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Para especialistas, governo teme entrar em conflito com os militares
DO ENVIADO ESPECIAL A CAXAMBU
Especialistas em ditadura e militares avaliam que as Forças Armadas brasileiras são, desde a
transição democrática, relativamente autônomas em relação ao
Poder Executivo, e que o medo do
governo de entrar em conflito
com os militares explica a relutância em abrir imediatamente documentos sigilosos do regime posterior ao golpe de 64.
Para o pesquisador do Iuperj
(Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) Gláucio
Ary Dillon Soares, autor de "Os
anos de chumbo" e "Volta aos
quartéis", "as forças armadas se
outorgam uma autonomia em relação ao país". "Não falta poder a
[José] Viegas [ministro da Defesa] porque ele não exerce o poder
que tem, mas sim porque ele não
exerce o poder que não tem", declara Soares.
Ele fez as declarações ontem, em
Caxambu (MG), onde participa
do 28º Encontro Anual da Anpocs
(Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais).
Existe temor "de insatisfação
militar" e até "de golpe", ele diz.
"Vivemos 21 anos em total obscurantismo. Quase todas as pessoas
destacadas no mundo da política
viveram isso. Muitos vivem com
receio de arriscar os direitos que
têm para conquistar os que ainda
não têm", afirmou.
Pressões
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva tem sofrido pressões para rever um decreto editado pelo ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, às vésperas da posse de
Lula, que ampliou o prazo de indisponibilidade de documentos
oficiais considerados sigilosos.
Nesta semana, o ministro Nilmário Miranda (Direitos Humanos)
anunciou que a revisão e abertura
dos arquivos será feita "sem pressa", posição defendida ontem pelo ministro José Dirceu.
Jorge Zaverucha, professor da
Universidade Federal de Pernambuco e autor de "Rumor de Sabres", afirma que o regime militar
não terminou completamente,
porque foi feito um "pacto" com
os civis no momento da transição
democrática, pelo qual "os militares permitem democracia eleitoral, desde que áreas, domínios reservados, enclaves autoritários sejam mantidos reservados". "Esses
documentos se encaixam nessa
área de domínio reservado", diz.
"Prudência"
"Toda vez que há impasse entre
civis e militares, os civis cedem,
como estão cedendo agora", ele
declara, dizendo ver medo na
prudência do governo Lula. Para
ir além desse "pacto" de quase 20
anos, continua, é preciso "pagar
para ver". "Qualquer transição
que você queira aprofundar gerará atrito com os militares."
Para Soares, "seria ideal se víssemos os militares como nossos colegas, concidadãos". "Mas muitos
os vemos como agentes da coerção. As atitudes arbitrárias e a negativa em dar ao povo brasileiro o
que é dele, e não privativo de uma
instituição, só faz reforçar essa
desconfiança", afirma.
Tal situação faz com que percam todos, e também os militares,
ele diz. "Perdem as Forças Armadas de hoje, que são vistas como
coniventes com os desmandos de
ontem", declara.
(RAFAEL CARIELLO)
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