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PÓS-MARCHA
Governador do Ceará afirma que FHC está "consciente" da necessidade de "modificações corretivas"
Tasso propõe mudar modelo econômico
JOSIAS DE SOUZA
Secretário de Redação
O discurso em favor de alterações na política econômica chegou à cozinha do Palácio do Planalto. Amigo e aliado de Fernando Henrique Cardoso, o governador do Ceará, Tasso Jereissati,
afirma: "Temos que fazer algumas modificações corretivas no
rumo da política econômica. O
presidente está consciente disso".
Tasso acha que está esgotada a
fórmula que se convencionou
chamar de "Consenso de Washington." O termo, criado em
1990, define o receituário do governo americano, do FMI e do
Banco Mundial, que combina
combate ao déficit público, abertura econômica e redução da presença do Estado na economia.
Propõe que o governo reavalie
alguns temas tratados até aqui como dogmas, entre eles a abertura
econômica e a integração com os
países do Mercosul. "Isso precisa
ser reestudado. Ainda não sei o
que propor. Mas sei o que não serve. O que está aí é ruim."
Na opinião de Tasso, o governo
comete um erro ao festejar o cumprimento de metas fixadas pelo
FMI como sinal de vigor econômico. "Não podemos analisar a
economia apenas a partir de dados estatísticos", diz ele. "A economia vai bem se há muita gente
empregada."
Em entrevista à Folha, Tasso
produziu o que talvez seja a avaliação mais severa que um tucano
fez em público da gestão FHC.
Aponta vários méritos pontuais
do governo. Mas, de resto, utiliza
termos que não costumam frequentar o discurso do tucanato.
Diz, por exemplo, que, em função da relação "promíscua" que
mantém com o Congresso, "o governo não tem uma cara definida". Algo que "a sociedade interpreta como fraqueza, como falta
de decisão".
"Havia a expectativa de que um
presidente com as credenciais
morais e intelectuais de Fernando
Henrique poderia superar essa
realidade." Daí a reação da sociedade, materializada na corrosão
da popularidade de FHC.
Tasso faz uma outra autocrítica.
O PSDB, diz, não se preparou
adequadamente para o novo
mandato. "Tratamos o segundo
mandato como se fosse simples
continuação. Não é." Ele acha que
é preciso "discutir melhor esse
período" para alterar a situação.
Mantido o quadro atual, afirma
Tasso, as chances de um crescimento da candidatura presidencial de Ciro Gomes (PPS) "são
enormes". Ele não descarta também a hipótese de o nome do senador Antonio Carlos Magalhães
(PFL) vir a ser tonificado.
Tasso deixa claro que, em termos eleitorais, ficará com o nome
que vier a ser definido pelo PSDB.
E diz que se manterá fiel a FHC até
o final, seja qual for a sua taxa de
popularidade.
A entrevista foi feita em duas
etapas. A Folha teve uma conversa de duas horas e meia com o governador, na quarta-feira, em seu
gabinete, em Fortaleza. Na sexta-feira, por telefone, Tasso respondeu a perguntas sobre a "Marcha
dos 100 Mil", realizada na véspera. A seguir, a entrevista.
Folha - O segundo mandato é
um bebê de oito meses. A despeito disso, FHC tem a impopularidade de um Collor e é tratado por alguns grupos -caminhoneiros e ruralistas, por
exemplo- como um Sarney,
fraco. O que está havendo?
Tasso Jereissati - O problema
crônico é a relação entre Executivo e Legislativo. Desde a morte de
Getúlio Vargas temos tido uma
longa história de crises, que levam
a uma situação de governabilidade complicada. Todos os presidentes que assumiram sob regime democrático viveram esse
problema. O que há de novo agora? É o segundo mandato. No final do primeiro mandato, o presidente Fernando Henrique, como
todos os anteriores, chegou a uma
situação difícil de administrar nas
relações com o Legislativo. Com
uma diferença: ao contrário dos
outros presidentes, ele ainda tem
um novo mandato inteiro pela
frente.
Folha - A reeleição foi um erro?
