São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002

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NO PLANALTO

Ano Novo, governo nem tanto

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Na oposição , cheio de soluções, o ex-PT especializou-se em tirar gênios da garrafa. Na bica de assumir o governo, pleno de problemas, o neo-PT estuda um meio de fazê-los descer gargalo abaixo.
O petista Lula, sabe-se agora, é um tucano que ainda não tinha chegado ao poder. Um tucano de porta de fábrica, mas um tucano.
Finalmente vitorioso, sem vocação para Aladin, radicalizou a sedutora idéia de mudar radicalmente tudo. O medo do orçamento curto venceu a esperança do palanque largo.
O ex-PT exerceu com maestria invulgar o monopólio da luz. O neo-PT, prestes a entrar no túnel escuro que compõe o legado de FHC, procura uma luz, qualquer luz, para pôr no fim.
O ex-PT comportava-se como cachorro que corre atrás do carro. Latia vorazmente. Dava a impressão de que iria estraçalhar a viatura. Súbito o carro parou. E o cachorro, em vez de morder os pneus, abana o rabo para o pensamento único, o motorista metafórico que dirige os destinos do Brasil.
Ano novo, governo nem tanto, eis o slogan inaugural de 2003. Um ano em que quase tudo vai ficar como está para ver como é que fica. Pelo menos na área mais importante, o setor que condiciona o desempenho de todos os outros: a economia.
Condenado a pôr os pingos nos seus próprios "is", Lula talvez devesse auscultar o partido. Como assembleísmo é coisa do passado, aplicaria um questionário escrito. Dez perguntinhas bastariam. Todas de múltipla escolha, para evitar respostas desagregadoras.
As perguntas ficariam mais ou menos assim:
1) O discurso do neo-PT deve:
a) atacar o que sempre defendeu;
b) defender o que sempre atacou;
c) soprar o que antes mordia;
d) morder o que antes soprava.
2) O melhor epitáfio para o túmulo do ex-PT é:
a) fui cobrar de Marx a minha vida eterna;
b) deixo a ideologia para cair na vida;
c) aqui jaz uma vítima do desaquecimento de demanda do mercado ideológico;
d) não contem mais comigo.
3) Sob o neo-PT, o futuro reserva ao Brasil:
a) uma Pasárgada com o Sarney no papel de amigo do rei;
b) uma Pasárgada sem a mulher desejada na cama escolhida;
c) a purificação hoje do que ontem era execrável;
d) um amanhã de ontem que não chegou hoje.
4) Para provar que a política econômica mudou, Palocci deve:
a) postar-se à direita de Malan;
b) conservar-se à direita de Malan;
c) continuar à direita de Malan;
d) todas as opções anteriores.
5) Henrique Meireles é o melhor nome para um BC porque:
a) é mais Armínio do que o próprio Fraga;
b) é mais Fraga do que o próprio Armínio;
c) pensa como o Armínio e age como o Fraga;
d) age como o Armínio e pensa como o Fraga.
6) Resta à companheira Heloísa Helena:
a) pensar dez vezes antes de calar;
b) lembrar que em boca que engole sapo não entra mosquito;
c) perceber que o pragmatismo fala mais alto que o grito ideológico;
d) fingir-se de morta.
7) Para mostrar ao FMI que acabou a moleza, o neo-PT deve:
a) escalar o Suplicy para ciceronear a próxima missão;
b) acomodar os homens do Fundo em quartos sem TV;
c) obrigar esse pessoal a carregar as próprias malas;
d) servir água quente e café frio nas reuniões da Fazenda.
8) O trabalho deve finalmente cair nos braços do capital porque:
a) se o bom sentimento é uma utopia, melhor casar logo por dinheiro;
b) se a castidade caiu de moda, melhor aderir à comunhão de males;
c) dinheiro não compra felicidade, mas paga a reeleição;
d) ou todos têm uma chance no mercado ou o liberalismo não faz sentido.
9) O que melhor caracteriza o espírito revolucionário do neo-PT é:
a) confiar ao PL a missão de moralizar a pasta dos Transportes;
b) arrendar a sede do BC em Brasília ao BankBoston;
c) amarrar as boas intenções humanistas no toco da realidade;
d) acabar com a ilusão de que é possível fazer história sem se lambuzar.
10) À meia dúzia de insubmissos sobreviventes da esquerda recomenda-se que:
a) tentem vencer na vida, para virar direita;
b) leiam o livro de auto-ajuda Lanterna na Popa, do Roberto Campos;
c) releiam o livro de auto-ajuda Lanterna na Popa, do Roberto Campos;
d) peçam asilo ao Itamar na embaixada em Roma.



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