São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002

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INVESTIGAÇÃO

Apuração da Corregedoria Geral teve a duração de seis dias

Denúncia contra empresa de vice de Lula é arquivada

Marcos Peron - 5.set.02/Folha Imagem
José Alencar, vice de Lula e proprietário da empresa Coteminas


JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Foi ao arquivo o processo aberto no Planalto para apurar denúncia de que a Coteminas, empresa do vice-presidente eleito, José Alencar, fraudara o erário. Após "investigação" que durou seis dias, a Corregedoria Geral da União concluiu que não há o que ser investigado. A acusação contra a Coteminas foi feita por produtor de algodão de Mato Grosso. A Folha divulgou os documentos que dão suporte à suposição de fraude em 15 de dezembro.
A Corregedoria recebera do deputado Alberto Goldman (PSDB-SP), no início do mês, o mesmo lote de papéis. Mas só em 18 de dezembro, três dias depois da publicação da reportagem, expediu memorando determinando "averiguação". No dia 23, o caso estava arquivado. Foi um dos processos de vida mais breve da história da Corregedoria. A decisão livrou Luiz Inácio Lula da Silva do constrangimento de ter de investigar os negócios do seu vice.
Os documentos que motivaram a "investigação" mostram que a Coteminas comprou, em leilões da Conab (Cia. Nacional de Abastecimento), lotes de algodão que, na prática, já lhe pertenciam. A manobra permitiu que amealhasse subvenções distribuídas pelo governo em pregões agrícolas.
Ouvida pela Folha, a direção da Coteminas negou que houvesse recomprado o algodão. Dias depois, admitiu o artifício. Sustenta, porém, que não há ilegalidade. Argumenta que, embora tivesse comprado e pago antecipadamente pelo algodão, desfez o negócio antes dos leilões da Conab.
A família Vasconcelos Bonfim, produtora de algodão de Mato Grosso, diz que tudo foi feito com o exclusivo propósito de fraudar os cofres públicos. Hoje em litígio com a Coteminas, os Bonfim eram, até 2001, os maiores fornecedores de algodão da Coteminas.
A "investigação" do governo ficou restrita aos arquivos da Conab. Embora os gestores da autarquia, ouvidos previamente pela Folha, já soubessem que ali não encontrariam nada de errado. Os documentos que estampam os indícios de fraude saíram da contabilidade das empresas. Os "investigadores" tinham poderes para visitar os livros contábeis. Julgaram desnecessário.
No curso da "apuração", ouviu-se Josué Christiano Machado Gomes da Silva, filho de José Alencar e principal executivo da Coteminas. Compareceu a Brasília espontaneamente. Deu explicações e exibiu documentos.
A ninguém no governo ocorreu dispensar tratamento semelhante aos acusadores. Carlos Newton Vasconcelos Bonfim, o patriarca da família algodoeira que acusa a Coteminas, não foi ouvido.
O presidente da Conab, Vilmondes Olegário da Silva, apressou-se em redigir uma carta em que anotou: "Por não ter havido nenhuma irregularidade nas transações, a Conab efetuou os pagamentos dos prêmios correspondentes, não havendo, portanto, nenhum prejuízo ao erário".
A carta está datada de 19 de dezembro. Dois dias antes, Vilmondes dissera à Folha que auditores da Conab examinariam os papéis referentes aos leilões postos sob suspeição. Poderiam inspecionar livros da Coteminas e de seu fornecedor. Falou da conveniência de revisão as regras dos leilões. Coisa demorada, previu.
Ouvido novamente na última sexta-feira, declarou: "Só posso me responsabilizar pela atuação da Conab. A documentação foi analisada e considerada regular. Eu não tinha mais o que fazer".
No dia em que foi redigida e assinada, a carta de Vilmondes foi entregue à ministra Anadyr de Mendonça Rodrigues, chefe da Corregedoria Geral. Levou-a, pessoalmente, o próprio Josué Silva, gestor da Coteminas.
A carta de Vilmondes inspirou manifestação da Consultoria Jurídica do Ministério da Agricultura, a cuja estrutura pertence a Conab. É de 20 de dezembro. Diz que, "mediante a afirmação expressa da Conab", a representação contra a Coteminas "não deve prosperar". Falta-lhe "objeto."
Ainda no dia 20, em ritmo de rara celeridade, a Secretaria Federal de Controle, órgão de auditoria subordinado à Corregedoria Geral, também opinou pela inexistência "de indícios de ilegalidade e prejuízo ao erário".
Coube à ministra Anadyr, no dia 23 de dezembro, a palavra final. Remeteu o caso Coteminas ao arquivo, "...sem prejuízo de eventual desarquivamento, caso venham a surgir elementos novos que o justifiquem." Embora José Alencar tenha pedido, em entrevista à Folha, "todo rigor" com sua empresa, é improvável que, sob Lula, o governo venha se interessar por "elementos novos".



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