São Paulo, sábado, 29 de junho de 2002

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"Nós não vamos praticar farra fiscal em São Paulo"

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Em plena sintonia com a defesa do equilíbrio das contas públicas proclamada nacionalmente por seu partido, José Genoino, candidato do PT ao governo de São Paulo, garante: "Nós não vamos praticar farra fiscal".
Não é o único exemplo de discurso moderado na boca desse ex-guerrilheiro, hoje com 56 anos e cinco mandatos consecutivos como deputado federal.
 

Folha - Por que você, que tem tradição no Legislativo, resolve dar um salto para o Executivo?
José Genoino -
O Parlamento foi uma boa escola em que aprendi a ter posição sobre todas as questões, mas a não ser dono da verdade. Não tive relações de inimizade no Parlamento. Tenho adversários, mas não inimigos.
Em segundo lugar, o que me entusiasma é um projeto novo para São Paulo. Eu acho que o projeto do PSDB se esgotou. Foi centrado no saneamento de uma dívida que cresceu três vezes, depois de vender R$ 32 bilhões do patrimônio público. Esgotou-se por não ter uma política para os setores produtivos, para as cadeias produtivas, para as regiões econômica e por não projetar a força econômica do Estado de São Paulo para enfrentar grandes problemas como o desemprego, a violência, a crise na educação.
O Estado mais rico do país está vivendo um impasse por essa política econômica que está aí, por não ter um governo que articule São Paulo com a idéia de ser o Estado da riqueza, do emprego, da oportunidade, da agregação social.

Folha - O sr. não acha que amadureceu demais a ponto de falar em aliança com Orestes Quércia (PMDB), que é a antítese de tudo o que o PT pregava e de repente recebe uma espécie de atestado de idoneidade conferido pelo partido que mais o atacou?
Genoino -
O PT não dá atestado de idoneidade nem de condenação a ninguém na eleição.
Se o PMDB quer nos apoiar, se esse apoio transfere voto para o PT e não há moeda de troca no sentido de alterar o programa do PT, os compromissos do PT, as identidades do PT, eu não....

Folha - Mas essa é a mesma lengalenga do Fernando Henrique com o PFL, que vocês criticaram...
Genoino -
A diferença é que o Fernando Henrique Cardoso costurou um projeto com o PFL. O PFL foi definidor do projeto do PSDB, do governo, da chapa. Nós não estamos discutindo com o PMDB de São Paulo nesses termos. O PMDB não está nem discutindo aliança, porque ele não pode fazer, depois da convenção nacional (que formalizou coalizão com o PSDB). O que o PMDB está discutindo com o PT é a possibilidade de mandar votar no PT. Portanto, nós não estamos fazendo aliança de governo nem com moeda de troca.

Folha - E quem é que vai acreditar que o PMDB, o Quércia, especificamente, vai mandar votar no PT só pelas belas barbas do Genoino?
Genoino -
Se ele mandar votar no PT, e nós não estamos cedendo no governo nem no programa nem vamos deixar de ter a nossa postura ética, democrática e de programa do PT, eu não vejo problema nenhum, até porque a gente não pode recusar apoio.

Folha - Uma questão que, aparentemente, é chave para decidir a eleição em São Paulo é a segurança. O sr. já se envolveu numa polêmica tempos atrás ao defender a expressão "Rota na Rua". Essa mudança do PT inclui, um, digamos, endurecimento nas políticas de segurança pública?
Genoino -
Isso não é para ganhar eleição. Forças especiais, como a Rota, devem agir voltadas principalmente para combater o crime organizado, com alvo preciso. Qual é o grande problema da ação dessas forças especiais em São Paulo? É a falta da inteligência, de comunicação e de informação. Quando a polícia age, ela tem que ter um alvo preciso, um objetivo determinado. Para isso ela tem que ter tecnologia de informação, de comunicação e de perícia, coisa que não tem em São Paulo.
A esquerda não pode ficar mais na defensiva no tema da segurança pública. O discurso da direita é o discurso ineficaz. Ele é fácil de fazer, mas produz soluções violentas, de guerra, e não é disso que se trata. Segurança pública é para defender a vida.

