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'Eleição de Lula mostra que há mobilidade social no Brasil'
DA REDAÇÃO
Leia a íntegra do pronunciamento e da entrevista coletiva do
presidente Fernando Henrique
Cardoso sobre as eleições.
"Eu queria uma vez mais agradecer
ao povo brasileiro o sinal extraordinário de civismo, de responsabilidade na
votação ocorrida. Estamos demonstrando ao mundo inteiro a nossa maturidade política. A apuração foi feita
com rapidez, o que também demonstra competência técnica. Os resultados
são resultados que expressam que estamos em um país que sabe escolher,
de acordo com a sua vontade, e que é
um país equilibrado. Quero também
agradecer as palavras do presidente
eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, que se
referiu ao fato de que eu conduzi esse
processo dentro das normas constitucionais, como não poderia ser diferente, com equilíbrio.
E tenho certeza de que uma vez, como presidente eleito, ele fará a mesma
coisa. Quero dizer que o seu pronunciamento já indica isso, um caminho
de responsabilidade e um caminho de
continuidade que é necessário no Brasil, de combater a miséria e a fome e
corresponde diretamente com o que
eu disse -e diria outra vez se tivesse
sido eleito- quando fui eleito, quando fui reeleito, que isso é um desejo de
todos os brasileiros e é decisão de todos os brasileiros.
E os avanços sociais que nós conseguimos consolidar nesses anos, se não
foram suficientes -como não foram- para atender todas as demandas, pelo menos foram registrados como avanços pela opinião pública internacional, que mostra que poucos
países avançaram tão depressa assim.
O que mostra que nós temos que crescer ainda mais e avançar ainda mais
em nosso empenho pelas condições
sociais que é precisamente o que o
presidente eleito prometeu, a continuidade nessa mesma linha de responsabilidade social.
Tenho certeza de que os brasileiros
todos percebem que é o momento em
que apostamos, é o momento que nós
temos que renovar as nossas expectativas, renovar a nossa fé no Brasil,
manter a nossa esperança.
Quero também lhes dizer que já tomamos todas as providências para
que haja uma transição dentro dos padrões democráticos e também de respeito à vontade popular. Uma vez manifestada a vontade do povo, só cumpre àqueles que estão no empenho das
funções respeitar essa vontade e criar
condições para que o novo governo
atue de maneira imediata para que
não haja uma descontinuidade de
muitas obrigações do Brasil, de muitos
programas que são importantes para
o Brasil, mas principalmente na área
internacional, onde, pelas palavras do
presidente eleito, haverá uma continuidade na mesma linha de defesa dos
interesses do Brasil, de respeito à soberania, de negociação firme.
Eu acho que, para isso, nós estamos
transmitindo todas as informações
necessárias e faremos isso, transmitiremos todas as informações pertinentes e necessárias.
Quero também dizer que a demonstração de maturidade do eleitorado
brasileiro se vê claramente quando
houve agora a apuração do resultado
dos Estados. Os partidos saíram fortalecidos, houve uma dispersão de votos
e até mesmo agradeço em especial
porque o PSDB recebeu uma votação
consagradora em Estados importantes, sete Estados da Federação. Mas os
outros partidos também, o PMDB recebeu em cinco, o PFL em quatro. Eu
creio que o PSB em quatro, enfim, os
outros partidos também tiveram acesso, o PT teve três. Enfim, o povo demonstrou que ele escolhe livremente e
que ele na verdade é capaz de discernir
segundo seus interesses, não vota de
uma maneira uniforme em todo o
país. Isso não é um sinal de falta de
consistência, ao contrário, é um sinal
de liberdade do eleitor que sabe escolher, sabe balancear. Isso tudo resultará numa democracia mais fortalecida.
