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ELIO GASPARI
O Supremo Tribunal deu um "salto social"
O desempenho do ministro Joaquim Barbosa, ao vivo e
a cores, levou qualidade
à maratona da Corte
QUEM DEU UM "salto social"
não foi o ministro Joaquim
Barbosa, foi o Supremo Tribunal Federal. Primeiro, porque teve no relator do processo dos mensaleiros um magistrado seco, impessoal, daqueles que não tiram prazer
ao ouvir a própria voz. Segundo, porque sua exposição, livre de juridiquês, podia ser entendida por qualquer desafortunado que assistisse às
sessões da Corte. Falou no idioma
dos contribuintes. Se Joaquim Barbosa tivesse um vestígio de culto aos
holofotes, moeria o procurador-geral por ter dito em sua denúncia que
alguns acusados "branqueavam" dinheiro. Limitou-se a repetir a expressão, esclarecendo que ela pertencia ao universo vocabular do
doutor Antonio Fernando de Souza.
Preservando o mau estilo, autodenegriu-se o procurador.
Até o início do julgamento dos
mensaleiros, Joaquim Barbosa era
olimpicamente denominado "o primeiro negro" nomeado para o Supremo, um rótulo prático, porém
tão inócuo quanto o de "primeira
mulher" que a ministra Ellen Gracie
carrega. Se esses qualificativos servem para alguma coisa, permitem
calcular a distância que separa as indicações feitas pelos presidentes
brasileiros e americanos. O primeiro negro chegou ao STF com 36 anos
de atraso em relação à Corte Suprema. A primeira mulher, com 19 anos.
Os quatro anos de vida de Joaquim Barbosa no Supremo não foram fáceis. Um ministro já o acusou
de "ter complexo". Outro, desafiou-o para resolver "lá fora" uma controvérsia que esquentara. Barbosa é
uma pessoa de trato difícil e já se desentendeu com três de seus dez colegas, mas coisas estranhas sucedem
a um negro. Não se sabe de outro caso em que um ministro tenha chamado outro para resolver uma questão no braço. (Em 1967, no Superior
Tribunal Militar, em tom bem mais
brando, o general Pery Bevilaqua
chegou perto, num bate-boca com o
general Ernesto Geisel.) Ninguém
foi acusado de ter "complexo", nem
mesmo os ministros que serviram
fielmente à ditadura, escovaram a
toga e se tornaram descomplexados
guardiães do Estado de Direito. De
qualquer forma, durante a maior
parte de sua existência centenária, o
"pretório excelso" só recebeu negros quando eles tinham sorte e
bons advogados, para pedir que os
soltassem.
O desempenho de Joaquim Barbosa, ao vivo e a cores, deu qualidade
à maratona da Corte. (Noves fora a
troca de mensagens entre a ministra
Cármen Lúcia e seu colega Ricardo
Lewandowski.) Quando um procurador-geral e um ministro-relator
conseguem formar uma decisão
unânime do Supremo numa questão politicamente controvertida como a da denúncia por corrupção ativa apresentada contra o comissário
José Dirceu, algo de muito bom
aconteceu no tribunal -o mesmo se
pode dizer em relação ao 10 a 1 da
formação de quadrilha.
E algo de muito ruim está acontecendo na nação petista. O repórter
Fábio Zanini informa que nas bases
de um dos denunciados (o deputado
João Paulo Cunha) circula a idéia de
organizar um ato de desagravo às vítimas da Corte. Será no restaurante
Parrilla Brasileña, onde cabem 250
pessoas e cada solidário pagará
R$ 9,90. Com os R$ 22,3 milhões
que José Dirceu é acusado de ter canalizado para as arcas aliadas, teria
sido possível matar a fome de 2,25
milhões de companheiros. Caso
apareçam no restaurante as almas
penadas de generais da ditadura que
cassavam ministros do Supremo e
recusavam-se a acatar suas decisões,
devem tratá-los como primos.
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