São Paulo, domingo, 29 de julho de 2001

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NO PLANALTO

Oposição transforma FHC num defunto com vida

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Não convém colocar cobras venenosas e abelhas africanas num mesmo ambiente em que estejam presentes mais de dois presidenciáveis de oposição. Ofídios e insetos podem não sobreviver.
Com tantos erros novos por cometer, a oposição brasileira está na bica de perpetrar de novo o mesmo velho erro de sempre: a desunião. Os fiascos do passado não ensinaram nada.
FHC, como se sabe, nem conseguiu transformar os seus sonhos em realidade nem logrou impedir a realização de seus pesadelos. No vácuo da ira que despertou germinaram quatro candidaturas de contestação: Lula, Ciro, Itamar e Garotinho.
Unificada, a oposição aplicaria no consórcio governista uma sova histórica. Desunida, arrisca-se a juntar material para mais um epitáfio do espírito de mudança que contagia a sociedade.
De erro em erro, a oposição está transformando a fabulosa debilidade do governo em trunfo de FHC. Embora comande um governo convertido em central de escândalos, embora acene com um 2002 de penúria, cintos apertados e desemprego, o presidente do apagão está a um passo de injetar um nome (qualquer um) no segundo turno da própria sucessão.
A questão é mais aritmética do que política. As pesquisas indicam que a oposição capturou algo como 70% dos votos do eleitorado (a soma dos percentuais de Lula, Ciro, Itamar e Garotinho). Resta, porém, uma avenida de 30% para o desfile do candidato de FHC. Não é pouca coisa. Com metade disso, Lula foi ao segundo turno em 1989.
"São grandes as chances de um governista ir para o segundo turno", diz, por exemplo, José Eduardo Dutra, o líder do PT no Senado. "Eles precisariam ser muito incompetentes para ficar de fora. E a história tem demonstrado que as elites brasileiras não são tão inábeis assim."
A história, de fato, tem espancado a lógica. Se um país como o Brasil, templo universal da desigualdade, fosse presidido pela lógica, um candidato como Lula jamais teria perdido eleições para FHC. Muito menos para Collor. Excluída da renda, a maioria do eleitorado tenderia a enxergar-se em Lula. Votando nele, votaria em si mesma.
Mas a incoerência da democracia brasileira vem proporcionando à plutocracia uma extraordinária longevidade no poder, uma sobrevivência tão real quanto ilógica. É como se os despossuídos não tivessem noção da própria força.
O máximo que o desespero da maioria conseguiu produzir foi a ascensão de FHC, um esquerdista adotado pela minoria para simular mudança. Sua primeira providência foi rasgar a certidão de nascimento social-democrata. Marcou o início de sua administração com um gesto revolucionário: a liberação da navegação de cabotagem. E prepara-se para entregar ao sucessor o mesmo legado de iniquidade social que recebeu sete anos atrás.
A despeito do retrospecto, frustraram-se até aqui todas as tentativas de costura de um entendimento da oposição. Reunidos na casa do senador Paulo Hartung (PPS-ES), antes do início do recesso parlamentar, um grupo de deputados e senadores marcou para agosto uma última tentativa.
Busca-se não mais a utópica junção de candidaturas, mas o estabelecimento de um pacto de não-agressão. "Para que a aliança da oposição aconteça no segundo turno, é essencial que a convivência no primeiro turno seja civilizada", diz Eduardo Dutra. "A aliança é necessária não apenas para o segundo turno, mas para governar depois", faz eco o deputado Aloizio Mercadante, candidato petista ao Senado.
Por mais hábeis que sejam os oposicionistas, é grande o risco de um cometer uma sinceridade com o outro. Sobretudo no calor da disputa por um passaporte para o segundo turno. Há farto material para a discórdia.
Lula convive com o espectro do início pífio de Marta Suplicy, gerente da mais vistosa vitrine administrativa do PT. Itamar traz a tiracolo Newton Cardoso, uma espécie de Jader Barbalho com menos sobrancelha e mais barriga.
Em comerciais de TV, Ciro Gomes promete o novo tendo como garoto-propaganda o velho e bom Roberto Jefferson. E Garotinho, protagonista de travessuras fiscais nada cristãs, escorrega das páginas de política para o noticiário policial.
Prudente, a bancada oposicionista no Congresso planeja conversar com os seus presidenciáveis separadamente. Primeiro Lula, depois Ciro, em seguida Itamar e, talvez, Garotinho.
Se tudo der certo, a oposição tomará juízo e oferecerá ao país um mapa de suas convergências e uma lista de compromissos públicos. Se a coisa desandar, FHC receberá de presente o trunfo das divergências dos adversários.

 

Homo brasilienses: Deu-se em novembro do ano passado. Alcides Tápias estava amuado com Everardo Maciel. Estimulado por Jorge Bornhausen, Marco Maciel convidou os dois para um jantar de reconciliação. Abriu os portões do Palácio do Jaburu às 20h30 de uma quinta-feira. Tápias chegou por volta das 22h. Impaciente, Bornhausen desistira de esperá-lo. Vencido o "boa-noite" protocolar, Tápias pespegou: "Estou muito insatisfeito com você. Sei que anda plantando notícias nos jornais contra mim". E Everardo: "Você não me conhece. Jamais plantei nota contra ninguém em jornal. E não admito que falem comigo assim". Nem a sobremesa adoçou o ambiente. Passados oito meses, Tápias dá adeus a Brasília, cidade onde não se deve confundir um pajé de segundo escalão com um mané sabujo e babão. Lugar onde uma alma descuidada que saia para jantar se arrisca a ser jantada.



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