De modo que eu estou realmente
muito feliz de ter podido presidir o
Brasil no momento em que o Brasil
realiza estas eleições e tem também
outro significado que eu quero dizer
com clareza: o presidente eleito, pessoa que eu conheço há 30 anos, é um
líder metalúrgico. Passou sua vida como líder metalúrgico, veio de origem
humilde. Isso nos orgulha. Mostra,
primeiro, que há mobilidade social no
Brasil e, segundo, que é uma democracia plena, que é uma democracia que
não aceita restrições de quaisquer naturezas, que não tem preconceitos de
classe, preconceitos de quaisquer naturezas, de tal maneira que confia independentemente desses qualificativos que não devem ser mesmo os que
distingam os brasileiros.
O que deve distinguir os brasileiros é
o patriotismo, a vontade de acertar é a
competência, é a dedicação. De modo
que isso também eu acho que é algo
que é muito notável e dizer que está
acontecendo eu fico muito feliz, reitero, por ter podido presidir o Brasil
neste momento que é um momento,
eu diria, realmente muito esperançoso
para todos nós.
Pergunta - Como o sr. se sente
nas vésperas de passar a faixa presidencial para um líder operário
num momento importante do país,
sem que tenhamos nenhuma notícia de crise institucional?
Fernando Henrique Cardoso - Eu
acho que é isso que me deixa mais
contente. Quer dizer, naturalmente, qualquer outro que fosse
eleito eu teria uma satisfação
imensa, quero dizer que o meu
companheiro José Serra se portou
também nessa campanha com
dignidade, a campanha foi de alto
nível, mas é claro que há um significado especial em passar para um
líder operário, para um homem
que vem das lutas sindicais, um
homem que eu conheci nos anos
70, quando havia ainda uma ditadura e nós estivemos juntos em
muitas campanhas, de modo que
isto a mim me dá, eu diria uma
emoção. Eu espero com ansiedade o momento em que o mundo
todo vai ver que, mesmo que seja
inabitual que uma pessoa com
formação acadêmica, como a que
eu tive, chegasse à Presidência,
mais inabitual ainda que a faixa
seja transmitida a um líder operário, e verão que mais inabitual
ainda que será feito com esse espírito brasileiro
que é de cordialidade.
Pergunta - O
PSDB tinha um
projeto de ficar
20 anos no governo, e o sr. está saindo depois de oito
anos. O sr. poderia analisar
em rápidas palavras o que
saiu errado?
FHC - O projeto não era do
PSDB, tinha
uma frase do
ministro Sérgio Motta [das
Comunicações, morto em
98]. Quando se torna uma democracia, ninguém pode ter projetos. Tem que dizer, é claro, quero
ficar mais tempo etc. Mas, eu quero lembrar que o PSDB continua
no poder. Está no poder, por
exemplo no Estado de São Paulo,
agora vai para mais quatro anos e
serão 12 anos, mas isso não é importante.
O importante é que haja realmente esse clima de liberdade e
que as idéias do PSDB vão permanecer vivas. O que nós fizemos
aqui se não ampliar as condições
para começar a pagar a dívida social? O que nós fizemos com a
educação? O que nós fizemos com
a saúde? Com a agricultura, que o
próprio candidato eleito louvou?
E com a dívida externa, com a
questão do déficit comercial que
nós invertemos e mudamos? De
modo que as idéias do PSDB continuam vivas e nós vamos continuar batalhando por elas.
Pergunta - Qual é a principal instrução ou orientação que o sr. fará
ao presidente eleito?
FHC - Eu não ousaria fazer recomendações a um presidente. Eu
acho que quem faz recomendações é o povo, que, quando o elegeu, o elegeu com expectativas. E
ele deve seguir as expectativas
-espero eu- que o povo que o
elegeu depositou nele.
Pergunta - O sr. vai falar sobre alguma área especificamente?
FHC - Nós vamos conversar amplamente sobre várias áreas. Agora vamos nos dedicar às áreas que
estão sendo debatidas já na campanha entre presidenciáveis, que
são muitas. Segurança é uma área
delicadíssima,
por exemplo.