Folha - "Bandido bom é bandido morto". O sr. assina embaixo dessa frase?
Genoino -
Não. Segurança é para garantir a vida. O bandido tem de ser preso, tem de temer a polícia, tem de ser colocado em penitenciária de segurança máxima, sem privilégio.

Folha - O que o sr. pensa da idéia de que a defesa intransigente dos direitos humanos é uma maneira de proteger bandidos?
Genoino -
É um equívoco. Uma boa polícia preventiva, inteligente e repressiva pode ser eficaz, sem ferir os direitos humanos. Uma polícia que violenta os direitos humanos é mal preparada.

Folha - Melhoria na polícia, projetos sociais, intervenção para melhorar o emprego -tudo isso custa dinheiro. Como é que você compatibiliza todos esses investimentos com as limitações orçamentárias?
Genoino -
O PT nunca praticou irresponsabilidade fiscal. Nós não vamos praticar farra fiscal para resolver esse problema.
A questão de emprego em São Paulo envolve muito mais uma ação de governo do ponto de vista da sua liderança política, da sua articulação com a iniciativa privada, de usar os recursos do Estado para priorizar as cadeias produtivas, as regiões econômicas.
Em relação à questão dos gastos, temos que estabelecer prioridades. Não se trata de aumentar a carga tributária. Combatendo a sonegação, nós podemos até diminuir os tributos mantendo a mesma carga tributária, porque São Paulo perde muito dinheiro com a guerra fiscal.
Um governo consegue as coisas quando ele mobiliza as forças que representa. São Paulo é uma grande força. Você já viu o governador de São Paulo se reunir com o empresariado de São Paulo para fazer um pleito em Brasília? Eu nunca vi e estou lá há 20 anos.

Folha - Na educação, você mexe nessa separação por faixa etária que o governador Covas fez e teoricamente aumentou o número de horas de aula das crianças?
Genoino -
O ensino fundamental e médio de São Paulo precisa passar por uma mudança. O sistema de ciclos tem que ser mantido. Agora, esse sistema de avaliação que está aí tem que ser mudado.

Folha - Mas isso é federal, não é?
Genoino -
Pois é, mas nós queremos mudar a lei federal também. Nós temos que manter um sistema de avaliação que leve em conta o empenho, o interesse, o nível de aprendizado. Temos que melhorar a estrutura para que o professor possa fazer essa avaliação. A progressão continuada (mecanismo que elimina a repetência) produz analfabeto funcional.

Folha - A Marta, de alguma maneira, fazia as mesmas promessas, guardadas diferenças de competência entre o prefeito e o governador. Mas hoje, um ano e meio depois, as pesquisas do Datafolha mostram que ela é a prefeita com pior avaliação de todos os prefeitos que o Datafolha pesquisa. Você não acha que o PT é, um pouco como dizem de FHC, bom de gogó, mas ruim de administração em São Paulo?
Genoino -
O PT é bom de administração. Se, a partir de 1988, o PT não estivesse administrando prefeituras como São Paulo, como agora Porto Alegre, Belém, Recife, Goiânia, Santo André, nós não teríamos tanta inovação em políticas sociais e econômicas.
No caso da Marta, ela pegou uma prefeitura quebrada fisicamente, eticamente e financeiramente. Mas o governo dela está mostrando que nós podemos governar sem caos, ao contrário do que dizem os adversários.

Folha - Malufismo, para o sr., é sinônimo de...
Genoino -
De uma política velha, conservadora, ultrapassada, que projeta os piores valores.

Folha - Covismo, para o sr. é sinônimo de...
Genoino -
De privatizações, saneamento perverso e falta de iniciativa política no Estado mais importante do país.

Folha - Numa frase, como o sr. define os seus principais adversários?
Genoino -
Maluf é um político ultrapassado, sem projeto sério para o Estado de São Paulo. Alckmin é um político pequeno e lento para o tamanho da responsabilidade de governar São Paulo.

Folha - Qual o maior mérito e qual o maior defeito da gestão FHC?
Genoino -
O maior mérito, na questão dos direitos humanos, o avanço nessa área. E o fato de o país não ter tido crise institucional nestes últimos oito anos. Os maiores defeitos foram o monetarismo financeiro da equipe econômica e o grau de miséria social do povo brasileiro.


Colaborou FÁBIO ZANINI, da Reportagem Local


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