nos seja favorável. Nesse momento em que
parece que somos mais irrelevantes, tratemos de cuidar de nós,
mas também de fazer vínculos como o que fizemos com o México,
como o que o México fez com a
Europa, como o que o Chile fez
com a Europa, como o que estamos tentando fazer com a Europa. Temos que ampliar essa rede
de vinculações comerciais e econômicas para que, num segundo
momento, quando for possível
ganhar mais relevo na cena internacional, tenhamos mais força."
Ao comentar as turbulências financeiras no Brasil, FHC comparou a "instantaneidade" das reações dos mercados ao "Big Brother", personagem do romance
"1984", de George Orwell, que
simboliza o controle totalitário da
sociedade: "O Big Brother existe
hoje não na forma que o imaginávamos, a do ditador, mas sim na
forma de mercados. O mercado
financeiro é o Big Brother".
FHC disse que não existe razão
para que os mercados fiquem inquietos com as eleições no Brasil.
Primeiro, porque "estamos muito
longe das eleições e Lula sempre
ganhou em maio e perdeu em outubro". Segundo, porque mesmo
uma vitória de Lula "não seria
uma catástrofe": "As instituições
no Brasil são muito sólidas".
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