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JANIO DE FREITAS
Sem controle
O tráfego aéreo no Brasil continua entre os melhores. Mesmo com a precariedade administrativa? Apesar dela
JORNAIS, TV e revistas estão tratando com sensacionalismo
perigoso o controle de vôo brasileiro. O grande número de pessoas
que não se sentem confortáveis em
avião estão submetidas a estímulos
negativos, por exageros ou pela total
improcedência, que só fazem agravar seu sofrimento como passageiros aéreos. Agravamento tão mais
desnecessário e impiedoso quanto a
realidade, demonstrável por todos
os indicadores, é que o tráfego aéreo
no Brasil continua entre os melhores, senão o melhor entre os de proporções equivalentes. Mesmo com a
precariedade administrativa que
atinge parte dos controladores?
Apesar dela.
Nesta aparente contradição está
um dos problemas do tratamento
dado ao assunto pelos meios de comunicação. Os problemas funcionais são administrativos. De responsabilidade dos comandos da Aeronáutica, sejam os do controle e de
serviços correlatos, sejam os mais
altos. Mas a qualidade dos controladores e, reconhecida em todo o
mundo, a excelência dos pilotos brasileiros têm se somado a mais aviões
modernos, e o resultado é a segurança que a aviação comercial demonstra aqui. Uma ou outra falha haverá
sempre. O último desastre trágico
com avião comercial, porém, foi há
mais de dez anos. Não decorreu de
falha do controle aéreo, o que também não se deu com os últimos desastres graves que o antecederam.
A progressão, no tempo e nas atividades, dos problemas de má condução administrativa terminariam
por reduzir a segurança de vôo. Daí a
dizer que o desastre causado pelo
Legacy tenha sido providencial, por
revelar em tempo as falhas de comando e administração, vai a distância até ao absurdo: a morte sem
sentido de 154 pessoas jamais pode
ser providencial. É cruelmente absurda, e só.
O desastre não assegurou que problemas de direção, número de controladores, relação de trabalho e repouso, vencimentos e outros sejam
resolvidos. Só para substituir o chefe
do desarranjado serviço de controle
foi uma longa batalha, mal concluída
nesta semana depois de vários acolchoamentos e acomodações, que resultaram em premiá-lo com um comando importante.
Tudo com militares é complicado:
a regra básica é a proteção mútua, alma do corporativismo. E é da natureza da carreira o exercício de atividades, no arranjo das promoções e
dos deslocamentos, para as quais
não há maior habilitação. Por isso o
controle aéreo, com suas especificidades técnicas, é desmilitarizado
nos países desenvolvidos e, em muitos deles, objeto de legislação trabalhista especial, até com proibição de
greve e outras perturbações do serviço. Aqui, os militares resistem à
inovação -como sempre.
As centenas de "quase colisões"
em não sei quantos anos, parte do
noticiário recente, são boas para impressionar, mas não têm maior significado por si mesmas. Não passarem do "quase" já é favorável à segurança. Para valerem, eventualmente, como indicativos reais, seria preciso o exame de cada caso para determinar se houve falha de controlador, de piloto, problema de equipamento e, antes de mais nada, se de
fato houve o "quase" (distâncias no
ar, como no mar, iludem muito).
O sensacionalismo não distingue
as diferenças entre administração,
desempenho técnico de controladores e pilotos e tumultos nos aeroportos por força de atrasos e cancelamentos. Mas os passageiros não precisam ser inquietados pela mesma
indistinção.
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