São Paulo, segunda-feira, 29 de agosto de 2005

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ENTREVISTA DE 2ª

ALEJANDRO POIRÉ

Cientista político mexicano diz que a crise brasileira é normal para uma democracia em construção

Financiamento de campanha não é problema só no Brasil

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

O financiamento irregular de campanhas políticas não é uma exclusividade do Brasil. É um problema comum a todas as democracias contemporâneas e não pode ser resolvido simplesmente com o financiamento público para os partidos, na opinião do cientista político mexicano Alejandro Poiré, 34. Ele é professor-visitante de estudos latino-americanos da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, onde fez doutorado sobre o sistema eleitoral de países latino-americanos, em especial do México.
A denúncia de compra de votos de deputados, para ele, é recorrente em vários países e tem sua origem na crise pela qual passam, especialmente, os sistemas presidencialistas da América Latina.
Poiré vê um movimento em vários países de reavaliação desse sistema para garantir que vencedores nas eleições presidenciais tenham mais condições de garantir a governabilidade sem precisar negociar coalizões com um número elevado de partidos.
Apesar da repercussão dos fatos políticos atuais do Brasil no exterior, Poiré diz que há uma visão otimista sobre a capacidade das instituições de superar o momento: "O caso brasileiro parece uma crise normal, de uma democracia contemporânea em construção".
Leia trechos de sua entrevista concedida, por telefone, à Folha:

Folha - Um dos fatores que alimentam a atual crise política brasileira são denúncias de irregularidades no financiamento de campanhas. Este é um problema comum em países da América Latina?
Alejandro Poiré
- Eu diria que este é um problema comum às democracias contemporâneas, e não somente da América Latina. Mesmo em democracias avançadas, o financiamento da política em geral e de campanhas eleitorais é um tema complicado. Basta lembrarmos de casos como o do [primeiro-ministro italiano] Silvio Berlusconi ou do ex-chanceler alemão Helmut Kohl. Exemplos como esses, somados ao pelo qual passou o México em 2000, são indicações de que este não é um problema brasileiro ou exclusivo de democracias jovens.

Folha - Mas há formas mais eficientes de controle do financiamento de campanha? No Brasil, por exemplo, a simples obrigação de que as doações sejam registradas não acabou com as fraudes.
Poiré
- O caso brasileiro se concentra muito na questão da revelação das fontes de financiamento. Há casos, como o mexicano, em que, além da ênfase na revelação, há também uma auditoria feita com detalhes pela autoridade eleitoral. Nos Estados Unidos, há limites rígidos para doação de empresas. No entanto, em qualquer desses modelos, independentemente da lei, sempre se apresentam dois problemas.
O primeiro é o momento em que se pode verificar a informação e identificar uma possível irregularidade. Isso quase sempre ocorre após a conclusão da campanha e quando o personagem já foi eleito. Às vezes, como foi o caso de Helmut Kohl, o processo é concluído até depois que o candidato já cumpriu seu mandato. São fatos que podem ter sido determinantes para a eleição, mas que são descobertos somente tempos depois. Esse é um problema comum e difícil de se resolver.
O segundo problema é da própria identificação de possíveis irregularidades. É muito difícil existir um sistema regulatório capaz de identificar em tempo real quando elas estão acontecendo. É o que acontece no caso norte-americano, em que, mesmo com limitações fortíssimas sobre quem pode doar, sempre há resquícios legais por meio dos quais se pode burlar alguma das regras. É o caso, por exemplo, do "soft money", que é o dinheiro que é juntado por organizações da sociedade civil para defender uma causa política específica. Às vezes, mesmo sem vinculação direta com um candidato, isso tem um possível efeito eleitoral.
Em todos os casos, no entanto, o que se busca é fortalecer instrumentos de controle e incentivo pra que o dinheiro seja gasto apenas por vias reconhecidas e que haja um conjunto de instituições que faça funcionar um sistema de contribuição mais transparente.

Folha - O financiamento público de campanha não é uma saída?
Poiré
- No caso mexicano, por exemplo, há financiamento público amplo e generoso, superior a 90% dos fundos dos partidos, e isso não garante que não haja irregularidades. No México, esse fato ainda gerou um ambiente adverso para os partidos na opinião pública porque os cidadãos perceberam que há um número demasiado de escândalos financeiros com recursos que são muito importantes também para outras áreas.
O principal argumento a favor do financiamento público é que ele reduz os incentivos à busca de dinheiro irregular quando os partidos têm recursos suficientes para competir. No entanto, sempre há interesse por mais financiamento. Sempre existirá um momento na campanha em que haverá a sensação de que um dólar a mais gasto pode significar o êxito eleitoral. Isso sempre vai existir, com ou sem financiamento público de campanha.

Folha - A crise brasileira é provocada também pela denúncia de que deputados receberam recursos para votar a favor do governo. Isso é comum em outros países?
Poiré
- Casos de suborno ou propina a legisladores são recorrentes e não são exclusivos do Brasil. São problemas das democracias contemporâneas.
Basta lembrar, por exemplo, do caso peruano de acusações contra Vladimiro Montesinos [o ex-chefe do serviço de inteligência peruano durante o governo de Alberto Fujimori], que tinha a ver com suborno a parlamentares por parte de agentes do governo.
Esse problema surge da dificuldade dos mecanismos parlamentares para manter a disciplina parlamentar. O caso brasileiro é bastante estudado nesse sentido pelas dificuldades que se tem de obter coalizões até mesmo dentro dos próprios partidos para garantir a aprovação de uma lei.

Folha - Como oferecer mais meios para a governabilidade sem fortalecer demasiadamente o governo?
Poiré
- Está havendo em muitos países uma reavaliação a respeito dos mecanismos de formação das legislaturas. Particularmente nos sistemas presidenciais da América Latina, é permitida a existência, por exemplo, de um grande número de partidos políticos, o que dificulta a obtenção de maiorias.
Nos sistemas presidenciais em que são necessárias coalizões para aprovar leis importantes, maiorias parlamentares são muito difíceis de se obter, o que dificulta a governabilidade. Isso tem gerado uma reavaliação de que temos que ser talvez menos proporcionais e mais favorecedores dos partidos que obtêm a maioria nas eleições presidenciais. Essas mudanças, porém, certamente não são fáceis de se obter porque necessitam de reformas estruturais.

Folha - Que impacto está tendo a crise brasileira nos círculos acadêmicos que o senhor freqüenta?
Poiré
- Acho que a pergunta principal é a respeito do futuro imediato da democracia brasileira e a resposta, em geral, é otimista. Não se sabe evidentemente o resultado desta crise, mas há a impressão de que as instituições vão mantê-la dentro de uma perspectiva razoável e que ela terá o resultado que se espera que tenha em qualquer outro país do mundo.

Folha - Mas a crise brasileira não é mais uma a ameaçar a estabilidade na região, principalmente depois do que aconteceu na Argentina, Venezuela, Equador e Bolívia?
Poiré
- A região realmente vive dilemas importantes, principalmente com a possível radicalização em alguns regimes ou ameaças aos direitos humanos em outros, mas, definitivamente, o caso brasileiro parece mais o de uma crise normal de uma democracia contemporânea em construção.

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