São Paulo, quarta-feira, 29 de novembro de 2006

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JANIO DE FREITAS

Sem controle

O tráfego aéreo no Brasil continua entre os melhores. Mesmo com a precariedade administrativa? Apesar dela

JORNAIS, TV e revistas estão tratando com sensacionalismo perigoso o controle de vôo brasileiro. O grande número de pessoas que não se sentem confortáveis em avião estão submetidas a estímulos negativos, por exageros ou pela total improcedência, que só fazem agravar seu sofrimento como passageiros aéreos. Agravamento tão mais desnecessário e impiedoso quanto a realidade, demonstrável por todos os indicadores, é que o tráfego aéreo no Brasil continua entre os melhores, senão o melhor entre os de proporções equivalentes. Mesmo com a precariedade administrativa que atinge parte dos controladores? Apesar dela.
Nesta aparente contradição está um dos problemas do tratamento dado ao assunto pelos meios de comunicação. Os problemas funcionais são administrativos. De responsabilidade dos comandos da Aeronáutica, sejam os do controle e de serviços correlatos, sejam os mais altos. Mas a qualidade dos controladores e, reconhecida em todo o mundo, a excelência dos pilotos brasileiros têm se somado a mais aviões modernos, e o resultado é a segurança que a aviação comercial demonstra aqui. Uma ou outra falha haverá sempre. O último desastre trágico com avião comercial, porém, foi há mais de dez anos. Não decorreu de falha do controle aéreo, o que também não se deu com os últimos desastres graves que o antecederam.
A progressão, no tempo e nas atividades, dos problemas de má condução administrativa terminariam por reduzir a segurança de vôo. Daí a dizer que o desastre causado pelo Legacy tenha sido providencial, por revelar em tempo as falhas de comando e administração, vai a distância até ao absurdo: a morte sem sentido de 154 pessoas jamais pode ser providencial. É cruelmente absurda, e só.
O desastre não assegurou que problemas de direção, número de controladores, relação de trabalho e repouso, vencimentos e outros sejam resolvidos. Só para substituir o chefe do desarranjado serviço de controle foi uma longa batalha, mal concluída nesta semana depois de vários acolchoamentos e acomodações, que resultaram em premiá-lo com um comando importante.
Tudo com militares é complicado: a regra básica é a proteção mútua, alma do corporativismo. E é da natureza da carreira o exercício de atividades, no arranjo das promoções e dos deslocamentos, para as quais não há maior habilitação. Por isso o controle aéreo, com suas especificidades técnicas, é desmilitarizado nos países desenvolvidos e, em muitos deles, objeto de legislação trabalhista especial, até com proibição de greve e outras perturbações do serviço. Aqui, os militares resistem à inovação -como sempre.
As centenas de "quase colisões" em não sei quantos anos, parte do noticiário recente, são boas para impressionar, mas não têm maior significado por si mesmas. Não passarem do "quase" já é favorável à segurança. Para valerem, eventualmente, como indicativos reais, seria preciso o exame de cada caso para determinar se houve falha de controlador, de piloto, problema de equipamento e, antes de mais nada, se de fato houve o "quase" (distâncias no ar, como no mar, iludem muito).
O sensacionalismo não distingue as diferenças entre administração, desempenho técnico de controladores e pilotos e tumultos nos aeroportos por força de atrasos e cancelamentos. Mas os passageiros não precisam ser inquietados pela mesma indistinção.


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