Tasso - Acho que não avaliamos
corretamente as consequências
de um segundo mandato. Tratamos o segundo mandato como se
fosse uma simples continuação.
Não é. Há coisas inteiramente novas e há coisas que se apresentam
como desgastes do primeiro período.
Folha - Quais são os desgastes
do primeiro mandato?
Tasso - Há o desgaste natural do
exercício do poder. E o desgaste
dessa relação não muito bem definida entre Legislativo e Executivo.
Somou-se a esse quadro, agravando-o, uma crise internacional.
Mas Fernando Henrique ainda
tem um mandato inteiro pela
frente. Temos tempo de discutir
melhor esse segundo período.
Folha - Em entrevista à Folha
em agosto do ano passado, o
senhor dizia que o segundo
mandato de FHC teria mais a cara do PSDB. Onde está a cara do
partido? Na política econômica
recessiva? Em um certo descaso
com os problemas sociais? Na
autofagia que pauta as relações
dos partidos governistas?
Tasso - Como disse antes, fazendo uma autocrítica, nós avaliamos mal o que seria o segundo
mandato. Mas o desgaste do governo, que é inegável, precisa ser
melhor analisado. O péssimo humor do país é desproporcional à
situação geral, que não é tão ruim.
E o desgaste também é uma decorrência dessa falta de cara. De
fato, o governo não tem uma cara
definida. Nem sem sei se conseguiria ter com esse modelo político que está aí. Ele é obrigado a fazer uma coalizão no Congresso,
em que vários setores partidários
têm participação na administração. A tendência, a longo prazo, é
de aumentar o desgaste. A sociedade interpreta isso como fraqueza, como falta de decisão.
Folha - A sociedade interpreta
ou é mesmo fraqueza e falta de
decisão?
Tasso - Diria que não é. Basta
olhar para trás. Todos os presidentes brasileiros, em regimes democráticos, tiveram esse tipo de
problema, exceto o Juscelino, que
terminou o mandato com relativo
sucesso. E digo relativo porque
também o Juscelino, no último
ano, estava terrivelmente desgastado. Esse modelo político é visto
pela opinião pública com profunda antipatia. As pessoas não aceitam essa relação promíscua entre
Legislativo e Executivo. A palavra
é forte, mas talvez seja adequada.
Essa é a principal fonte de desgaste do governo. Havia a expectativa
de que um presidente com as credenciais morais e intelectuais de
Fernando Henrique poderia superar essa realidade.
Folha - Ia justamente perguntar-lhe isso. Elegeu-se FHC na
expectativa de que não fosse
outro Sarney. É impossível mudar?
Tasso - Não diria que é impossível, mas é muito difícil, quase impossível mudar essa relação dentro dos moldes atuais. A sociedade precisa discutir essa questão.
Folha - O senhor quer reabrir a
discussão sobre parlamentarismo?
Tasso - Com muito cuidado. Se
é inevitável, dentro da nossa cultura política, a participação do Legislativo dentro do Executivo, talvez seja o caso de colocarmos essa
discussão agora, com regras que
valham para o próximo governo.
Deve ficar claro que isso não implica a recondução de ninguém,
nem de Fernando Henrique nem
de nenhum governador.
Folha - Todos tenderão a enxergar a pregação em favor do
parlamentarismo como manobra para reconduzir FHC.
Tasso - É por isso que eu digo
que é preciso tomar muito cuidado. É preciso dizer desde já que
não se trata disso. Apenas eu não
vejo na história nenhum exemplo
de presidente que tenha conseguido lidar bem com esse modelo
político vigente. Precisamos fazer
isso funcionar. Pode não ser via
parlamentarismo. A aprovação
de uma reforma política, com a fidelidade partidária pode resolver,
não sei.
Folha - E fidelidade partidária
passa no Congresso?
Tasso - Acho muito difícil.
Folha - Do modo como o senhor fala, parece que todos os
problemas do governo derivam
da relação tumultuada com o
Congresso. Em agosto do ano
passado, o senhor dizia que era
essencial que o governo tratasse o combate à miséria e à pobreza como uma prioridade.
Não é o que vem ocorrendo. Isso não influi?
