São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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Para especialistas, governo teme entrar em conflito com os militares

DO ENVIADO ESPECIAL A CAXAMBU

Especialistas em ditadura e militares avaliam que as Forças Armadas brasileiras são, desde a transição democrática, relativamente autônomas em relação ao Poder Executivo, e que o medo do governo de entrar em conflito com os militares explica a relutância em abrir imediatamente documentos sigilosos do regime posterior ao golpe de 64.
Para o pesquisador do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) Gláucio Ary Dillon Soares, autor de "Os anos de chumbo" e "Volta aos quartéis", "as forças armadas se outorgam uma autonomia em relação ao país". "Não falta poder a [José] Viegas [ministro da Defesa] porque ele não exerce o poder que tem, mas sim porque ele não exerce o poder que não tem", declara Soares.
Ele fez as declarações ontem, em Caxambu (MG), onde participa do 28º Encontro Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais).
Existe temor "de insatisfação militar" e até "de golpe", ele diz. "Vivemos 21 anos em total obscurantismo. Quase todas as pessoas destacadas no mundo da política viveram isso. Muitos vivem com receio de arriscar os direitos que têm para conquistar os que ainda não têm", afirmou.

Pressões
O governo Luiz Inácio Lula da Silva tem sofrido pressões para rever um decreto editado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, às vésperas da posse de Lula, que ampliou o prazo de indisponibilidade de documentos oficiais considerados sigilosos. Nesta semana, o ministro Nilmário Miranda (Direitos Humanos) anunciou que a revisão e abertura dos arquivos será feita "sem pressa", posição defendida ontem pelo ministro José Dirceu.
Jorge Zaverucha, professor da Universidade Federal de Pernambuco e autor de "Rumor de Sabres", afirma que o regime militar não terminou completamente, porque foi feito um "pacto" com os civis no momento da transição democrática, pelo qual "os militares permitem democracia eleitoral, desde que áreas, domínios reservados, enclaves autoritários sejam mantidos reservados". "Esses documentos se encaixam nessa área de domínio reservado", diz.

"Prudência"
"Toda vez que há impasse entre civis e militares, os civis cedem, como estão cedendo agora", ele declara, dizendo ver medo na prudência do governo Lula. Para ir além desse "pacto" de quase 20 anos, continua, é preciso "pagar para ver". "Qualquer transição que você queira aprofundar gerará atrito com os militares."
Para Soares, "seria ideal se víssemos os militares como nossos colegas, concidadãos". "Mas muitos os vemos como agentes da coerção. As atitudes arbitrárias e a negativa em dar ao povo brasileiro o que é dele, e não privativo de uma instituição, só faz reforçar essa desconfiança", afirma.
Tal situação faz com que percam todos, e também os militares, ele diz. "Perdem as Forças Armadas de hoje, que são vistas como coniventes com os desmandos de ontem", declara.
(RAFAEL CARIELLO)


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