Eu diria que
talvez a preocupação maior
seja de segurança, porque
as outras nós
estamos habituados a manejá-las e vencê-las -crise econômica, crise
financeira. Isso
é o mundo
contemporâneo. É assim. É
difícil, mas é
assim. Agora,
não se pode viver permanentemente com
insegurança.
Então é difícil. A responsabilidade
não é do presidente eleito, é do
país todo. Mas eu vi que nas declarações de todos os candidatos
que eles iriam com mais ênfase na
questão da segurança.
Pergunta - O sr. acha que o candidato do PT reúne as condições para
promover um pacto social?
FHC - Eu falo como sociólogo. A
situação do pacto social é uma situação na qual existe uma quebra
de institucionalidade ou quando
há uma crise de tal natureza que
você tem de colocar entre parênteses as contradições da sociedade, os interesses que são conflitivos. Então você diz: a despeito
disso eu não vou falar mais nos
meus interesses.
Não é o caso do Brasil. Essa expressão é mais usada politicamente -e eu não critico isso-
como sendo uma boa vontade para um diálogo com o conjunto da
sociedade. Nesse sentido é correto, mas não corresponde propriamente ao que se pode entender
por pacto social. Nós não estamos
saindo de uma ditadura, nós não
estamos com uma crise que não
tenha condições de ser controlada
pelo aparelho institucional.
Pergunta - O sr. poderia enviar ao
Senado a indicação da diretoria do
Banco Central do próximo governo?
FHC - Eu ainda não conversei
com o presidente eleito e não quero me antecipar, mas eu posso garantir que, se isso for necessário
para dar prosseguimento à normalidade dos mercados, eu não
tenho dúvida quanto a isso. Não
sei se será necessário. Não sei se
desejarão, mas eu acho que minha disposição é a disposição de
facilitar a continuidade das políticas, conforme o presidente eleito
disse, a continuidade dos contratos, continuidade dos compromissos que o Brasil tem tanto no
plano internacional politicamente falando na luta por acesso a
mercados quanto à questão financeira certamente eu estou disposto.
Pergunta - O sr. pode fazer alguma nomeação, não apenas indicação, de algum integrante do novo
governo?
FHC - Posso fazer as duas coisas.
Posso fazer o que for necessário,
eu não estou aqui para colocar entraves a que o próximo presidente
exerça na plenitude desde o primeiro dia o seu mandato.
Pergunta - O candidato do sr. perdeu, foi derrotado. Eu gostaria que
o sr. fizesse uma autocrítica.
FHC - Em primeiro lugar, por
que esse personalismo? Eu votei
no candidato Serra, foi o meu
candidato, o candidato do meu
partido, não do Palácio do Planalto. O Planalto não entrou na luta.
Uma das virtudes da democracia
é que o governo não entra na briga. O Palácio do Planalto não fez
nada a favor de A, de B ou de C.
A sua pergunta está errada pela
base, a suposição de que houve
uma derrota do Palácio do Planalto, não houve. Houve uma perda
de um candidato que eu apoiei e
que o meu partido apoiou, mas o
próprio candidato declarou claramente que não era candidato do
governo, no sentido de que o governo não estava usando a máquina e no sentido de que o governo
tinha uma coligação muito ampla
e alguns setores não o apoiaram.
De modo que perguntar em que
eu errei não cabe. Posso ter errado
em muitas coisas, mas não há relação nisso com a eleição, não é
dessa maneira pessoal. [A derrota" não é explicável em função do
que o Palácio errou ou não errou.
O Palácio não se meteu.
Pergunta - Reformulando a pergunta. Em que o sr. atrapalhou?
FHC - Eu não posso responder a
isso, você deve fazer essa pergunta
a quem se acha atrapalhado, não a
mim. Eu não ouvi ninguém falar
que eu atrapalhei ou não atrapalhei.
