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São Paulo, quarta-feira, 29 de outubro de 2003

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ELIO GASPARI

Trocam-se dois paradigmas teóricos por uma vaga de gari

Faltando pouco para que Lula dê conta do primeiro ano de governo do terceiro mandato do professor Fernando Henrique Cardoso e o 11º do mandarinato da ekipekonômica, ele é bem-vindo de volta ao blablablá de esquerda.
Discursando na abertura da reunião da Internacional Socialista, ele disse o seguinte:
"Refletimos, criticamente, sobre muitos paradigmas teóricos que recebemos e, sem cair no pragmatismo, procuramos criar um movimento que fosse capaz de enfrentar, de forma criativa, não-dogmática, os grandes desafios do nosso país".
O governo de Lula terminará o ano com nota dez em disciplina fiscal e zero em crescimento econômico. É uma escolha. Governo esquizofrênico. Nele, o comissário José Dirceu reclama da "herança maldita" enquanto o presidente anda por Brasília no bendito Omega australiano que herdou de FFHH.
Quando Lula retorna ao blablablá incompreensível, nada de novo acontece sob o céu de Pindorama. O problema surge quando o comissário Dirceu aparece, no mesmo dia, com o blablablá compreensível. Ele disse o seguinte:
"Nos últimos anos, o país infelizmente viciou uma camada importante da sociedade a viver de renda e de taxas de juros reais de 12% ou 15%, o que inviabiliza o pagamento e a sustentação dessa dívida pública".
Como diria o ex-deputado Hildebrando Pascoal, vamos por partes:
1) País não se vicia, assim como ninguém se vicia em juros. Quem oferece taxas de 12% de juros reais aos maganos é o governo presidido por Lula. O doutor Henrique Meirelles não paga taxas lunares porque Lula tem pena dos viciados em juros. Quem se comporta como um viciado é o governo, não o país.
2) Quem tem "camada importante" é pavê. O comissário Dirceu sabe que oito em cada dez trabalhadores brasileiros ganham menos de três salários mínimos. Nenhum deles está na boca rica dos juros. Pela quantidade, essa camada é desprezível, mas o comissário certamente fala de importância no sentido qualitativo. Tem razão. É uma turma tão qualificada que leva o governo do qual o doutor faz parte a desejar isentá-la de CPMF nas transações de seu papelório. (Isentar desempregado, nem pensar.)
3) Finalmente, o comissário diz que essa combinação de perversidades "inviabiliza o pagamento e a sustentação dessa dívida pública". Bingo. Coisa semelhante já foi dita por economistas laureados e diretores do FMI.
Pena que o PT-Federal tenha perdido um ano lambuzando-se nos elogios da banca e estimulando a crença segundo a qual o Brasil será, ainda por um bom tempo, lugar certo para se vir buscar os maiores juros do mundo. (Ave Bradesco. Pariu um lucro de R$ 1,6 bilhão nos primeiros nove meses de Lula. Um aumento de 20,1% sobre o seu desempenho no mesmo período, durante o tucanato).
A persistência do desemprego, da queda da renda do trabalhador, bem como o declínio das vendas do comércio indicam que o espetáculo do crescimento talvez só ocorra nas grandes festas petistas que se planejam para o réveillon baiano. Esses maus resultados devem-se, em parte, ao fato de Lula ter-se achegado aos almofadões da banca como um surpreendente mascote. O dinheiro que pode ir para o investimento fica nos juros porque sabe que essa é a opção preferencial da ekipekonômica. Os empresários não saem da toca dos juros porque têm medo que lhes aconteça o que sucedeu aos que investiram entre 1996 e 2001: ruína.
Empresas arruinaram-se porque, de forma consistente e previsível, sempre que a economia brasileira entrou em dificuldades, todas as medidas tomadas pelo governo de FFHH (durante oito anos) e pelo de Lula (durante um ano) cuidaram de proteger o dinheiro da banca. Esse é o paradigma prático.


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