São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2006

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ELIO GASPARI

FFHH é a novidade no PSDB


O PSDB sofre um processo de autocombustão. Elegeu dois dos seus melhores quadros e, apesar disso, está em chamas

A PARTIR DE AMANHÃ haverá uma novidade política na praça. Chama-se Fernando Henrique Cardoso. FFHH chegou a uma posição semelhante à dos grandes ex-presidentes americanos. Bill Clinton e Jimmy Carter são pontos de referência para suas sociedades. O mesmo sucede na Espanha com o ex-primeiro ministro Felipe González e sucedeu na Alemanha com Willy Brandt (1913-1992) nos anos 70.
Em todos os casos, quem não gostava desses personagens, continuou não gostando, mas reconheceu neles uma autoridade moral. Quando FFHH dissocia-se do encanto golpista da oposição por um terceiro turno, credencia-se para conter o eventual golpismo da constituinte petista.
O PSDB passa por um processo de autocombustão. Elegeu dois dos seus melhores quadros (José Serra e Aécio Neves) para os governos de São Paulo e Minas e, mesmo assim, está em chamas. Aécio namora a idéia de uma reunião de governadores que atropelará o Congresso, acertando com o Planalto novas leis tributárias e políticas. Há quatro anos Lula fez exatamente isso para alavancar a reforma tributária. Deu em nada. No caso da reforma política, o segredo é não dar detalhes. Voto distrital misto? Com lista? Aberta ou fechada? No seu estágio atual o que há é um projeto que tunga a patuléia (o financiamento público das campanhas) para reduzir o alcance do voto.
Está no baralho a carta da indicação de FFHH para a presidência do PSDB. Pode ser boa idéia, mas terão que provar ao monarca que esse posto é maior que a simples exercício de ser Fernando Henrique Cardoso.
O primeiro empenho de FFHH será achar um daquelas velhas ilustrações que mostram dois burros atados a uma corda e dois montes de feno. Como a corda é curta, se cada um quiser fizer força para comer logo o seu monte, será impedido pelo outro. Se os burros se unirem, comerão todo o feno que quiserem. Obtidas as ilustrações, mandará uma para José Serra e a outra para Aécio Neves.

A VIDA DE MELLON É AULA DE CAPITALISMO

Saiu nos Estados Unidos um livro que mostra como em Pindorama faltam capitalismo e verdadeiros capitalistas. Chama-se "Mellon, an American Life", é caro (US$ 40, incluindo o frete), pesado (621 páginas em quase dois quilos) e conta a vida de um banqueiro chato. Ali entende-se a desdita de Andrew Mellon (1855-1937), um magnata que tocou a casa bancária da família, tornou-se um dos homens mais ricos do Estados Unidos e foi secretário do Tesouro por 11 anos, de 1921 a 1932. Poucos tiveram tanto poder antes dele, nenhum depois.
Mellon foi um símbolo da plutocracia americano que acreditava na seleção natural pelo trabalho e pelo talento. Tinha horror a políticos e sindicatos. Pensando bem, tinha horror a quase tudo, menos dinheiro, fusões e monopólios. Não seria capaz de distinguir Chopin de Cole Porter.
Mellon danou-se em 1929, quando a economia americana entrou na maior crise de sua história. Aos 73 anos, estava no esplendor. Se é possível responsabilizar três ou quatro pessoas pelos efeitos do desastre financeiro de 1929, ele foi uma delas. Encarnou um liberalismo que veio a ser conhecido como a "escola liquidacionista". Viveu a crise sem entendê-la.
Danou-se de novo quando os americanos elegeram um presidente que propunha ajuda aos desempregados e a intervenção do Estado para tirar o país da ruína. Chamava-se Franklin Roosevelt. Para Mellon a crise era o jogo jogado do capitalismo. Para Roosevelt, se o jogo não mudasse, acabava. Roosevelt jogou a Receita Federal em cima de Mellon. Meteram-lhe um processo espalhafatoso e humilhante. Quando o banqueiro foi absolvido, estava morto.
É possível que esse homem solitário e frio tenha desenvolvido um só afeto: quadros caros. Tornou-se um dos maiores colecionadores do mundo. Num só lance, comprou 25 pinturas (inclusive a Alba Madona de Rafael) à custa privataria secreta da coleção do Hermitage, promovida por Stálin.
Vilipendiado, um dia foi tomar chá com Roosevelt na Casa Branca. Tratou da entrega de sua coleção ao povo americano, com a condição de que se erguesse em Washington a National Gallery, sem referência ao seu nome. Quem entra hoje naquele esplêndido museu, mal percebe que há uma sala com poltronas logo à direita, com um retrato do banqueiro e de outros grandes doadores. Muita gente ainda acredita que Mellon deu os quadros para se livrar do fisco. O autor da biografia, o historiador inglês David Cannadine, informa: não há um mísero papel que sustente essa tese. O que há é um ensinamento de um colega de Mellon, o banqueiro John P. Morgan: "As pessoas sempre fazem as coisas por dois motivos, o bom e o verdadeiro".
Mellon foi um grande capitalista, de um tempo revogado pelas lições de Roosevelt: "O teste do progresso não está no aumento da abundância daqueles que têm muito, mas em prover o suficiente para quem tem muito pouco".


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