Tasso - Como disse antes, o humor do país está muito pior do
que o governo. O sentimento negativo está alguns pontos acima
da realidade econômica e social
do país. Mas temos um quadro
novo, não só pela novidade da
reeleição, mas também pela nova
realidade econômica. O mundo
hoje é outro. O país também é outro. Há cerca de cinco anos havia
um consenso em torno de um
modelo, de um receituário...
Folha - O senhor se refere ao
chamado "Consenso de Washington"?
Tasso - Sim, esse receituário
vindo do "Consenso de Washington" se disseminou. E a experiência recente nos tem mostrado que
a coisa não é bem assim. Temos
que fazer algumas modificações
corretivas no rumo da política
econômica. A meu ver, o presidente está consciente disso. Embora eu ache importante ressaltar
que os índices de miséria no país
melhoraram. Caíram a mortalidade infantil e a taxa de analfabetismo. Em poucos anos, poderemos ter erradicado o analfabetismo no país. O problema é que essa política econômica de uma maneira geral leva o país a uma insegurança muito grande.
Folha - O senhor acha, então,
que é preciso mudar os rumos
da economia?
Tasso - Alguns conceitos têm de
ser reavaliados. Como país emergente, o Brasil não pode seguir o
mesmo modelo de inserção na
economia mundial utilizado por
uma nação desenvolvida. Somos
muito mais sujeitos às turbulências internacionais do que nações
como os Estados Unidos, a Suíça
ou a Alemanha. Não conseguimos nos vacinar contra turbulências externas, especialmente na
região em que nós vivemos.
Folha - A América Latina...
Tasso - Sim, a América Latina.
Já percebemos claramente que
um espirro na Venezuela pode
atrapalhar a vida do Brasil gravemente. Uma dor nas costas da Colômbia também atrapalha a nossa
vida. As eleições na Argentina colocam o nosso país em sobressaltos. Esse é o fato novo. Nós não
avaliamos bem isso. É possível
um país como o Brasil, emergente, ter estabilidade e crescimento
consistente, a médio e longo prazos, com um modelo sujeito a essa instabilidade dos vizinhos? Tudo indica que não.
Folha - O senhor está tocando
em alguns dogmas: a abertura
econômica, a integração regional via Mercosul. Tudo isso deve
ser revisto?
Tasso - Isso precisa ser reestudado. Se você me perguntar qual é
a fórmula, o que devemos pôr no
lugar, eu não sei.
Folha - O país deve fechar-se
um pouco mais, promover uma
abertura econômica mais seletiva?
Tasso - Com certeza precisamos
estudar fórmulas que permitam
que fiquemos menos sujeitos a
turbulências internacionais. Ainda não sei exatamente o que propor. Mas sei o que não deve ser, o
que não serve.
Folha - E o senhor está convencido de que o que está aí é
ruim.
Tasso - O que está aí é ruim.
Também há uma tendência equivocada, e o presidente está atento
a isso, de avaliar a saúde da economia brasileira a partir dos chamados números macroeconômicos.
Folha - O senhor se refere às
metas negociadas com o FMI?
Tasso - Sim, analisam-se as metas negociadas com o FMI, pressupondo-se que, se esses números estiverem bem, o país vai bem.
Não podemos analisar a economia simplesmente a partir de dados estatísticos. O presidente,
mais do que ninguém, sabe disso.
A economia vai bem se há muita
gente empregada.
Folha - Voltamos ao ponto de
partida. Há uma razão para o
pessimismo da opinião pública.
Para o ministro Malan, o cumprimento das metas é o bastante.
Tasso - Essa é outra coisa no governo que precisa ser corrigida.
Na verdade, esse quadro gerou
uma sensação de insegurança
muito grande, que afeta desde o
empresário até o pequeno agricultor, o operário. O brasileiro vive um mundo de muitas incertezas. A economia e a vida das pessoas se rege muito pelas expectativas. Se você sente que sua empresa está sob risco, que seu emprego
está ameaçado, que o produto
que você produz no campo pode
não ter preço competitivo, isso
gera uma sensação de insegurança que, somada à análise do quadro político, produz o mau humor, embora tenhamos bons indicativos sociais para exibir. Mesmo na economia, se formos analisar com cuidado, os números não
são brilhantes. Mas também não
são tão ruins a ponto de justificar
um pessimismo no nível atual.