Pergunta - O que o sr. acha de o
PT ter mudado o discurso, ter caminhado em direção ao centro?
FHC - Eu não quero fazer juízos a
esta altura sobre PT, sobre
caminhar ou
não caminhar
[para o centro"
e, se caminharam em uma
direção com a
qual eu concordo, melhor.
Melhor para o
PT, a meu ver.
Alguns podem
achar que não.
Eu acho que é
melhor. E se o
povo achou
que para ganhar é preciso
disso daí...
Nas democracias mais
maduras, a
margem de discordância entre
correntes não é muito grande. Por
isso o ministro Malan lutou tanto
contra as afirmações simplistas
-"Estamos contra tudo que aí
está, vamos fazer uma ruptura"-
porque isso simplesmente não
tem base no mundo contemporâneo, não existe tal proposta... proposta pode haver, não existe tal
caminho.
Mas eu não estou querendo criticar nada, ao contrário, eu acho
que isso é demonstração de [...]
reconhecer que existem situações
nas quais nós vamos ter que tomar certas atitudes e que as atitudes não são tomadas nem por
maldade nem para ferir o interesse do povo nem o nacional, mas
por circunstâncias a partir das
quais é possível sim avançar em
benefício do interesse nacional.
De modo que eu não estou fazendo nenhuma crítica a essa
eventual mudança de rota, até
porque eu acho que quem não
muda vira pedra. A mim me criticaram tanto por ter dito um coisa
que eu não disse, que era esquecer
aquilo que eu escrevi, eu nunca
disse isso. Então por que eu vou
criticar os outros se eventualmente fizeram correção de rumo?
Não, acho que a vida política, a vida humana implica mesmo correção de rumo. Se o rumo for para
melhor, tem o meu aplauso.
Pergunta - O sr. acha que neste
fim de governo pode haver uma
confusão sobre quem está decidindo?
FHC - Não acredito. Eu acho que
essas coisas são ... para fazer um
pouco de brilho, de onda, tal. Mas
eu vou governar até o fim do meu
mandato, seguindo os programas
que estão em marcha, se possível
acelerando alguns. Agora, isso
não impede que eu possa facilitar
o próximo governo, isso é uma
questão de compromisso com o
país. Já foi a época em que o governo fazia tudo para que o outro
não desse certo. É tão difícil governar que, quanto mais eu facilitar, eu acho que é melhor. E mesmo assim vai ser tanta coisa difícil
para ser resolvida.
Pergunta - O sr. imaginava que
fosse dessa forma esta transição,
esperava viver um momento como
este?
FHC - Não. Sinceramente, não. Já
passei por muitos governos, por
muitas crises, por muitas transmissões de cargo, eu imaginei que
ia ser muito mais complicado. Isso mostra, de novo, que não foi
apenas o governo atual tomou decisões que me parecem no caminho certo, mas que o povo brasileiro permite essas decisões, suscita essas decisões.
Em outra época não era assim.
A expectativa
não era que se
criasse um clima digamos de
facilitar na
transição. A
expectativa era
de criar dificuldade para ganhar a próxima eleição. Eu
nunca acreditei no quanto
pior, melhor.
Nunca acreditei que alguém
ganhe ou perca
eleição, simplesmente porque errou ou
porque acertou. Há muitos
fatores que interferem na formação da opinião
pública, no momento da eleição.
Eu acho que, ao fazer isso, eu
cumpro um dever constitucional,
dever democrático, eu sou um democrata, e isso não prejulga nada
quanto ao desempenho futuro do
governo, nem dificulta ou facilita
para aqueles que venham eventualmente fazer-me oposição. Eu
acho simplesmente que é um
aperfeiçoamento das instituições
democráticas e disso sim eu tanto
me orgulho.
Muito obrigado.
Pergunta - O senhor vai se candidatar de novo?
FHC - Não, não [risos]."
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