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ENTREVISTA DE 2ª
ALEJANDRO POIRÉ
Cientista político mexicano diz que a crise brasileira é normal para uma democracia em construção
Financiamento de campanha não é problema só no Brasil
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
O financiamento irregular de
campanhas políticas não é uma
exclusividade do Brasil. É um problema comum a todas as democracias contemporâneas e não pode ser resolvido simplesmente
com o financiamento público para os partidos, na opinião do cientista político mexicano Alejandro
Poiré, 34. Ele é professor-visitante
de estudos latino-americanos da
Universidade Harvard, nos Estados Unidos, onde fez doutorado
sobre o sistema eleitoral de países
latino-americanos, em especial
do México.
A denúncia de compra de votos
de deputados, para ele, é recorrente em vários países e tem sua
origem na crise pela qual passam,
especialmente, os sistemas presidencialistas da América Latina.
Poiré vê um movimento em vários países de reavaliação desse
sistema para garantir que vencedores nas eleições presidenciais
tenham mais condições de garantir a governabilidade sem precisar
negociar coalizões com um número elevado de partidos.
Apesar da repercussão dos fatos
políticos atuais do Brasil no exterior, Poiré diz que há uma visão
otimista sobre a capacidade das
instituições de superar o momento: "O caso brasileiro parece uma
crise normal, de uma democracia
contemporânea em construção".
Leia trechos de sua entrevista
concedida, por telefone, à Folha:
Folha - Um dos fatores que alimentam a atual crise política brasileira são denúncias de irregularidades no financiamento de campanhas. Este é um problema comum
em países da América Latina?
Alejandro Poiré - Eu diria que este é um problema comum às democracias contemporâneas, e
não somente da América Latina.
Mesmo em democracias avançadas, o financiamento da política
em geral e de campanhas eleitorais é um tema complicado. Basta
lembrarmos de casos como o do
[primeiro-ministro italiano] Silvio Berlusconi ou do ex-chanceler
alemão Helmut Kohl. Exemplos
como esses, somados ao pelo qual
passou o México em 2000, são indicações de que este não é um
problema brasileiro ou exclusivo
de democracias jovens.
Folha - Mas há formas mais eficientes de controle do financiamento de campanha? No Brasil, por
exemplo, a simples obrigação de
que as doações sejam registradas
não acabou com as fraudes.
Poiré - O caso brasileiro se concentra muito na questão da revelação das fontes de financiamento. Há casos, como o mexicano,
em que, além da ênfase na revelação, há também uma auditoria
feita com detalhes pela autoridade eleitoral. Nos Estados Unidos,
há limites rígidos para doação de
empresas. No entanto, em qualquer desses modelos, independentemente da lei, sempre se
apresentam dois problemas.
O primeiro é o momento em
que se pode verificar a informação e identificar uma possível irregularidade. Isso quase sempre
ocorre após a conclusão da campanha e quando o personagem já
foi eleito. Às vezes, como foi o caso de Helmut Kohl, o processo é
concluído até depois que o candidato já cumpriu seu mandato. São
fatos que podem ter sido determinantes para a eleição, mas que são
descobertos somente tempos depois. Esse é um problema comum
e difícil de se resolver.
O segundo problema é da própria identificação de possíveis irregularidades. É muito difícil existir um sistema regulatório capaz
de identificar em tempo real
quando elas estão acontecendo. É
o que acontece no caso norte-americano, em que, mesmo com
limitações fortíssimas sobre
quem pode doar, sempre há resquícios legais por meio dos quais
se pode burlar alguma das regras.
É o caso, por exemplo, do "soft
money", que é o dinheiro que é
juntado por organizações da sociedade civil para defender uma
causa política específica. Às vezes,
mesmo sem vinculação direta
com um candidato, isso tem um
possível efeito eleitoral.
Em todos os casos, no entanto, o
que se busca é fortalecer instrumentos de controle e incentivo
pra que o dinheiro seja gasto apenas por vias reconhecidas e que
haja um conjunto de instituições
que faça funcionar um sistema de
contribuição mais transparente.
Folha - O financiamento público
de campanha não é uma saída?
Poiré - No caso mexicano, por
exemplo, há financiamento público amplo e generoso, superior a
90% dos fundos dos partidos, e isso não garante que não haja irregularidades. No México, esse fato
ainda gerou um ambiente adverso para os partidos na opinião pública porque os cidadãos perceberam que há um número demasiado de escândalos financeiros com
recursos que são muito importantes também para outras áreas.
O principal argumento a favor
do financiamento público é que
ele reduz os incentivos à busca de
dinheiro irregular quando os partidos têm recursos suficientes para competir. No entanto, sempre
há interesse por mais financiamento. Sempre existirá um momento na campanha em que haverá a sensação de que um dólar a
mais gasto pode significar o êxito
eleitoral. Isso sempre vai existir,
com ou sem financiamento público de campanha.
Folha - A crise brasileira é provocada também pela denúncia de que
deputados receberam recursos para votar a favor do governo. Isso é
comum em outros países?
Poiré - Casos de suborno ou
propina a legisladores são recorrentes e não são exclusivos do
Brasil. São problemas das democracias contemporâneas.
Basta lembrar, por exemplo, do
caso peruano de acusações contra
Vladimiro Montesinos [o ex-chefe do serviço de inteligência peruano durante o governo de Alberto Fujimori], que tinha a ver
com suborno a parlamentares por
parte de agentes do governo.
Esse problema surge da dificuldade dos mecanismos parlamentares para manter a disciplina
parlamentar. O caso brasileiro é
bastante estudado nesse sentido
pelas dificuldades que se tem de
obter coalizões até mesmo dentro
dos próprios partidos para garantir a aprovação de uma lei.
Folha - Como oferecer mais meios
para a governabilidade sem fortalecer demasiadamente o governo?
Poiré - Está havendo em muitos
países uma reavaliação a respeito
dos mecanismos de formação das
legislaturas. Particularmente nos
sistemas presidenciais da América Latina, é permitida a existência,
por exemplo, de um grande número de partidos políticos, o que
dificulta a obtenção de maiorias.
Nos sistemas presidenciais em
que são necessárias coalizões para
aprovar leis importantes, maiorias parlamentares são muito difíceis de se obter, o que dificulta a
governabilidade. Isso tem gerado
uma reavaliação de que temos
que ser talvez menos proporcionais e mais favorecedores dos
partidos que obtêm a maioria nas
eleições presidenciais. Essas mudanças, porém, certamente não
são fáceis de se obter porque necessitam de reformas estruturais.
Folha - Que impacto está tendo a
crise brasileira nos círculos acadêmicos que o senhor freqüenta?
Poiré - Acho que a pergunta
principal é a respeito do futuro
imediato da democracia brasileira e a resposta, em geral, é otimista. Não se sabe evidentemente o
resultado desta crise, mas há a impressão de que as instituições vão
mantê-la dentro de uma perspectiva razoável e que ela terá o resultado que se espera que tenha em
qualquer outro país do mundo.
Folha - Mas a crise brasileira não
é mais uma a ameaçar a estabilidade na região, principalmente depois do que aconteceu na Argentina, Venezuela, Equador e Bolívia?
Poiré - A região realmente vive
dilemas importantes, principalmente com a possível radicalização em alguns regimes ou ameaças aos direitos humanos em outros, mas, definitivamente, o caso
brasileiro parece mais o de uma
crise normal de uma democracia
contemporânea em construção.
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