Folha - O senhor faz a crítica
ao modelo e diz que não sabe o
que pôr no lugar. Havia uma expectativa de que o PSDB, com
os quadros que possui, propusesse saídas criativas.
Tasso - O PSDB não só propôs
como implantou coisas novas no
país. As consequências dessas
mudanças são, na sua maioria benéficas. Algumas são de longa
maturação. Não podemos perder
de vista que Fernando Henrique
implantou no país mudanças estruturais profundas. O erro está
em simplesmente pegar esse receituário de cinco anos atrás e
avaliar que tudo deu certo. Nem
tudo deu certo. É preciso ver o
que deu errado.
Folha - O que deu errado?
Tasso - No campo político, esperávamos ter um governo muito
menos sujeito a esses humores do
Congresso. E esperávamos ter iniciado um ciclo de crescimento
econômico que gerasse novas expectativas no país. Não conseguimos reverter as expectativas, algo
essencial. Existem fatores normais, de qualquer sistema. Mas
não podemos nem queremos esconder que existem fatores objetivos por trás da insatisfação da sociedade. Se as pessoas sentem que
o seu futuro corre risco, precisamos dar a elas uma nova expectativa. E não pode ser uma expectativa falsa, baseada em publicidade. Precisamos apontar soluções
viáveis.
Folha - Ulysses Guimarães estava para o governo Sarney assim como ACM está para o governo FHC. Ulysses passou à história como eminência parda de
Sarney. Chegou a vetar o seu
nome para o Ministério da Fazenda. O senhor acha que FHC
conseguirá desfazer a impressão, hoje generalizada, de que
ACM faz e desfaz no governo?
Tasso - É falsa essa impressão.
ACM não manda no governo. Para aproveitar o seu exemplo, doutor Ulysses deu uma lista com três
nomes para a pasta da Fazenda.
Sarney quis indicar alguém fora
da lista. Não conseguiu. Ou seja,
doutor Ulysses tinha interferência
direta no Ministério da Fazenda,
coração de qualquer governo.
Hoje, seria absurdo dizer que a indicação de Malan tenha tido alguma influência de Antonio Carlos.
Na verdade, alguns ministros importantes do governo são indicações claras do presidente. Fazenda é uma delas. Planejamento
também. Na área social, a Educação e a Saúde.
Folha - Mas a impressão de
que ACM manda não vem do nada. Foi, aliás, reforçada com o
caso Ford. Malan era contra a
concessão de benefícios para
que a Ford se instalasse na Bahia.
Tasso - É óbvio que o senador
Antonio Carlos tem uma influência enorme no governo. Mas evidentemente não é comparável
com o doutor Ulysses. Quem não
manda na Fazenda e no Planejamento, quem não manda na Saúde e na Educação, as duas áreas de
maior orçamento, com certeza
não manda no governo. É verdade que se criou essa impressão.
Aonde eu chego ouço: "ACM
manda no governo, ele manda no
presidente". Mas quem tem conhecimento mínimo do governo
sabe que isso não é verdade.
Folha - O real já elegeu Fernando Henrique duas vezes.
Agora, sem frango e iogurte baratos, com uma taxa de desemprego nada desprezível, o senhor acha que o presidente terá
influência na própria sucessão
ou o candidato do PSDB, para se
viabilizar, terá de se afastar de
FHC?
Tasso - Toda essa discussão em
torno da sucessão é, neste momento, irrelevante. A história
mostra que nossos últimos presidentes se viabilizaram nas vésperas das eleições. Os nomes que
surgiram com antecedência não
tiveram nenhum sucesso nas
campanhas.
Folha - O senhor tem razão,
mas não se fala em outra coisa.
Tasso - Esse é um outro fenômeno do segundo mandato. Mas
balizar o comportamento político
de hoje em função da sucessão
presidencial é uma bobagem sem
tamanho.
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