São Paulo, domingo, 29 de setembro de 2002

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QUESTÃO AGRÁRIA

Sindicato diz que lista oficial contabiliza mais de 30 defuntos

Estatística de assentados inclui sem-terra já mortos

EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA

RUBENS VALENTE
DO PAINEL

O governo federal contou como "assentados" trabalhadores rurais que já estavam mortos havia anos. Eles chegaram às terras ainda na década de 80, trazidos pelo regime militar, mas passaram a integrar as estatísticas da reforma agrária do governo Fernando Henrique Cardoso, que diz ter assentado cerca de 588 mil famílias entre 1995 e 2001.
A reportagem confrontou as listas em que constam nomes e CPFs dos agricultores dos dois maiores assentamentos contabilizados pelo governo FHC (um no Amazonas e outro no Acre) com informações obtidas em cartórios de registro de óbitos e sindicatos rurais. Os documentos indicam que houve contagem de mortos.
As listas dos assentados integram a auditoria ordenada em abril passado pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, José Abrão, depois de uma série de reportagens da Folha ter indicado que o governo inflou os balanços da reforma agrária com terrenos vazios e áreas sem casas e infra-estrutura (água tratada, energia elétrica e rede de esgoto).
"Eu nunca poderia imaginar que meu pai seria incluído em uma lista de assentados depois de tanto tempo de sua morte. A nossa família abandonou o lote há seis anos, e nós nunca mais recebemos créditos do governo", declarou Adelar Jesus de Alcanter, 30, filho de Valeriano Jesus de Alcanter, morto em 1992 e incluído na lista de novos assentados sete anos depois pelo governo federal.
O governo diz ter assentado 5.329 famílias (em 1999) no Rio Juma e outras 6.407 no Pedro Peixoto (4.812, em 2000, e 1.595, em 1997). Entre os "assentados" no Rio Juma está Valeriano Jesus de Alcanter, pai de Adelar.
Essas famílias chegaram ao Acre e ao Amazonas no início dos anos 80, época em que o regime militar criou uma série de projetos de colonização na região Norte. O atual governo federal considerou esses assentamentos como "criados" na era FHC.
Com a lista dos assentados em mãos, os presidentes dos sindicatos de trabalhadores rurais de Apuí (AM) e Senador Guiomard (AC) informaram que "passa de 30" o número de trabalhadores que morreram antes de terem sido "assentados" pelo governo federal nos projetos Rio Juma e Pedro Peixoto, respectivamente.
A maioria dos trabalhadores rurais apontados como mortos é oriunda de diversos municípios do Sul do país -onde seus corpos foram enterrados e seus óbitos, registrados. A Folha teve acesso aos atestados de alguns dos citados pelo sindicato de Apuí.

Atestados de óbito
No cartório do município amazonense estão registrados os óbitos de Valeriano Jesus de Alcanter, Valacir de Oliveira Campos, Sebastião de Souza e José Honório Sobrinho -mortos em 92, 96, 97 e 98, respectivamente. O governo diz tê-los assentado em 99.
Eles chegaram a Apuí por volta de 83, quando o projeto de assentamento foi criado pelo regime militar. Com o tempo e por causa das constantes epidemias de malária, muitos trabalhadores rurais abandonaram seus lotes e voltaram para suas cidades de origem.
Documentos do ministério apontam que o governo tinha conhecimento de que três, desses quatro agricultores, estavam mortos. Mesmo assim, passaram a ser considerados "assentados" no balanço de 99, divulgado à época para toda a imprensa.
Segundo a ficha de Valeriano Jesus de Alcanter no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), ele recebeu os primeiros créditos do governo (ainda no governo do general João Figueiredo) em 2 de setembro de 83. Os últimos recursos chegaram em novembro de 84.
O ministério informou que a viúva de Valeriano, Terezinha, também é assentada. Mas o filho do casal, Adelar, contou que toda a família mora há seis anos no centro de Apuí, e não no assentamento. Deixaram o lote quatro anos após a morte de Valeriano.
A ficha do agricultor José Honório Sobrinho relata que ele foi "assentado" em 18 de março de 99. Mas, segundo registro no cartório, ele morreu no ano anterior. A ficha de Valacir aponta que ele já estava assentado em 2 de setembro de 94 e morreu em 26 de agosto de 96. No entanto, Valacir passou a ser contado como "assentado" em 99, segundo o balanço oficial da auditoria do ministério.


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