São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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A GRANDE FAMÍLIA

Pela primeira vez, petista vence eleição em Caetés; parentes sonham com uma vida melhor

Cidade natal de Lula decreta feriado

XICO SÁ
ENVIADO ESPECIAL A CAETÉS (PE)

Os parentes mais próximos sonham com dias melhores e visitas ao Palácio do Planalto; o prefeito Zé da Luz, também petista, espera ampliar as verbas que o governador Jarbas Vasconcelos (PMDB), cabo eleitoral de José Serra (PSDB), não teria liberado.
Ontem foi feriado no município de Caetés, onde nasceu o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. O número de parentes, que já era grande nos últimos dias, amanheceu maior ainda, mas a família tem uma conta razoável: 50, 55 pessoas, sendo 30 primos. O resto é "história de Trancoso" [invenção, fantasia], como alerta Gilberto Ferreira, 55, pequeno agricultor, primo de verdade: "Espero que o nosso presidente ajeite as coisas para quem vive de roça, que é um penar danado, ano atrás de ano".
Tia de Lula, Corina Guilhermina, 73, é diabética, vive adoentada, mora longe da cidade e, como todos os idosos da região, enfrenta sacrifícios quando tem de ir a um hospital. Agora sonha com um serviço que possa levá-la para tratamentos sem cobrar "o absurdo" que os motoristas da região cobram. "Se ele quiser me dar um carrinho velho, eu não enjeito, não", diz, rindo.
Caetés resistia a aceitar o filho de dona Lindu, um matuto a mais nascido à beira de uma vereda do sítio Várzea Comprida, como alguém capaz de se eleger presidente. Em 89, ficou com Fernando Collor; em 94 e 98, com Fernando Henrique Cardoso. Neste ano, quando visitou Caetés para gravar cenas para o programa do PT, Lula fez uma pergunta, carregada de incômodo, ao prefeito José Luiz de Lima Sampaio, o Zé da Luz: "Por que diabos eu não ganho na minha terra?" O prefeito, cujo apelido deve-se a um programa de eletrificação rural, prometeu, naquele momento: "Lula, vá buscar votos em outros lugares, pois aqui eu me responsabilizo pela sua vitória, pode deixar".
Localizada no agreste pernambucano, única região do Estado onde José Serra (PSDB) bateu o PT, Caetés agora deu vitória à Lula no primeiro e no segundo turno. No dia 6, alcançou 53%, anteontem ficou com 57,1%. O município tem 20.022 habitantes e 13.821 eleitores.
Na véspera da eleição, impressionados com o número de vestes vermelhas, dirigentes do PT local brincavam que obteriam algo próximo à votação obtida por Saddam Hussein no Iraque: 100%. "Lula não teve mais votos porque a oposição espalhou que ele iria cortar a aposentadoria rural, dinheiro que movimenta tudo por aqui", diz o prefeito.
Na vizinha Garanhuns, município ao qual pertencia o distrito de Caetés quando Lula nasceu, em 1945, o orgulho de votar no petista também prevaleceu, com índice superior a 60%. Normalmente confundido com o sertão, o agreste onde Lula nasceu também enfrenta secas, mas em menor grau. A mãe do presidente eleito, Eurídice Ferreira, dona Lindu, foi uma "viúva da seca", como são chamadas no Nordeste as mulheres cujos homens vão para São Paulo. Elas ficam por bom tempo cuidando dos filhos sozinhas. A mãe de Lula não esperou: pôs os oito meninos no pau-de-arara e se mandou.


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