São Paulo, Terça-feira, 29 de Junho de 1999
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Líder cubano critica governo Clinton, mas é cauteloso ao comentar suposta pressão de norte-americanos na exclusão de trecho que, em documento final da Cimeira, condenaria embargo comercial a Cuba
EUA querem fracasso de reunião, diz Fidel

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O presidente cubano, Fidel Castro, abraça FHC, observado pelo chanceler alemão, Gerhard Schroeder (centro), no MAM


MÁRIO MAGALHÃES
da Sucursal do Rio

O presidente de Cuba, Fidel Castro, afirmou que os EUA querem o fracasso da reunião entre América Latina, Caribe e União Européia.
""Temos um vizinho que não quer em absoluto o sucesso dessa cúpula", disse Fidel, 72, em entrevista de uma hora e 37 minutos, de pé, no hotel onde está no Rio.
Na opinião reservada de diplomatas cubanos, o governo norte-americano tenta evitar a aproximação comercial de parceiros continentais com a Europa.
Fidel foi cauteloso ao comentar supostas gestões dos EUA para a retirada, contra a vontade cubana, da condenação explícita à Lei Helms-Burton na Declaração do Rio. ""Não vou insinuar que os ianques... Havia outras questões."
A lei permite à Justiça dos EUA punir empresas que façam certos tipos de investimento em Cuba. Foi um passo adiante no embargo econômico que já dura quase 40 anos.
Anteontem, apesar da resistência cubana, os chanceleres retiraram a condenação à Helms-Burton do documento final que deverá ser ratificado pelos chefes de Estado e governo. No seu lugar, há uma crítica genérica a ""medidas unilaterais com efeitos extraterritoriais".
Fidel Castro, único comunista da cúpula, disse que a fórmula genérica foi apresentada por países que se sentem afetados ""por outras práticas de extraterritorialidade".
Ele citou o Chile, cujo ex-presidente Augusto Pinochet está detido na Inglaterra porque um juiz espanhol quer extraditá-lo por crimes contra os direitos humanos.
""Pode ser que tenha havido erros de procedimento, mas essa não é uma questão fundamental", afirmou Fidel, considerando que, mesmo sem menção direta, a fórmula da Declaração do Rio contempla a posição cubana.
O dirigente disse que, se o seu país fosse pedir uma indenização pelos prejuízos causados pelos EUA em ""30 anos de crimes de guerra", exigiria o equivalente à produção anual total de bens e serviços norte-americanos.
No momento mais diplomático, Fidel afirmou que a Declaração do Rio ""é a melhor possível".
Depois, ao criticar a desigualdade mundial, disse estar ""contra o direito de um senhor dos EUA ter US$ 80 bilhões e um outro neste país viver sob uma ponte coberto com um jornal." Não esclareceu se o ""neste" seria EUA ou Brasil.
Como faz em todas as viagens, o presidente cubano citou o papa João Paulo 2º ao pregar a ""globalização da solidariedade".
""A globalização é fantástica, mas não consigo aceitá-la sob o conceito dos fanáticos neoliberais. Estamos dispostos a plantar nossa bandeira soberana num universo diverso, mas numa economia globalizada justa. Até agora, só os países ricos ganham na globalização, principalmente os EUA."
Sem citar as palavras ""socialismo" e ""comunismo", pregou a união latino-americana. ""Temos sido como pigmeus e formigas, algumas maiores, outras menores. Podemos ser um elefante. Quando se unem, formigas carregam um elefante nos ombros. Para sobreviver, a Europa se uniu. Mas nós estamos divididos em pedacinhos."
Fidel disse temer, no futuro, uma eventual intervenção da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na Colômbia, devido à guerra civil entre governo, guerrilha e paramilitares. ""A Otan só intervém em países mais débeis. Fariam isso na China? A loucura deles não é total, mas parcial."
Com a voz baixa, falando quase para dentro, de terno e gravata em vez do uniforme militar da véspera, Fidel só encerrou a entrevista no quarto apelo de diplomatas.
Uma reunião tensa com o primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar precedeu a entrevista.
No Paraguai, antes de chegar ao Rio, Aznar criticou medidas repressivas recentes do governo cubano contra oposicionistas.
Pelo mesmo motivo, o rei Juan Carlos teria desistido de ir a Cuba na última primavera européia. Em novembro, haverá uma cúpula ibero-americana em Havana.
Ao serem fotografados juntos, Fidel e o primeiro-ministro Aznar não apertaram as mãos.


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